O historiador, de 95 anos, abre o livro com uma breve nota dedicada à amizade e à esperança, referindo que a amizade "sustenta a claridade dos dias", "liga a memória e os afetos", fortalece" e "povoa a solidão".
Sobre a esperança afirma: "Dourava as diferentes bandeiras que muitos da minha geração desfraldaram" e prossegue: "Mas hoje, Esperança, em quê? Na crise financeira? Na última sondagem? No Euromilhões? Em Nossa Senhora de Fátima?"
O autor esclarece que a sua esperança é aquela que "desemboca em multidões na rua larga em defesa da dignidade e das liberdades conquistadas em séculos de invenção, de luta e de sangue".
"A esperança de que falo amanhece com um sorriso nos lábios", remata.
"Crónicas e Discursos" divide-se em nove partes, arrumadas segundo temáticas: "Caderno de repórter", "Nos anos de Brasa", que abre com um texto publicado em 1968 e inclui três outros do diário, "Invasão do Iraque", uma parte dedicada ao líder comunista Álvaro Cunhal (1913-2005), outra intitulada "Discursos Políticos", e ainda as intituladas "No rasto da alegria", "O mundo e os dias", "Lugares" e "Galeria"
Em "Lugares" reúne impressões de viagem, ao Alentejo, à sua Murça natal, a Mértola e à foz do rio Arade, no Barlavento algarvio.
Seis personalidades constituem a sua galeria, pessoas com as quais conviveu: o compositor Fernando Lopes-Graça, os historiadores Fernando Piteira Santos e José Tengarrinha, o arqueólogo Cláudio Torres, o antigo dirigente comunista Carlos Brito e o escritor José Saramago.
Na parte "Caderno de repórter", Borges Coelho inclui textos da sua atividade nas redações, como um texto publicado no jornal A Capital, em 1968, sobre a Damaia, "encostada ao aqueduto das Águas Livres", em "terras de lavra" e que na altura, pertencia ao concelho de Oeiras, atualmente ao da Amadora.
Um outro texto é dedicado à então Salisbury, atual Harare, capital do Zimbabué, que visitou como repórter d'A Capital, em 1968, podendo ainda ler-se textos sobre o escritor Aquilino Ribeiro e ao poeta António Nobre, "lírico de alto fôlego, pintor comovente da natureza humanizada".
Na parte dedicada a Álvaro Cunhal, Borges Coelho inclui um texto, "Cose a Camisola", publicado originalmente na revista Seara Nova, em 2013, no qual relata a sua detenção, em junho de 1957, no Forte de Peniche, devido ao seu envolvimento na direção do Movimento de Unidade Democrática (MUD)-Juvenil, e encontraram Cunhal, "uma autêntica aparição.
"Muito jovem nos seus 43 anos. Os cabelos brancos que despontavam acrescentavam-lhe a aura", escreveu.
Em "Discursos Políticos" são reunidas palavras como as que proferiu a 06 de dezembro de 2006 no Tribunal da Boa Hora, em Lisboa, aludindo ao que este espaço representou como tribunal plenário durante o período da ditadura (1926-1974), ou o discurso que fez a 28 de janeiro de 2014 na Assembleia da República sobre a Justiça, "a mais importante das virtudes".
O livro inclui ainda outro discurso que proferiu, a 29 de outubro de 2006, no cemitério do Alto de S. João, também na capital, "Canto aqueles que caíram", numa referência às vítimas da repressão política, nomeadamente Bento Gonçalves, Mário Castelhano "e tantos outros".
"Crónicas e Discursos" inclui também o discurso que o autor pronunciou na inauguração do Museu do Aljube, no qual declarou: "As sociedades que não preservam a memórias não acautelam o seu futuro".
Historiador, poeta e professor universitário, António Borges Coelho frequentou o seminário, em Braga, que abandonou por "falta de vocação para o sacerdócio", como se pode ler na entrada dedicada ao autor dos ensaios "Questionar a História".
Catedrático jubilado da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, foi agraciado com a Ordem de Santiago e com a Ordem da Liberdade, tendo ainda recebido, em 2018, o prémio Universidade de Lisboa, recorda a Porto Editora.
"Um dos mais importantes historiadores portugueses, um homem resistente, profundamente humanista, que arriscou a vida e a liberdade na luta contra a ditadura", lê-se na sinopse do filme "António Borges Coelho -- A Estória do Historiador do Povo", realizado por Edgar Feldman em 2019.
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