Como já nos habitou, David Fonseca voltou a dedicar-se de corpo e alma ao que faz. O novo projeto foi lançado esta sexta-feria, dia 17. ‘Bowie70’ chegou às lojas antes do fim de semana e conta com a participação de vários artistas: Manuela Azevedo, Tiago Bettencourt, Aurea, Camané e Rui Reininho, Afonso Rodrigues, António Zambujo, Catarina Salinas, Marta Ren, Rita Redshoes, Márcia e Ana Moura.
Todos eles têm um objetivo em comum: Homenagear um dos grandes nomes do mundo da música, David Bowie, que morreu em janeiro do ano passado.
Em conversa com o Notícias ao Minuto, David Fonseca contou que demorou cerca de seis meses a realizar este desafio (que inicialmente recusou), proposto pela Sony Music.
O convite para este projeto surgiu por parte da editora Sony Music e inicialmente recusou-o. Quando é que percebeu que, afinal, este desafio era exequível?
Recusei porque não estava a ver muito bem como é que era possível concretizar. Mas aceitei fazê-lo depois de ter experimentado. Fiz três ou quatro versões sem ninguém saber e gostei tanto do resultado que resolvi aceitar. De repente percebi que iria divertir-me imenso a fazê-lo e que ia ser incrível ter este contacto com o reportório do Bowie, e que também ia ser incrível trabalhar com estes cantores todos que eu tinha em mente, se aceitassem.
Quanto tempo levou para realizar este álbum e como foi este percurso?
Acho que tudo junto deve ter dado seis meses. Foi longo porque inicialmente fiz as versões e idealizei para que vozes é que elas iriam ser direcionadas. Depois de as escolher, trabalhei as versões especificamente para as vozes, mesmo sem nunca lhes dizer nada. Ninguém sabia que eu estava a fazer isto. Noutra fase, mandei as versões para os cantores todos que eu pretendia e rezei para que todos aceitassem, e aceitaram. Foi a parte mais complexa do projeto. Depois tive de regravar várias das canções para os tons das pessoas que iam cantá-las. Foi um trabalho extenso até chegar ao que ouvimos aqui.
Como é que fez a seleção das músicas de David Bowie. Em que é que se baseou para elegê-las?
Na memória. Pensei que só poderia escolher temas de que eu me conseguisse lembrar. Escrevi numa folha todos os temas de David Bowie que eu sabia de memória. E foi a minha forma de perceber quais é que eram importantes para mim. Por incrível que possa parecer, apareceram 25 temas. Desses 25, 13 acabaram por vir parar a este disco.
É um projeto apenas com pessoas que têm interesse em fazer uma coisa interessante e mostrarem o seu talento de uma forma diferenteO que o levou a escolher os artistas que fazem parte deste projeto?
A sua qualidade vocal. Escolhi os artistas por admirar a sua singularidade vocal e não tanto pelos géneros que cantavam, pelo sucesso que tinham ou não, ou se eram alternativos. Foi essencialmente pela sua característica vocal. E eu acho que por isso também é que o projeto se tornou tão interessante, porque não tem género. É um projeto apenas com pessoas que têm interesse em fazer uma coisa interessante e mostrarem o seu talento de uma forma diferente.
Qual a música de David Bowie de que mais gosta e o que significa para si?
Uma das que eu mais gosto é a ‘Absolute Beginners’ porque foi uma das que eu mais ouvi quando ela saiu. Obviamente que uma pessoa agarra-se mais às canções que nos dizem alguma coisa pessoalmente. E essa canção foi tão ouvida em minha casa num vinil até ficar gasto, que acabou por ser uma das canções mais emblemáticas para mim, daquelas que mais gosto de ouvir ainda hoje.
Acha que um fã de David Bowie ao comprar este CD vai gostar da homenagem?
Resta-me esperar que sim. Não posso pensar que não porque iria doer-me a alma. Acho que sim porque, no fundo, aquilo que eu estou aqui a tentar fazer não é de todo fazer melhor ou pior. Aquilo que eu quero tem muito haver com uma espécie de adoração a um reportório de um artista e, de alguma forma, celebrar de uma maneira diferente. Portanto, espero que goste.
Fazer música não é um ato isolado musical. Fazer música também inclui performanceTenciona levar este álbum para as salas de espetáculos?
