"Despojos de Guerra" inclui 50 testemunhos de homens e mulheres deficientes profundos da guerra do ultramar que, pela primeira vez em Portugal, são retratados numa obra, tal como aconteceu com norte-americanos e ingleses nos vários palcos de conflito por onde passaram, como o Afeganistão, o Iraque ou o Vietname.
Em entrevista à agência Lusa, Leonel de Castro afirmou que começou por fotografar em colódio húmido (processo fotográfico antigo) os militares portugueses. Depois, foi para Angola, Guiné-Bissau e Moçambique, ao encontro de outros africanos que também combateram pelo exército português e pelos movimentos independentistas.
"Andei pelos locais onde os portugueses e também os africanos foram feridos nos três países", disse.
No norte de Angola, esteve nas províncias de Uíje, Zaire, Malanje e Cuanza Norte. Na Guiné-Bissau, andou "praticamente por todo o território onde aconteceram os maiores conflitos, sempre na zona fronteiriça, portanto, junto à fronteira do Senegal e da Guiné Conacri", contou.
E prosseguiu: "Em Moçambique fui ao coração de Cabo Delgado, onde está a decorrer neste momento outro tipo de tragédia, a perseguição dos locais pelo Estado Islâmico. Fui também a Tete, uma zona bastante fustigada, nomeadamente Cahora Bassa, Moatize e Wiriyamu, zonas que foram locais de grandes tragédias e onde muitos militares e muitos guerrilheiros dos movimentos independentistas foram feridos".
O fotojornalista explicou que as deficiências físicas patentes nas pessoas que fotografa são, na maioria dos casos, amputados de membros superiores e membros inferiores e cegos, que assim ficaram devido a "acidentes provocados por minas colocadas pelos movimentos independentistas, que eram fornecidas pela URSS, à época, e também homens que foram feridos em emboscadas".
"Temos aqui homens de norte a sul do país e temos também homens e mulheres do outro lado, do lado africano, que estiveram ao serviço do exército português e também ao serviço dos movimentos independentistas", referiu.
Questionado sobre a mensagem que os seus interlocutores lhe transmitiram durante o tempo que com eles privou, Leonel de Castro afirmou: "Eles lamentam tudo o que lhes aconteceu. Todos eles são contra a guerra, contra a ideologia à época - encabeçada por Salazar -, e nunca nenhum deles me falou em defesa do conflito ou das províncias ultramarinas, como Salazar as considerava".
"Depois dos ferimentos graves que eles sofreram, eles renasceram para uma outra vida. Muitos me disseram que renasceram e encontraram aqui uma nova forma de vida. Todos eles se adaptaram à deficiência, todos encontraram novas profissões, casaram, tiveram filhos. A grande mensagem aqui é de superação", sublinhou.
O livro, que será apresentado no próximo sábado no Centro Português de Fotografia, Porto, que acolhe também uma exposição do mesmo autor sobre o tema, é constituído por "várias camadas, não só do ponto de vista fotográfico, mas também do ponto de vista da contextualização".
"As imagens a preto e branco, feitas em colódio húmido e em película de grande formato, são o grande suporte dos retratos; depois, as imagens de contextualização são feitas em médio formato a cor, já no processo digital", explicou.
Leonel de Castro recorreu ainda, e muito, ao arquivo pessoal destes homens, "para os apresentar enquanto homens inteiros, enquanto jovens com muitas ideias, com uma vida próspera aos 20 anos, com imensos projetos e que depois foram interrompidos por este acidente".
"Despojos de Guerra", que tem a coautoria e curadoria da Narrativa, que promove a fotografia, já recebeu várias distinções nacionais e internacionais, como o Prémio Estação Imagem ou o Prémio Autores de Melhor Trabalho em Fotografia (Sociedade Portuguesa de Autores).
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