"Saramago tinha coisas para dizer e disse-as. É isso que devemos fazer"

Zeferino Coelho, editor há cerca de 50 anos, 31 deles passados a publicar José Saramago, é o entrevistado de hoje do Vozes ao Minuto. Vinte anos depois de ter celebrado, em Frankfurt, a atribuição do Nobel, o editor da Caminho evoca a obra saramaguiana, reflete sobre a literatura portuguesa e desvenda um pouco do lado pessoal da sua profissão.

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Pedro Bastos Reis
08/10/2018 09:00 ‧ 08/10/2018 por Pedro Bastos Reis

Cultura

Zeferino Coelho

Foi há 20 anos que José Saramago venceu o Prémio Nobel da Literatura. Há 39, decorria o ano de 1979, o escritor nascido na Azinhaga entrava nas antigas instalações da Caminho com a peça de teatro 'A Noite' debaixo do braço, para a entregar a Zeferino Coelho, o editor que o iria acompanhar nos 31 anos seguintes. Criava-se uma relação profissional que seria a base para uma relação de amizade. 

No seu gabinete, onde recebeu o Notícias ao Minuto, rodeado de livros, muitos de Saramago, claro, mas também de autoras como Sophia de Mello Breyner Andresen ou Isabela Figueiredo, Zeferino Coelho recorda o "entusiasmo" daquele histórico 8 de outubro de 1998, o dia em que, pela primeira vez, e única até ao momento, o Nobel da Literatura veio para Portugal

"Fui lá com o Saramago para a entrega do Prémio Nobel e conto ir lá ainda mais vezes", admite o editor da Caminho, que garante continuar a editar livros com o mesmo entusiasmo que tinha quando começou há cerca de 50 anos. Até porque fazer o telefonema, para cada um dos seus autores, a dizer que tem de abandonar a profissão não será fácil. "Vou adiando o telefonema que hei-de fazer um dia", desabafa. 

O Saramago era muito produtivo, ano sim ano não havia um romance novo, e por isso havia um contacto muito próximo e permanente. Foi com essa base que criámos uma boa relação de amizade que a mim me orgulhava muito.Assinalam-se, hoje, 20 anos da atribuição do Prémio Nobel da Literatura a José Saramago. O que sentiu quando soube da notícia?

Não foi bem uma surpresa, porque toda a questão até tinha sido colocada, com alguma insistência, no ano anterior. Foi um sentimento de confirmação. Havia todos os motivos para que acontecesse, e aconteceu. Recebi a notícia com a alegria correspondente.

Onde estava quando soube da notícia?

Estava na Feira do Livro de Frankfurt. Agora já deixei de ir, porque já não se justifica tanto, mas durante muitos anos fui. O anúncio do Prémio Nobel da Literatura é sempre naquela data, a uma quinta-feira, e, por acaso, nesse ano, coincidiu com a Feira de Frankfurt.

E José Saramago, onde estava?

Também estava em Frankfurt. Tinha estado, na véspera, na Feira. Ele estava a apanhar um avião para regressar a casa. Conversei com ele, sobre uns telefonemas estranhos e inesperados que indiciariam que ele podia ganhar o prémio, mas não havia certeza nenhuma. Portanto, ele decidiu voltar para casa, mas combinámos uma coisa: como o anúncio do prémio é sempre à mesma hora (às 13h00 em Estocolmo, menos uma hora em Portugal) e eles são muito certinhos, e ele tinha o avião por volta das 13h00 e picos, disse-lhe para ligar, antes de entrar no avião, para o pavilhão de Portugal da Feira de Frankfurt para eu lhe dar a notícia. Mas quando ele telefonou já sabia, porque já lhe tinham dito no aeroporto.

Depois disso, quando falaram, o que lhe disse José Saramago?

Não disse nada de especial. Depois de falarmos, fui buscá-lo ao aeroporto, para voltar para a Feira do Livro de Frankfurt, porque havia lá um grande entusiasmo entre os portugueses que lá estavam, mas não só, porque no mesmo sítio em que ficam os editores portugueses estavam também os brasileiros e espanhóis, zonas em que Saramago era muitíssimo conhecido e apreciado. Havia um grande entusiasmo e por isso fui buscá-lo.

