João Henriques é, neste momento, um treinador livre no mercado, após duas temporadas passadas ao serviço do Santa Clara, nas quais conduziu o clube às duas melhores classificações da história - primeiro um 10.º e depois um 9.º lugar - na I Liga.
No entanto, o trabalho do treinador de 47 anos não se esgotou no que aos resultados desportivos diz respeito, tendo-se prolongado à valorização de jogadores que acabariam por valer, ao conjunto açoriano, as maiores vendas de sempre.
O primeiro a dar o 'salto' foi Fernando Andrade, quando partiu rumo ao FC Porto a troco de 1,5 milhões de euros, em janeiro de 2019. Menos de meio ano depois, chegou a vez de Kaio Pantaleão, por quem o Krasnodar pagou três milhões de euros.
Em entrevista exclusiva ao Desporto ao Minuto, João Henriques explica o papel na valorização dos jogadores - entre eles Zaidu Sasuni, que já foi, inclusive, associado ao FC Porto - e a forma como trabalhou o 'ataque' ao mercado de transferências no Santa Clara.
Esta capacidade de valorizar jogadores é mais importante do que nunca num treinador?
É fundamental, é mais uma das missões do treinador. Para além da obtenção de resultados, em termos financeiros, somos gestores de ativos que temos que potenciar, para que o clube se vá sustentando com capacidade para ultrapassar as dificuldades iniciais. O Santa Clara tem sempre orçamentos no mínimo na I Liga, mas, pensando num futuro a médio-prazo, tem que ir fazendo as suas vendas para que possa ser autónomo e melhore a capacidade de recrutamento, além de ir construindo as infraestruturas que, neste momento, não tem.
Ainda mais orgulhoso fico quando potenciamos defesas-centrais, médios e avançados, que foi o que conseguimos fazer. Não fomos uma equipa que potenciou centrais porque defende bem, mas sim porque também esse setor é importante. Potenciámos médios e avançados porque fomos uma equipa que olhou sempre olhos nos olhos dos adversários. Olhando para trás, vemos uma equipa que, em cada um dos momentos, foi muito forte, com identidade e capacidade para potenciar jogadores em todos os setores.
O Kaio Pantaleão tem somado bastantes minutos na Rússia, mas o Fernando Andrade acabou por não ser tão feliz. O que é que falhou no FC Porto?
O Fernando ajudou o FC Porto nalguns momentos da segunda parte da época, mas depois sentiu que não iria ter o espaço de que precisava para continuar a crescer e foi para o Sivasspor, na Turquia, onde a época até lhe correu bem. Ajudou a equipa a chegar ao quarto lugar fazendo bastantes golos, mas, no FC Porto sentiu que não teria o espaço que era importante para a carreira dele. Queria ter mais minutos para ganhar traquejo para lutar por um lugar no FC Porto ou, eventualmente, manter-se onde está. Segundo sei, e falo bastantes vezes com ele, sentiu-se bem, ficou muito feliz com a opção. Não sei se é intenção dele manter-se lá, mas foi uma boa opção para se valorizar.
No início desta época, chegaram elementos como João Afonso, Rafael Ramos ou Zaidu, que tiveram impacto imediato. Foram jogadores pedidos por si?
Foi um trabalho comum. O Diogo Boa Alma, que é a pessoa que fica responsável por esse departamento, vai-me apresentando jogadores que são possibilidades para o Santa Clara de acordo com a capacidade financeira e o perfil que o clube pretende. Vamos avaliando e, depois, tomamos a decisão em conjunto. O perfil de jogador para a insularidade também tem que ser específico, não é qualquer um que se adapta a uma ilha e à questão das viagens e do cansaço. Também pretendemos jogadores que se adaptam ao modelo de jogo que queremos. O Diogo Boa Alma e eu estávamos em sintonia em relação à ideia de jogo, queríamos uma equipa que tivesse um futebol atrativo, que não fosse defensiva e não tivesse medo de arriscar. Jogávamos da mesma maneira em qualquer campo, e, para isso, o jogador tem que ter determinadas caraterísticas, até psicológicas.
