Com o verão bem distante, o Super Bock em Stock voltou a apresentar-se à Avenida da Liberdade, em Lisboa. O festival de outono cumpriu o seu papel de trazer nomes emergentes, que voltarão eventualmente na rota dos festivais de verão, ao encher de música 12 espaços diferentes na capital do país.
O cartaz era menos reconhecido e reputado que o costume - o que motivou a algumas críticas à organização nas redes sociais -, mas mesmo os festivaleiros menos conhecedores do cartaz terão agradecido a contratação do nome de David Bruno.
O gaiense, e orgulhoso detentor de uma Medalha de Mérito da Junta de Freguesia de Mafamude, no distrito do Porto, é cada vez mais um dos nomes mais acarinhados da música portuguesa, graças à forma criativa e disruptiva com que acolhe a 'portugalidade'- através da influência das raízes populares na música moderna e do casamento de ritmos de 'hip-hop' com as histórias mais comicamente banais de um mundo que, muitas vezes, nos esquecemos de valorizar de tão próximo que nos é.
O foco do concerto no Coliseu dos Recreios esteve no mais recente trabalho de DB (como também é conhecido pelo seu papel nos Conjunto Corona), a áudio-novela 'Sangue e Mármore', lançada este ano. A obra contou com as colaborações de Marlon Brandão, Gisela João e Rui Reininho - o vocalista dos GNR não esteve, mas a fadista, que vibrou na lateral o espetáculo todo, apareceu no final do concerto para interpretar o 'Tema de Sandra'.
Foi um serão repleto de homenagens, como todos os seus concertos são, em que foram entoados pelo público mais inteirado os típicos cânticos de 'Gondomar', 'Mafamude', 'Marquitos' e 'Bandeiras' - estes últimos dedicados ao eterno guitarrista Marco Duarte e ao sedutor António Bandeiras (não, o nome não está mal escrito).
David Bruno apresentou a recente áudio-novela 'Sangue e Mármore'© Hélio Carvalho/Notícias ao Minuto
Cantou-se 'Doucement', música dedicada ao cantor Graciano Saga, e 'Festa da Espuma', mas o tema que ia rebentando com o teto do Coliseu dos Recreios foi 'Inatel', o 'hit' romântico e eletrizante que tem no seu maior protagonista Mike El Nite.
Capitólio agarrou-se a Ana Moura
A fechar a noite com chave de ouro esteve Ana Moura. A fadista foi ao Cineteatro Capitólio para finalmente apresentar a sua 'Casa Guilhermina', nome do álbum tão aguardado pelos seus fãs. O trabalho foi lançado há um mês, mas as músicas que foram sendo apresentadas - nomeadamente no verão, no seu Arraial Triste, na Voz do Operário, faziam prometer que vinha daí um dos álbuns mais inovadores do ano.
Mesmo Ana Moura fez questão de explicar, nervosamente, que o álbum é muito mais pessoal do que o costume, não escondendo a emoção nos minutos iniciais do concerto. Este foi passado entre o seu fado e o kizomba, que homenageou com temas como 'Janela Escandarada', 'Jacarandá' e 'Agarra em Mim'.
O Capitólio ficou rapidamente à pinha e a ferver, e a artista aproveitava para puxar pela dança e pela sensualidade do público. A mistura de dois estilos tão distintos, mas tão bem casados, e uma renovada e interessante abordagem ao vivo, fazem de Ana Moura um das atuações mais consistentes e bem trabalhadas do país.
Ana Moura lançou 'Casa Guilhermina' no mês passado© Hélio Carvalho/Notícias ao Minuto
De Miami à Nigéria, o segundo dia fez-se de dança
A forma como o Super Bock em Stock se espalha pela principal avenida lisboeta torna difícil ver todos os concertos, e para quem não conhece o cartaz, acaba por ser uma surpresa o que se apanha quando se decide ir a uma determinada sala.
Pelo Coliseu dos Recreios passou no primeiro dia Alfie Templeman, que começou a puxar os espetadores para o seu 'pop rock' fácil e agradável de ouvir, e apresentou o seu 'Mellow Moon', um trabalho que, não sendo excecional, contém muitas notas positivas e muita energia, como reconhecem os conceituados críticos do The Guardan e da NME.
O álbum 'Mellow Moon' foi a estreia em LP de Alfie Templeman© Hélio Carvalho/Notícias ao Minuto
O dia 25 contou também com Isla de Caras, na Sala Bogani da Casa do Alentejo, mas a sonoridade intimista do conjunto argentino ficou manchada por algum burburinho na sala e uma má acústica. A noite fechou com Eli Minus, a colombiana radicada em Nova Iorque que animou o público que sobrava pela madrugada com um eletropop que puxou pela dança.
De volta ao Coliseu para o segundo dia, a noite foi dos Miami Horror, outro nome muito aguardado pelos festivaleiros do Super Bock em Stock. A receita do conjunto liderado por Benjamin Plant acaba por ser simples, viajando por uma eletrónica alegre e intensa, influenciada pelos grandes sons dos anos 70 e 80, a que se lhes junta a gigante presença em palco de Reva Devito.
Mais cedo na mesma sala, a francesa Crystal Murray, de 19 anos, mostrou toda a sua irreverência e poder, com um R&B intenso e que foi puxando aos poucos o público para mais próximo. Antes, as Porridge Radio, que já tinham tocado o álbum 'Waterslide, Diving Board, Ladder to the Sky' no Vodafone Paredes de Coura deste ano, abriram o palco com bom concerto de indie rock, que começou algo vazio e acabou com uma chuva de aplausos e muitos novos fãs.
Aos 19 anos, Crystal Murray é uma das mais promissoras artistas de R&B da Europa© Hélio Carvalho/Notícias ao Minuto
E a dança continuou pelas outras salas, com muitos espetáculos protagonizados por intensas interpretações individuais, das mais diversas origens. Por exemplo, o nigeriano Obongjayar e Sudan Archives tiveram concertos muito interessantes no Capitólio - o primeiro vincou que a sua atuação é uma "experiência espiritual", algo que expressa com uma forte letra espiritual anexada a um 'mix' de afrobeat, eletrónico e 'spoken word'. Já Sudan Archives levou o aclamado Natural Brown Prom Queen', considerado um dos melhores álbuns do ano pela Pitchfork, onde acrescenta o violino ao 'pop', ao R&B e a sons africanos distorcidos pelo seu autotune.
Sudan Archives mistura o violino com sonoridades eletrónicas e folclores© Hélio Carvalho/Notícias ao Minuto
Leia Também: Super Bock em Stock regressa 6.ª feira à Av. da Liberdade