‘Ensaio sobre a Cegueira’ é o livro mais bem construído, mas equilibrado do ponto de vista da construção romanesca, mantendo, ao mesmo tempo, aquele estilo muito aliciante, que nos faz aceitar aquela história como sendo nossaE celebraram.

Exatamente. Foi um grande entusiasmo.

Como era sua relação pessoal e profissional com Saramago?

Era boa. Comecei a ter esta minha relação profissional com ele – a base sempre foi essa, eu era o editor – em 1979. O prémio foi em 1998, portanto, esta relação já tinha quase 20 anos, e depois prosseguiu. Era uma relação ótima que tinha essa base profissional. O Saramago era muito produtivo, ano sim ano não havia um romance novo, e por isso havia um contacto muito próximo e permanente. Foi com essa base que criámos uma boa relação de amizade que a mim me orgulhava muito.

Lembra-se da reação que teve quando José Saramago lhe enviou o primeiro livro que viria a publicar pela Caminho?

Ele telefonou-me e marcámos um encontro, porque ele queria publicar uma peça de teatro chamada ‘A Noite’. Combinámos o encontro na sede da editora, perto do Campo Mártires da Pátria, mesmo em frente à entrada do Hospital dos Capuchos, onde a editora funcionava naquela altura, e ele trouxe-me a peça datilografada debaixo do braço, não é como agora que é tudo por e-mail [risos], e lá ma entregou. Foi a primeira vez que conversei com ele.

O que achou da peça de teatro?

Achei a peça boa, bem construída, interessante e bem feita.

Um ano depois, em 1980, sai o ‘Levantado do Chão’, que introduz uma nova escrita na obra do autor. Como recebeu o livro?

Com muita surpresa e entusiasmo, porque nunca tinha visto nada escrito daquela maneira. Entrei imediatamente no livro, o que não acontecia com toda a gente. Comecei a ler o livro e percebi onde estava, deixei-me levar pelo texto e entrei nele. Aquilo dá imenso gozo ler. Foi uma surpresa, porque o Saramago não escrevia assim e passou a escrever. E ninguém escrevia assim.

Sabe porque é que ele decidiu começar a escrever daquela forma?

Ele estava a escrever aquela história e, numa crónica publicada em setembro de 1977, chamada ‘Recado para João Basuga’, em que se vê que ele já estava ativamente a trabalhar... [abre o livro de crónicas ‘Folhas Políticas’ e lê uma parte do texto ‘Recado para João Basuga’]

Saramago era assim, juntava, por um lado, uma necessidade de intervir nas coisas, na convicção de que é nossa obrigação corrigir o que está mal, mas, ao mesmo tempo, com uma noção muito clara e clarividente de que a corrigir o que está mal estamos nós desde o início e isto está tudo na mesmaÉ um prenúncio do que vem a ser desenvolvido no ‘Levantado do Chão’, um livro sobre o Alentejo.

O Saramago esteve lá, instalou-se lá, e foi daí que tirou este seu livro. Ele estava a escrevê-lo de uma maneira tradicional, mas, de repente, quando tinha 40 páginas escritas, saltou-lhe espontaneamente como se estivesse a conversar e a contar a alguém as histórias do Basuga. Aquilo começou a sair-lhe assim, deitou fora o resto que tinha escrito e voltou a escrever já segundo este novo estilo, que teve um enorme êxito e surpreendeu imensa gente.

Ele próprio dizia que esse estilo era para ser lido em voz alta, como um diálogo que fluía naturalmente.

Exatamente. Como se estivéssemos a contar aquela história a alguém que está na nossa frente. E para fazer isto não é preciso mais do que vírgulas e pontos finais. Isso aconteceu comigo, comecei a ler e entrei no estilo, absorvi aquilo.

O que torna José Saramago um escritor especial?

Quando saiu o ‘Levantado do Chão’, ele já tinha uma idade considerável (58 anos), uma altura em que se está a entrar na reta final, digamos. Ele começou aí e não parou. Tinha poucos livros publicados, coisas que nem queria recordar, e um romance, ‘Manuel de Pintura e Caligrafia’, os livros de crónicas, dois livros de poesia. Era assim um escritor menor, mas a partir do ‘Levantado do Chão’ é que ele escreveu milhares de páginas de coisas fantásticas.

