Pandemia vai mudar o "centro da reflexão" da Arquitetura

Os curadores da representação portuguesa na Bienal de Veneza de Arquitetura estão convictos de que a pandemia vai mudar o centro da reflexão da arquitetura, sobretudo na valorização do espaço público, e consideram-na uma oportunidade para identificar problemas e soluções.

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Lusa
13/03/2021 15:44 ‧ 13/03/2021 por Lusa

Cultura

Bienal de Veneza

Composto pelos curadores João Crisóstomo, Carlos Azevedo, Luís Sobral, sócios fundadores do atelier portuense depA architects, e Miguel Santos, curador-adjunto, o projeto designado "In Conflict" consiste numa exposição, a apresentar a partir de maio, em Veneza, e nove debates, o primeiro a ter início no domingo, em formato 'online', sobre estratégias de habitação na capital.

Hashim Sarkis, curador-geral da 17.ª Exposição Internacional de Arquitetura de Veneza - marcada para os dias 22 de maio a 21 de novembro de 2020 - lançou, como guia para os participantes desta edição, o tema "How we will live together" ("Como vamos viver juntos", em tradução livre), que acabou por adequar-se totalmente à realidade que o mundo vive hoje, num convívio forçado à distância, para a proteção da saúde pública, ainda sem fim à vista.

Em entrevista à agência Lusa, o coletivo falou sobre o impacto que a pandemia tem no pensamento arquitetónico: "Traz à luz questões muito importantes, que os arquitetos e urbanistas devem pensar, as várias escalas do espaço que vão ser afetadas, desde o espaço doméstico, que deverá sofrer alterações de certeza, com o teletrabalho, a valorização dos espaços do exterior, como estão a ser cada vez mais, por exemplo, as pequenas varandas das habitações", apontou o curador João Crisóstomo.

"A valorização do espaço público físico, das cidades, do território, o seu dimensionamento, a valorização dos espaços verdes, são temas e reflexões que vão estar no centro da reflexão da arquitetura", em resultado do impacto nefasto da pandemia, acrescentou.

O curador recordou que este debate, com temas que sempre foram discutidos pelos arquitetos e urbanistas, abre-se agora ainda mais, com o envolvimento da opinião pública: "Há um alerta para a sociedade em geral, para uma consciencialização do valor do espaço público e da sua integração na nossa vida. Não é apenas um espaço que se percorre entre casa e trabalho, mas contribui muito para a nossa qualidade de vida e de saúde".

Luís Sobral, por seu lado, sublinhou a questão das desigualdades que se destacaram com a realidade pandémica, e às quais, considera que toda a gente ficou mais sensível. "Numa vida normal, essas desigualdades sociais são superadas pelos espaços públicos. Mas, presos em casa, muitos alunos, por exemplo, ficam sem acesso às condições que podem ter na escola, nos refeitórios e bibliotecas".

"Em pandemia, as desigualdades sociais agravam-se. É uma altura muito boa para identificar problemas que poderão ser melhorados", acrescentou o curador, advertindo para a "tentação de resolver os problemas de forma rápida", e, em vez disso, "encontrar respostas pensadas e ponderadas".

Nesta linha de pensamento também se enquadram os objetivos principais do projeto "In Conflict", destacou ainda Luís Sobral, apontando que, "muitas vezes, a arquitetura tende a afastar-se do público em geral, porque os arquitetos ficam presos a questões muito disciplinares e menos acessíveis".

Por essa razão, o coletivo propôs trabalhar o tema da habitação, e uma série de sete processos de habitação, dos últimos 50 anos, demonstrando-os de forma "menos convencional, a partir das notícias, do eco que tiveram na imprensa, e da discussão pública", disse, sobre o conteúdo da exposição que vão apresentar em Veneza.

"Queremos, com isso, dar a entender às pessoas que a arquitetura é uma disciplina de interesse público, e que está muito presente na vida delas", por um lado, e, por outro, "chamar a atenção e reavivar, junto dos arquitetos, o papel mais interventivo, e a dimensão social e de interesse público da profissão, recordando o papel muito importante destes profissionais, de gerações anteriores, nomeadamente na construção do país, no pós-25 de Abril", lembrou o arquiteto Luís Sobral.

O confronto de ideias e de perspetivas é outra ideia central do projeto "In Conflict", que, como esclareceu o curador Carlos Azevedo, "não remete para uma lógica bélica, mas enquanto ação", chamando a atenção para "a arquitetura como mais um dos mediadores desse debate" em curso.

Por esta ideia ser tão importante no projeto, o coletivo introduziu um conjunto de debates no programa, além da exposição.

"Um dos objetivos era alargar o debate a outras disciplinas e interlocutores. Não queríamos que a exposição se encerrasse em si própria, e também não só na arquitetura", sublinhou João Crisóstomo à Lusa, acrescentando que, através uma 'open call' foram convidados coordenadores para orientar seis debates sob temas da sua escolha, "o mais abrangente possível".

Miguel Santos indicou que o coletivo acabou por ampliar o projeto com três debates em formato 'online', para preceder a abertura da Bienal de Veneza, em maio, e que "servirão de introdução à curadoria e a esta discussão, lançando a reflexão sobre os efeitos da pandemia, e sobre a resposta que a sociedade pode construir".

Em discussão estarão também outros temas bastante atuais, como a construção do novo aeroporto, a ligação ferroviária de alta velocidade, a descolonização da cidade, com o destino a dar os símbolos coloniais, e o papel da arquitetura nas políticas de habitação, bem como os aguardados fundos europeus para a resiliência e recuperação.

No domingo, o primeiro debate, será organizado e moderado por Gennaro Giacalone, João Romão e Margarida Leão, para questionar o futuro da habitação em Lisboa, sob o título "Debating Lisbon's Housing Strategy" ("Debater a estratégia de Lisboa para a habitação"), pelas 18:30.

Os oradores serão a deputada e arquiteta Filipa Roseta, a arquiteta Inês Lobo, o geógrafo Luís Mendes e o vereador da Câmara Municipal de Lisboa Ricardo Veludo.

O segundo debate, organizado e moderado por Bernardo Amaral e Carlos Machado e Moura, a acontecer no dia 28 de março, pela mesma hora, tem por objetivo "explorar o papel da arquitetura nas construções de emergência que atualmente operam para o abrigo de populações refugiadas", e contará com os arquitetos Manuel Herz e Maria Neto, a quem se juntará o antropólogo Michel Agier, no painel "Instant City".

No dia 11 de abril, será a vez do debate "Lines of Violence", de Patrícia Robalo, que juntará os arquitectos Aitor Varea Oro e Lígia Nunes, a programadora Ana Bigotte Vieira, a investigadora Helena Barbosa Amaro, o tradutor Nuno Leão e Sandra Lang, construtora de violinos, para fazer uma análise da produção do conflito na contemporaneidade.

Os seis outros debates terão lugar em Veneza, no Palazzo Giustinian Lolin, sede do Pavilhão de Portugal, no mês de maio, na sede da Trienal de Arquitetura de Lisboa, no Palácio Sinel de Cordes, na capital portuguesa, a seguir, no mês de junho, e no MIRA Forum, no Porto, durante o mês de setembro.

A exposição patente no Palazzo Giustinian Lolin em Veneza, que será inaugurada a 22 de maio, completa a curadoria portuguesa na 17.ª Exposição Internacional de Arquitetura da Bienal de Veneza 2021, adiada de 2020 devido à pandemia covid-19.

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