Inicialmente não pensámos nisso, mas não descarto essa possibilidade. Depende muito de como o disco corre e do que é que as pessoas acham dele.
Em que aspetos é que David Bowie o influenciou enquanto artista?
Essencialmente na ideia de que fazer música não é um ato isolado musical. Fazer música também inclui performance, imagem, fotografia, vídeo. Tudo faz parte de uma espécie de ação criativa - que parte da canção - mas depois que também se enreda em todas outras áreas como uma forma de comunicação.
Se hoje se encontrasse com ele, o que lhe dizia?
Dizia-lhe obrigado por tanta criatividade e depois é possível que tentasse com ele uma conversa mais sobre a arte do que necessariamente sobre música. Sei que ele era um tipo fascinado por artes, ele também pintava, e tinha curiosidade em saber algumas visões dele sobre isto ou sobre aquilo. Acho mais interessante do que falar sobre música porque acho que ele já devia estar farto de fazer isso.
Qual foi a sua reação perante a morte de David Bowie?
Não acreditei. Achei que era algum erro do serviço noticioso, e depois fiquei obviamente triste. Acho que nós vivemos num mundo muito banal, em geral é um mundo muito chato, e acho que pessoas como o David Bowie, que apresentam propostas que tornam o nosso mundo ligeiramente diferente, que nos mostram outra forma de ver as coisas, fazem muita falta. Sinto que nesse medidor do mundo há sempre alguém a puxar uma agulha para o lado mais criativo e essa agulha acabou por perder um bocadinho para o lado banal.
Acho que ainda vamos ver muito mais isto a acontecer. Ainda temos muitos choques para passarAlém de David Bowie, 2016 contou com grandes perdas no mundo da música (Prince, George Michael, Leonard Cohen). Como assiste ao início do fim de uma geração?
Acho que é natural que isso vá acontecer porque nós já vimos a morte do Elvis Presley, do Michael Jackson, e acho que aquilo que acontece é uma coisa geracional. Nós tivemos ídolos há 20, 30 anos que de repente também envelhecem, são humanos, e naturalmente desaparecem. Obviamente que não estamos preparados para isso porque convivemos com essas pessoas toda a nossa vida. A cultura popular está impregnada dessas presenças dessas pessoas nas últimas duas, três, quatro décadas. Acho que ainda vamos ver muito mais isto a acontecer. Ainda temos muitos choques para passar.
O mundo da música fica bem entregue quando as gerações mais velhas morrerem?
Espero que sim. Há sempre pessoas criativas e fabulosas em todas as gerações e em todos os momentos. Agora se têm as mesmas oportunidades que estas pessoas tiveram, isso já não sei, porque acho mais complexo que isso aconteça dessa maneira. O mundo é diferente, mas há sempre gente com talento em todos os momentos, todos os anos.
Haveria algum outro artista que aceitasse homenagear desta maneira?
Não. Até poderia haver, mas depois de eu ter feito este não quero fazer mais nenhum. Não porque acho que fazer um tributo é também, do meu ponto de vista, fazer algo novo e isso é que me seduziu. Não sei se teria coragem para fazer outra vez a mesma coisa porque ia sentir uma repetição. Por isso, não quero.
Trabalho muito e procuro muito. Tenho sempre a tentação de querer fazer uma coisa diferenteAtualmente, mantém um visual diferente do habitual. Esta nova imagem de David Fonseca faz parte deste novo projeto ou foi só coincidência?
É uma coincidência. Aconteceu. Mas uma coincidência que correu bem porque aconteceu no mesmo momento.
A criatividade anda de mãos dadas com David Fonseca, onde é que vai buscar tanta inspiração?
Ao trabalho, acho eu. Trabalho muito e procuro muito. Tenho sempre a tentação de querer fazer uma coisa diferente. Prefiro muito isso, essas coisas acabam por vir ter a mim. Não acho necessariamente que seja uma coisa específica que eu consiga explicar de inspiração, é mais uma coisa que simplesmente acontece porque eu aprecio.
Depois de ter lançado o primeiro álbum em português, voltou a surpreender com esta homenagem. O que é se pode esperar no futuro?
Ainda não sei. Ando a fazer planos do que é que vou fazer a seguir. Espero bem que possa fazer algo surpreendente, mas ainda não sei. Ainda estou na base zero dessa ideia. Vamos ver o que vai acontecer.