"Seria a melhor forma de resolver este problema, se a guerra acabasse em paz. Mas, como sabemos, a Rússia tem grandes ambições e exige demasiado de nós, quer o nosso território", lamentou 'Ivan' - nome fictício para não ser identificado -, um dos recrutas a frequentar aulas numa base aérea britânica.
Em declarações a um grupo de jornalistas, entre os quais a Agência Lusa, este jovem garantiu estar preparado para combater na guerra porque, vincou, é um piloto militar e tem como dever defender as fronteiras do país.
"Os nossos homens estão a lutar agora para defender o nosso país e nós também estamos prontos para isso. O nosso papel aqui é a formação e, no futuro, teremos novos aviões, novas práticas e isso vai aumentar o nosso poder de defesa", afirmou.
'Ivan' é um de 10 jovens pilotos ucranianos atualmente a frequentar um curso providenciado pela Royal Air Force (RAF), a força aérea do Reino Unido.
Durante seis meses, recebem formação intensiva em língua inglesa, medicina aeronáutica, manuseamento geral dos aviões, radiotelefonia e comunicação com o controlo de tráfego aéreo, navegação a baixa altitude e treino de voo avançado em formação.
Depois do Reino Unido, seguem para outros países da Coligação para a Capacidade Aérea, coliderada pelos Estados Unidos, Dinamarca e Países Baixos, da qual Portugal também faz parte, destinada a preparar os pilotos ucranianos a comandar caças F-16 e Mirage 2000 viabilizados por aliados ocidentais.
O Presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, disse em maio que a Ucrânia precisava de cerca de 130 F-16 para ter paridade aérea com a Rússia, mas os países ocidentais prometeram menos de 100 e só entregaram algumas dezenas.
Durante décadas, a força aérea ucraniana usou aviões de combate de fabrico soviético, como os MiG-27, MiG-29 e SU-27, mas, além de estarem desatualizados, o conflito com a Rússia reduziu o acesso a peças para reparações.
Com o apoio dos aliados chegou o acesso a equipamento mais moderno, com instrumentos e padrões diferentes e destinados a voar de acordo com as normas da NATO, diferentes daquelas até agora seguidas pela Ucrânia.
Desde agosto de 2023, o Reino Unido já formou 250 militares ucranianos no âmbito da Operação Interstorm, dos quais 24 pilotos, mas também mecânicos e técnicos de apoio em terra, que depois seguem para países como França e Canadá.
Alguns destes já tiveram ou vão receber treino de voo em F-16 em Portugal em 2025, incluindo por instrutores noruegueses, segundo adiantou o Governo norueguês em dezembro.
No total, o programa de treino acelerado desenhado pela Coligação está programado para durar 18 meses, quase metade dos cerca de cerca de três anos habituais para pilotos ficarem habilitados a voar caças modernos como o F-16.
Um dos principais objetivos deste curso é preparar os pilotos ucranianos a voarem de acordo com as normas e práticas usadas na NATO, aliança à qual Kiev aspira juntar-se no futuro próximo.
Mas a exclusão da NATO é uma das condições impostas pelo presidente russo, Vladimir Putin, para negociar um acordo de paz.
Para os pilotos ucranianos, que antes fizeram cerca de três anos de estudos na Ucrânia, o treino no estrangeiro é uma oportunidade para aprender a voar "outro tipo de avião, mais rápido, com normas diferentes, exercícios diferentes", salientou Ivan.
O treino representa também um desafio porque os aviões soviéticos usam métricas para a velocidade e altitude como metros, quilómetros ou minutos, enquanto as aeronaves da NATO usam o sistema imperial de milhas, pés e nós.
"Nos aviões soviéticos, os instrumentos indicadores de atitude e de velocidade estão localizados em diferentes posições no cockpit e há diferentes formas de ler a informação. É um pouco difícil compreender isto no início", explicou Yakiv, outro dos pilotos que falou com a Lusa.
Mas não foi só em questões técnicas que este militar ucraniano encontrou diferenças. A estadia na base aérea na região das Midlands, centro de Inglaterra, proporcionou um choque cultural.
"Perguntam-nos frequentemente como estamos, mas quando começamos a descrever o que sentimos, eles não querem saber. É apenas uma pergunta educada e é muito estranho, por na Ucrânia, as pessoas perguntam porque estão interessadas", gracejou Yakiv.
Em comum, têm a boa disposição, "essencial na vida militar" para lidar com a pressão, mas "às vezes, é difícil explicar as nossas piadas ucranianas aos britânicos e compreender o humor dos britânicos", ironizou Yakiv.
Os risos são genuínos, mas a dos pilotos ucranianos postura é tensa e séria.
Tal como pediram para usar nomes fictícios, os jovens recusaram falar da vida pessoal por receio de serem identificados e eles ou as suas famílias sofrerem represálias.
"Estamos muito satisfeitos com o facto de o Reino Unido nos ter dado tanto apoio e isso é muito bom. É bom sabermos que não estamos sozinhos e que o mundo compreende que a Rússia é o grande inimigo, que mata a população civil e apenas os militares", confessou Ivan.
Para este jovem, "é bom que o mundo compreenda que temos de lutar contra a Rússia, que temos de nos defender e que precisamos de apoio, porque não temos oportunidade de o fazer sozinhos".
Otimista no futuro, mesmo incerto, Ivan está convicto de que este treino vai contribuir para modernizar a Ucrânia e aproximá-la mais do Ocidente e da NATO, indicando que como "futuros oficiais de alta patente, talvez generais", terão de "mudar as práticas ucranianas"
Sobre o impacto dos F-16, Ivan sabe que "não são a chave para ganhar a guerra", mas serão úteis porque, salientou, "vão dar-nos a oportunidade de combater as aeronaves inimigas de forma mais eficiente, com mísseis e radares de maior alcance".
"Atualmente, o grande problema são os mísseis inimigos e os drones que atacam as centrais elétricas e as infraestruturas energéticas. Os F-16 dão-nos a oportunidade de nos defendermos, de abatermos os mísseis, mesmo se não podemos aproximarmo-nos da linha da frente e abater os inimigos, porque as táticas não funcionam assim", avisou.
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