O Zaidu, por exemplo, já foi apontado ao FC Porto. Seria uma alternativa válida ao Alex Telles?
O Zaidu veio do Campeonato de Portugal para uma realidade nova. Evoluiu muito durante a época. Pouco a pouco, foi ganhando o seu espaço, crescendo e aprendendo. Ainda pode dar muito mais, e, nessa perspetiva de ser um jogador com muito potencial, pode e deve ser considerado para qualquer equipa em Portugal. Tem condições físicas únicas e um conhecimento tático que já lhe permite estar a um nível alto na I Liga. Em termos psicológicos, é um miúdo que acredita muito nele próprio, é um misto de ingenuidade com grande ambição. Tem tudo para continuar a carreira ao mais alto nível, e o FC Porto poderá ser uma boa hipótese para ele, caso se confirme esse interesse.
Fez do Fábio Cardoso um autêntico patrão da defesa. É outro jogador com capacidade para outros voos?
O Fábio já demonstrou isso. Nestas duas épocas, demonstrou que é um dos melhores centrais a atuar em Portugal. Tem formação num clube grande [Benfica], já passou por uma experiência internacional e já tem experiência de I Liga em vários clubes, onde correspondeu sempre com qualidade. Neste momento, está preparadíssimo para dar o passo seguinte, num nível de exigência mais elevado. Acima de tudo, é um líder dentro e fora do campo. Trabalha durante a semana da mesma maneira que ao fim de semana, quando joga.
O último a dar o 'salto', neste caso para o Sporting de Braga, foi Guilherme Schettine. Foi um passo natural?
Ele já tinha tudo acertado com o Sporting de Braga, já o sabíamos há muito tempo. Foi um jogador que chegou a meio da nossa primeira época. Ninguém acreditou nele e nós conseguimos transformar um jogador que ninguém conhecia num jogador que fez uma segunda volta fantástica. Infelizmente, durante esta época, não foi possível potenciá-lo mais por todas essas situações. Houve vários fatores que o impediram de participar mais naquilo que fizemos, mas não tenho dúvidas de que tem uma grande capacidade para se impor no nível para o qual vai agora, porque tem muita qualidade. Se ele tiver a postura correta - que eu penso que vai ter - perante este desafio, acredito que será uma das agradáveis surpresas da próxima época.
É complicado manter os jogadores à margem destes rumores de mercado?
Cada vez que o mercado abre, os jogadores do Santa Clara, naturalmente, ficam com a expectativa de dar o salto na carreira. Até porque a tabela classificaria vai potenciando a que os clubes mais poderosos comecem a olhar para os jogadores do Santa Clara, um clube que andou sempre do meio da tabela para cima nestas duas épocas. Com esses jogadores expostos, o Santa Clara, financeiramente, não tem a mesma capacidade que outros, e esses jogadores ficam entusiasmados e ansiosos em determinadas alturas. Sofremos muito com a instabilidade nestas duas épocas durante o mês de janeiro. Por muito que tentássemos manter os jogadores focados na competição e no treino, o mercado de janeiro perturba muito a instabilidade emocional dos jovens que ambicionam melhorar o contrato e dar o salto na carreira.
O que é que costuma dizer aos jogadores nessas situações?
O segredo é fazer com que percebam que podem estragar tudo naquele momento se não continuarem a ter os mesmos níveis exibicionais. As pessoas olharam para eles pelo que fizeram antes desse momento, e querem continuar a vê-los exibirem-se da mesma forma para tomarem a decisão correta. Se isso não acontecer, podem estragar tudo em dois ou três jogos. É focá-los neste tipo de trabalho, e isso melhorou de uma época para a outra. Até porque, quando surge a situação do Fernando [Andrade], todos os outros colegas começaram a acreditar que era possível acontecer-lhes algo do género, e houve muita instabilidade, que se refletiu nos resultados. Esta época, conseguimos contrariar isso através dos resultados e até foi o nosso melhor período.