Consegue escolher um livro favorito do autor?

Consigo perfeitamente. O meu livro favorito é o ‘Ensaio sobre a Cegueira’.

Porquê?

Acho que é o livro mais bem construído, mas equilibrado do ponto de vista da construção romanesca, mantendo, ao mesmo tempo, aquele estilo muito aliciante, que nos faz aceitar aquela história como sendo nossa. É, em todo o caso, muito mais despojado e elegante no sentido de que aquilo é limpo, simples e claro, e a história desenrola-se com toda a clareza.

Tudo o que conquistámos, nomeadamente a possibilidade de escrevermos e publicarmos aquilo que entendemos, existe, mas não está garantido. De repente aparece um Sousa Lara ou um Cavaco e põe isso em causaÉ também um dos livros mais crus do autor, muito duro de ler.

Saramago era assim, juntava, por um lado, uma necessidade de intervir nas coisas, na convicção de que é nossa obrigação corrigir o que está mal, mas, ao mesmo tempo, com uma noção muito clara e clarividente de que a corrigir o que está mal estamos nós desde o início e isto está tudo na mesma. Há um certo pessimismo no olhar para a nossa história, mas também um certo otimismo, porque quem intervém para desempenhar o seu papel cívico tem de ter algum otimismo. O Saramago era bastante cético, mas não era cínico. Era um homem de Esquerda que achava que o mundo se podia tornar melhor. Não era aquela posição, normalmente de Direita, que acha que não há nada a fazer, que o homem é uma besta e por isso deixa-se tudo como está.

Acho que no Saramago acabava por vencer o lado do otimismo. O ‘Ensaio sobre a Cegueira’ é um exemplo muito interessante nesse aspeto, porque aquilo termina bem. Tem o horror, o comportamento desumano como se fôssemos animais e bestas, mas no fim a cegueira desaparece, as pessoas começam a recuperar a visão, começam a ver, lá no fundo, no meio daquela cidade feita no caos, o verde da floresta. Mas o ‘Ensaio sobre a Cegueira’ tem uma continuação, o ‘Ensaio sobre a Lucidez’, em que aparecem os mesmos personagens, e esse termina de uma forma muito trágica, com a mulher do médico, essa personagem admirável que Saramago criou, a ser assassinada.

Se os detentores atuais dos direitos da obra do Saramago acharam que deviam ir para outra editora, muito bemAssim como o cão das lágrimas, uma personagem que é um símbolo da esperança no ‘Ensaio sobre a Cegueira’.

Exatamente. O cão das lágrimas acaba assassinado porque estava a uivar pela morte da sua dona. Até podíamos dizer que se matam o cão das lágrimas não há esperança nenhuma.

No ‘Ensaio sobre a Cegueira’ temos o pior da humanidade com as violações no manicómio, por exemplo, mas também temos a mulher do médico, uma figura bondosa por si só.

Ela salva-nos a todos, mas é assassinada no fim do ‘Ensaio sobre a Lucidez’. Cada um puxa mais para aqui ou mais para ali, você que é um rapaz novo puxa para um lado, eu que sou mais velho para o outro [risos].

Olhei para a sua estante e reparei no ‘Evangelho Segundo Jesus Cristo’, uma das obras mais marcantes de Saramago. Como reagiu à polémica com o ex-secretário de Estado da Cultura Sousa Lara que vetou a candidatura de Saramago ao Prémio Literário Europeu?

Foi uma coisa lamentável que ocorreu no governo do professor Cavaco Silva, é bom não esquecer, ele que agora até anda a mandar bocas. É uma pessoa sem caráter, essa é a sua principal característica. Foi uma situação muita inesperada, apesar de tudo já tinha havido o 25 de Abril, já nos tínhamos instalado na vida democrática. Foi um choque, mas significa que, como o próprio Saramago dizia, a democracia nunca é um dado adquirido. É uma coisa por que temos de lutar todos os dias.

