"Mais jovem que qualquer um de nós", Ruy de Carvalho destaca-se em filme

Depois de ter homenageado Eunice Muñoz, Tiago Durão fez questão de prestar um tributo a outra grande estrela nacional, Ruy de Carvalho, com 'O Misterioso Caso de Lázaro Lafourcade'. A curta-metragem chega ao cinema esta quinta-feira, dia 23 de novembro. 

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© Madalena Mantua

Marina Gonçalves
23/11/2023 09:00 ‧ 23/11/2023 por Marina Gonçalves

Cultura

Tiago Durão

É no papel de Lázaro Lafourcade - um velho capitalista que é encontrado morto na sua mansão, depois de um jantar de família – que Ruy de Carvalho reaparece no cinema português. 'O Misterioso Caso de Lázaro Lafourcade' é uma ficção, "um policial à Agatha Christie", que serviu para Tiago Durão homenagear o ator pelos seus 80 anos de carreira e 96 de vida. O filme estreia-se esta quinta-feira, dia 23 de novembro. 

Depois dos tributos que Ruy de Carvalho já recebeu no teatro e na televisão, o cineasta sentiu que faltava o reconhecimento na Sétima Arte. "O papel do Ruy é breve porque há muitas condicionantes em filmar com um ator de 96 anos, que muitas vezes são mais condicionantes da nossa parte, de quem está a dirigir, de não querer cansar o Ruy… Porque ele não tem limitações nenhumas. O Ruy está mais jovem do que qualquer um de nós. Sabe os textos de cor, aparece a horas, quer ficar depois da hora de saída…", destacou Tiago Durão em conversa com o Notícias ao Minuto

Com a morte da Eunice, o Ruy é o último dos herdeiros dessa geração, e espero que assim seja por muitos anos

Uma curta-metragem que chega depois de ter homenageado Eunice Muñoz com 'Eunice ou Carta a uma Jovem Atriz', que mereceu em 2022 o Prémio Sophia. "Eram atores muito próximos, da mesma geração. Com a morte da Eunice, o Ruy é o último dos herdeiros dessa geração, e espero que assim seja por muitos anos", acrescentou Tiago Durão.

Sobre o filme, cuja antestreia decorreu na noite de segunda-feira, dia 20 de novembro, Tiago Durão destacou que a "referência mais próxima que pode dar é o 'Knives Out'". "É um estilo que se parece ambientar nos anos 50/60, mas não se passa [nessa época]. Dá a ideia de que estamos nos anos 50 e não estamos", explicou. 

O verdadeiro inimigo, muitas vezes, é o capital e tudo aquilo que acarreta

Apesar de se reconhecer como um "clássico nas suas conceções", 'O Misterioso Caso de Lázaro Lafourcade', diz, tem "traços de modernidade e muitas referências literárias". "Há aqui uma referência ao Eugene O'Neill, ao 'Longa Viagem para a Noite', porque a morte deste homem e esta investigação é apenas um pretexto para nós olharmos para esta família, e para a ruína que vai cair como uma fatalidade sobre esta família, dentro daquilo que é uma comédia", descreveu.

"Também há aqui uma procura de satirizar, como fazia César Monteiro e tão bem, as classes altas e o capital. O verdadeiro inimigo, muitas vezes, é o capital e tudo aquilo que acarreta. Olhamos para a Europa e para o mundo e percebemos que o neoliberalismo, etc., estão a ganhar imensos passos. Não é um filme político, mas acaba por ser porque é uma narrativa 'eat the rich'", realçou.

Tivemos a ideia do argumento, falei com estes atores, eles aceitaram, todos primeira escolha, e depois escrevemos exatamente para a boca destes atores, para os sítios onde queríamos rodar

Tiago Durão revelou que "todas as personagens foram escritas para os atores" que integram o elenco do filme. Além de Ruy de Carvalho, conta ainda com José Raposo, Dalila Carmo, Isac Graça, Maria José Pascoal, Lídia Muñoz, Pedro Lamares, Guilherme Barroso, Erica Rodrigues e Rúben Gomes. 

Notícias ao Minuto 'O Misterioso Caso de Lázaro Lafourcade'© Tiago Durão  

"O processo foi muito orgânico porque tivemos a ideia do argumento, falei com estes atores, eles aceitaram, todos primeira escolha, e depois escrevemos exatamente para a boca destes atores, para os sítios onde queríamos rodar… Decidimos tudo primeiro e fomos escrever o guião para aquilo que nós queríamos", relatou, referindo que este trabalho foi realizado sem o apoio do Instituto de Cinema e Audiovisual [ICA].

"É um filme completamente independente com muitos outros apoios, o ICA não é um deles. Achou que, eventualmente, não era importante apoiar o filme, que não era importante ter o Ruy de Carvalho num filme aos 96 anos, aos 80 de carreira. Mas o filme tinha de se fazer na mesma. E não era por o ICA apoiar ou deixar de apoiar que não se ia fazer. Está feito, vai estrear no dia 23 de novembro", frisou Tiago Durão.

