"Portugal perdeu um dos seus maiores criadores musicais de sempre"
O escritor José Jorge Letria lamentou hoje a morte do músico José Mário Branco, aos 77 anos, comentando que "Portugal perdeu um dos seus maiores criadores musicais de sempre".
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Cultura José Mário Branco
Contactado pela agência Lusa, o escritor e presidente da Sociedade Portuguesa de Autores (SPA) disse ter uma memória pessoal "muito forte e intensa" de "um homem corajoso que esteve preso e no exílio".
Nascido no Porto, em maio de 1942, José Mário Branco é considerado um dos mais importantes autores e renovadores da música portuguesa, a partir do final dos anos de 1960 e em particular do período imediatamente anterior à Revolução de Abril de 1974, cujo trabalho se estende também ao cinema, ao teatro e à ação cultural.
José Jorge Letria disse que o músico deixa uma marca profunda "como autor de canções intemporais e poderosas, que deram voz ao anseio de mudança, e ao desejo de liberdade e democracia que havia nos cantores e nos portugueses nessa época no final dos anos 1960 e 1970".
"Foi um excecional autor de canções, mas foi sobretudo um orquestrador excecional, outra marca que também deixa, e que conseguiu imprimir nos discos que fazia com Zeca Afonso, Sérgio Godinho e outros", disse, recordando que José Mário Branco lhe fez os arranjos musicais do disco "Até ao Pescoço" (1972).
O presidente da SPA recordou que 'Cantigas do Maio' (1971), disco de José Afonso, que teve produção de José Mário Branco, "foi fundamental, e por ter a canção 'Grândola Vila Morena', iria mudar a história politica contemporânea portuguesa", porque foi usada como senha da resistência na revolução do 25 de Abril.
José Mário Branco dirigiu 'Venham Mais Cinco' (1973), o álbum seguinte de José Afonso, produzido por José Niza.
José Jorge Letria recordou ainda que o músico deixou outra grande marca na história da canção da resistência, como organizador e mobilizador de vontades: "Logo a seguir ao 25 de Abril, quis definir a estrutura da organização em que os cantores se iriam integrar para fazer chegar as suas vozes ao povo português", disse à Lusa.
Lembrou ainda, a propósito, que quando Branco voltou do exílio, de Paris, em 1974, organizou, na mesma noite, uma reunião na casa do pai, com a presença de Letria, Sérgio Godinho e Carlos Paredes.
"Ele fez uma declaração política e cultural a explicar o que era preciso os cantores fazerem na época para prosseguir a concretização da liberdade e da democracia", apontou.
José Mário Branco foi fundador do Grupo de Ação Cultural (GAC), fez parte da companhia de teatro A Comuna, fundou o Teatro do Mundo, a União Portuguesa de Artistas e Variedades e colaborou na produção musical de outros artistas, nomeadamente Camané, Amélia Muge, Samuel e Nathalie.
O poeta disse ainda que o trabalho de José Mário Branco era caracterizado por "uma enorme exigência, tendo lutado contra a adversidade durante muito tempo, por não ter conseguido criar todos os discos que pretendia".
"Desde então, fez espetáculos inesquecíveis, revisitando as canções e épocas que viveu intensamente", acrescentou.
José Jorge Letria falou ainda da última fase da vida de Branco, destacando o facto de se ter transformado "num produtor de excepcionais discos de fado, nomeadamente com Camané".
"Ele era um gestor de talentos e de energias", comentou, lembrando que a SPA lhe atribuiu a Medalha de Honra para o homenagear.
Em 2018, José Mário Branco cumpriu meio século de carreira, tendo editado um duplo álbum com inéditos e raridades, gravados entre 1967 e 1999.
A edição sucede à reedição, no ano anterior, de sete álbuns de originais e de um ao vivo, de um período que vai de 1971 e 2004.
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