Eu próprio até dizia, a brincar, é certo, que fui lá com o Saramago para a entrega do Prémio Nobel e que conto ir lá ainda mais vezesEssa é uma das melhores lições que podemos tirar da obra de Saramago, a inquietação constante.

Não podemos dizer que está tudo feito e que podemos ir descansar. Isso não existe. Tudo o que conquistámos, nomeadamente a possibilidade de escrevermos e publicarmos aquilo que entendemos, existe, mas não está garantido. De repente aparece um Sousa Lara ou um Cavaco e põe isso em causa.

A saída de José Saramago de Portugal foi vista, por alguns portugueses, como uma atitude cínica, de alguém que não gosta do país. Essa ideia ainda existe nos dias de hoje?

Em algumas pessoas existe, mas é falsa. Eu estava em contacto permanente com o Saramago, e posso testemunhar que ele estava muito mais atento ao que se passava cá do que a esmagadora maioria dos portugueses que cá vivem. Deixar o país? Abandonar o país? Não, manteve-se sempre ligado à vida nacional.

Qual foi a importância da atribuição do Prémio Nobel para a literatura portuguesa?

Ansiávamos pelo Nobel há muitos anos mesmo. Há muito tempo que nos sentíamos desprezados e esquecidos, que ninguém nos ligava [risos]. De repente, o problema está resolvido, também já temos um Prémio Nobel da Literatura. Ainda bem que foi nosso, porque podia não ser. Havia brasileiros que justificavam o Nobel, como Jorge Amado.

Notícias ao MinutoJosé Saramago na conferência de imprensa na Feira do Livro de Frankfurt, no dia em que foi anunciado o Nobel. Ao seu lado direito, o editor Zeferino Coelho© Reuters

O Prémio Nobel deu uma nova exposição à literatura portuguesa?

De repente, nas feiras internacionais, nomeadamente a de Frankfurt, as pessoas perguntavam por outros autores portugueses. É a reação a uma literatura de um país em que geralmente não se fala na imprensa estrangeira, mas que é um país europeu, que até teve um passado interessante, os gajos dos ‘descobrimentos’ e dessas coisas. O Prémio beneficiou, e muito, a imagem do país e da literatura portuguesa. Mas também, e isto é um facto, o Saramago, pelo que fez a seguir, contribuiu muito para dar consistência e expandir a nova atenção virada para a literatura portuguesa, uma literatura muito rica, mas que era desconhecida pelos outros.

Saramago também não era consensual, tal como o Lobo Antunes não é. O Saramago fez o que tinha a fazer, os prémios vêm depois. Ele tinha coisas para dizer e disse-as. É isso que devemos fazerPassados 20 anos não voltámos a ter um autor português a vencer o Nobel. Acha que isso pode mudar em breve?

Espero que sim. Eu próprio até dizia, a brincar, é certo, que fui lá com o Saramago para a entrega do Prémio Nobel e que conto ir lá ainda mais vezes.

Com quem é que imagina ir?

Não sei [risos]. Mas acho que ainda me vai calhar essa coisa.

José Saramago disse que Gonçalo M. Tavares [com obra publicada pela Caminho], um dia, iria vencer o Prémio Nobel. Acredita nisso?

Acredito, sim. O Gonçalo M. Tavares e outros.

Um dos autores que é muitas vezes falado como candidato ao Nobel é António Lobo Antunes. Considera, neste momento, que é o autor mais consensual e que mais merece essa distinção?

Bom, coisas consensuais não existem, e o Saramago também não era consensual, tal como o Lobo Antunes não é. O Saramago fez o que tinha a fazer, os prémios vêm depois. Ele tinha coisas para dizer e disse-as. É isso que devemos fazer.

Este telefonema não é fácil, portanto vou adiando o telefonema que hei-de fazer um dia, se não morrer subitamente

A Caminho faz hoje parte de um grande grupo editorial, a Leya. A vontade de publicar livros ainda é a mesma que tinha quando começou há cerca de 50 anos?