Para a quantia monetária que este filme necessitava, que era muita, só o ICA é que poderia salvar esta situação. Não havendo ICA, houve a vontade de toda a gente que aqui esteve, de uma série de apoios 

Questionado sobre se a maior dificuldade tem sido a questão dos apoios, o cineasta argumentou "que a questão dos apoios é estrutural". "Há pouco pessoal no ICA para muita coisa. Trabalham muito, têm gente muito competente, mas há pouco dinheiro. E muitas vezes os júris dos concursos penso que não estão alinhados com aquilo que, eventualmente, é o que se pode fazer ou em explorar novos campos. Sabemos que o Instituto de Cinema e Audiovisual historicamente não é amante do cinema de género e os apoios da parte desse instituto são muito difíceis de gerir, porque levam muito tempo. Portanto, há que acelerar e procurar outras formas de financiamento", disse. 

"Para a quantia monetária que este filme necessitava, que era muita, só o ICA é que poderia salvar esta situação. Não havendo ICA, houve a vontade de toda a gente que aqui esteve, de uma série de apoios que permitiram que o filme fosse feito com bastante sacrifício daqueles que o produziram - que fui eu, a Lídia Muñoz e o Afonso Fontão", confidenciou.

Brincar aos prémios é sempre uma brincadeira divertida para os adultos. Não há nada melhor

"Isto foi feito porque a equipa e os atores tinham mesmo a vontade de o fazer, e que não estava dependente de um apoio. Agora, isto pode acontecer uma vez, mas é uma vez. Era essencial que o Estado, neste caso que o Instituto de Cinema e Audiovisual contribuísse para o bom tratamento dos atores e, sobretudo, dos que fazem parte da história do cinema português", acrescentou. 

Depois de ter levado para casa no ano passado o Prémio Sophia, Tiago Durão não deixa de 'sonhar' com novos reconhecimentos. "Brincar aos prémios é sempre uma brincadeira divertida para os adultos. Não há nada melhor. Não acho que seja interessante dizer que os prémios não são importantes. São muito importantes para reconhecer o nosso trabalho, para reconhecer o trabalho de quem está connosco. Um filme que ganha Melhor Filme reconhece o trabalho de todos os que fizeram o filme, não é um prémio individual, é um prémio coletivo. É importante porque abre novas portas, permite fazer outras coisas", confessou. 

Somos um país pequeno e não temos uma grande tradição de ir ao cinema. É uma relação que tem de se estudar e perceber porque é que essas coisas acontecem, e como é que se pode melhorar

Mas o realizador não ficou por aqui e afirmou também que "temos dos melhores profissionais que há". "Temos é poucas condições de trabalho porque há pouco dinheiro, porque é assim, não é por má vontade dos produtores, muito pelo contrário". 

Sente que é mais uma questão governamental? "É mesmo de sermos um país pequeno. Somos um país de dez milhões de pessoas e temos sítios, por exemplo no Alentejo interior ou no Alentejo central, em que há uma sala de cinema. Não podemos esperar que as pessoas todas se desloquem àquela sala. Isso reduz logo o número de público. Há muitas questões que ultrapassam os produtores, os distribuidores, os exibidores, e que são questões demográficas, por exemplo. São questões de ordenamento do território. E que nem o Governo pode resolver porque é assim, somos um país pequeno e não temos uma grande tradição de ir ao cinema. É uma relação que tem de se estudar e perceber porque é que essas coisas acontecem, e como é que se pode melhorar", argumentou. 

Há de ser um documentário mais ou menos no género do que fiz sobre a Eunice

"Temos um grande cinema em Portugal. Basta olharmos para aquilo que é o panorama internacional e vemos que Portugal ganha muita coisa com os seus filmes brilhantes. Lembro-me da Leonor Teles, da Teresa Villaverde, do João Canijo, tantos… é quase injusto estar a nomear. O que nos falta, realmente, é muita gente para ir ao cinema e encher salas. O país não permite porque é pequeno", realçou. 

Próximo passo? Documentário sobre a Casa do Artista 

Durante a conversa com Tiago Durão, o cineasta revelou que está agora a trabalhar num projeto sobre a Casa do Artista em correalização com Lídia Muñoz. "Há de ser um documentário mais ou menos no género do que fiz sobre a Eunice", revelou, estando ainda na fase de "pré-produção", mas já tendo o financiamento da Sociedade Portuguesa de Autores.

Os planos são lançar "mais ou menos por esta altura do ano que vem porque a Casa do Artista comemora 25 anos". A data redonda não foi o pretexto para a realização deste trabalho, mas quando percebeu que iria bater com este marco, fez ainda mais sentido. 

Leia Também: Filme com Ruy de Carvalho e em sua homenagem estreia-se nos cinemas

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