'Bardo' acena aos Óscares com retrato do sucesso, morte e emigração
"Um óscar não traz felicidade", disse o realizador Alejandro González Iñárritu numa conferência de imprensa em Los Angeles, na noite de sexta-feira, mas o seu novo filme "Bardo" aparece como forte candidato às nomeações para os prémios da Academia.
© Getty Images
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'Bardo, falsa crónica de umas quantas verdades', partiu de uma autorreflexão do realizador mexicano, que venceu quatro Óscares por 'Birdman' (2015) e 'The Revenant - O Renascido' (2016).
"É aquele espaço entre quando algo morre ou termina e algo que se está a formar", afirmou Iñárritu. "Quando se emigra, quando se deixa o seu país, há algo que morre, há um espaço entremeio em que não se pertence a um lado nem ao outro".
O tema da emigração e das relações entre o México e os Estados Unidos permeia um filme sem uma estrutura clássica, falado em espanhol, com muitos momentos perturbadores e outros cómicos -- ou o toque surrealista que caracteriza o realizador.
"Foi um exercício de fechar os olhos e caminhar pela consciência de mim mesmo", disse Iñárritu. "Vou fazer 60 anos. Queria limpar o meu armário".
O filme, comprado pela Netflix, estreia nos cinemas a 18 de novembro e chega ao 'streaming' a 16 de dezembro, tendo sido selecionado como submissão oficial do México aos Óscares.
O personagem principal é Silverio Gama, um jornalista e autor de documentários mexicano que vive em Los Angeles e se depara com um ponto de inflexão que o força a lidar com a família, a perda, a noção de sucesso e o peso coletivo da história do México.
A sua história é profundamente pessoal mas Iñárritu disse não ser autobiográfica, porque não acredita em biografias. "Elas são mentiras. Não se pode dizer que foi assim que algo aconteceu, apenas como se recorda", disse o realizador, citando algo que Silverio Gama diz no filme: que a memória não tem verdade, apenas convicção emocional.
Este alter ego é interpretado pelo ator Daniel Giménez Cacho, que também esteve presente na conferência de imprensa.
"As suas coisas pessoas tornaram-se minhas. Eu estava a falar de mim, não dele, e não sei como isso aconteceu", afirmou. "Isto foi um privilégio e uma honra".
Perante as cenas que parecem não fazer sentido, Iñárritu pediu para deixar de lado a tentação de racionalizar. O realizador não deu sequer um guião aos atores porque achou que isso era desnecessário.
"É uma história sem história", disse, descrevendo o filme como fluído e semelhante a caminhar dentro de um sonho.
Mas algumas das tragédias referenciadas são muito reais: as mais de 100 mil pessoas que estão desaparecidas no México, sem explicação e sem consequências. O desespero dos migrantes que atravessam o deserto para tentarem chegar aos Estados Unidos, muitos ficando pelo caminho.
"As narrativas que nos contaram acomodam a agenda política", apontou Iñárritu.
O sentido de perda dos emigrantes, independentemente do motivo pelo qual saem do país, é um dos principais fios condutores e reflete a experiência do realizador.
"É muito difícil explicar isto a quem nunca deixou o seu país", confessou Iñárritu, falando de uma relação de amor-ódio tanto com a pátria que ficou para trás como com o país que se abraçou.
"Já não estou desesperado para pertencer", afirmou. "Rendi-me ao facto de que não posso voltar para trás. Não há caminho de volta, mesmo que se queira". Isto porque o país que se deixou e que se recorda deixou de existir ao longo dos anos, evoluiu, e um regresso a casa nunca oferece um regresso ao sítio original.
"Permiti-me viver neste espaço de me tornar, em permanente transformação, e a minha nação é a minha família".
No filme, a família nuclear é composta pela mulher Lucia (Griselda Siciliani), a filha Camila (Ximena Lamadrid) e o filho Lorenzo (Íker Sánchez Solano).
A história também faz uma exploração do que é o sucesso, usando um ensinamento que o pai de Iñárritu lhe transmitiu: o sucesso prova-se, bochecha-se e depois cospe-se, sob pena de nos envenenar.
"Dizem-nos, desde crianças, que o sucesso é um sítio onde se chega e que irá mudar tudo e resolver os nossos problemas", afirmou o realizador. Mas isso, na verdade, é uma miragem, continuou, a busca por um oásis que nunca se alcança.
"O sucesso é quando já não precisamos de o buscar", considerou. "Se somos infelizes, não importa quanto sucesso tenhamos, continuaremos na mesma. Um óscar não traz felicidade", disse. "O que me traz felicidade são coisas mais importantes, mais profundas".
A conferência em Los Angeles aconteceu na sequência da exibição antecipada do filme no AFI Film Festival, que decorre até 6 de novembro.
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