É. Continuo a trabalhar e, embora tenha 73 anos, enquanto me quiserem aqui na Leya, cá continuarei, mas um dia terei de deixar. Esta coisa de ser editor, este emprego, cria relações com os autores, relações que têm uma base profissional, mas a que se vai acrescentando novas qualidades. Se eu deixar de trabalhar, o que tenho de fazer? Faço uma lista, ponho os números de telefone à frente do nome das pessoas e começo a telefonar a dizer que no próximo mês já cá não estou. Este telefonema não é fácil, portanto vou adiando o telefonema que hei-de fazer um dia, se não morrer subitamente.

Foi muito difícil para si lidar com a mudança da obra de José Saramago da Caminho para a Porto Editora?

Acho que não foi, porque, de alguma maneira, eu já estava à espera que isso acontecesse. Não me pergunte porquê, porque não sei bem, mas é uma coisa que, enquanto editor, está sempre em cima da mesa. Faz parte do direito dos autores irem publicar onde muito bem entenderem. E se os detentores atuais dos direitos da obra do Saramago acharam que deviam ir para outra editora, muito bem.

As pequenas e médias editoras continuam a existir porque uma pessoa sozinha, no seu quarto, com uma resma de papel e uma esferográfica pode fazer uma obra-primaAceitou naturalmente.

São muitos anos. Entretanto, ele morreu, não há muito mais a fazer com a obra do Saramago. Ela está aí, feita e publicada, acompanhada sempre por ele. Pode-se fazer coisas, claro que sim, mas ao fim destes anos todos, são 31 anos [a publicar a obra de Saramago]. Evidentemente que não é uma boa notícia para mim, mas há aí outros autores com quem trabalho que são pessoas que estão a construir uma obra notável, e eu estou lá.

Quer dar-me alguns exemplos?

Não vou particularizar, são todos eles. Trabalho com eles com o mesmo empenho com que trabalhei com o Saramago quando ele apareceu na Caminho, em 1979, para publicar uma peça de teatro.

O que distingue a Caminho no panorama literário português?

A Caminho era uma pequena editora e agora é uma pequena marca num grupo editorial grande. Continuamos a trabalhar com autores de língua portuguesa, temos uma secção infantil, que sempre foi muito importante, e é aí que nós estamos.

A tendência tem sido as grandes editoras agregarem as pequenas…

… sim, mas a grande quantidade de pequenas e médias editoras que existe é impressionante. Continuam a existir porque uma pessoa sozinha, no seu quarto, com uma resma de papel e uma esferográfica pode fazer uma obra-prima. De um modo geral, o grande grupo não tem grande vocação para ir descobrir estas coisas. O Saramago foi a duas ou três editoras antes de ir à Caminho.

Há muita gente nova a escrever e a escrever bem, coisas realmente importantes. Estou muito contente, porque um dia destes largo a profissão, mas estou a trabalhar com gente nova, alguns com 30 anos, que estão a fazer coisas maravilhosasSão cada vez mais as pequenas livrarias, muitas delas históricas, a fechar. A literatura está condenada a ser vendida apenas nas grandes superfícies?

Acho que não. Quando se chega à beira do abismo, acontece sempre alguma coisa. A criação literária não vai desaparecer. Mas o que acontece é que há tendências dominantes e depois as editoras têm tendência para ir atrás disso. Aí há uma vasta produção, o que vende muito, os chamados best-sellers, e as livrarias que fazem parte de grupos comportam-se desta maneira: isso vende muito? Ok, tem muito espaço na minha livraria. Não vende? Então não tem espaço nenhum.

Isso não é um bocado perverso?

É. Mas esta é a tendência que existe nas livrarias, porque as pessoas vão atrás disto, não importa se é bom. As pequenas livrarias ficam muito esmagadas por esta coisa porque as pessoas têm tendência para ir comprar às grandes superfícies e aos grandes grupos porque eles aparecem de maneira muito mais visível do que o pequeno livreiro independente. Não é fácil.

É pessimista em relação ao futuro da literatura?

Não, não. Acho até que há um certo florescimento da literatura portuguesa, com características novas. Há muita gente nova a escrever e a escrever bem, coisas realmente importantes. Estou muito contente, porque um dia destes largo a profissão, mas estou a trabalhar com gente nova, alguns com 30 anos, que estão a fazer coisas maravilhosas. Isto vai continuar, em que moldes não sei, mas vai.

 

 

 

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