O futebol português foi surpreendido, esta segunda-feira, com a notícia de que Rúben Amorim, atual treinador do Sporting, pode vir a ser suspenso por conta de uma participação apresentada pela Associação Nacional de Treinadores de Futebol (ANTF), organismo liderado por José Pereira.
De acordo com uma nota do clube de Alvalade, o treinador e os leões foram acusados de fraude pela Comissão de Instrutores da Liga Portuguesa de Futebol Profissional, na sequência de uma participação feita pela Associação Nacional de Treinadores de Futebol em março do ano passado, algo que foi encarado pelo Sporting como "um dos "episódios mais lamentáveis e surreais da história do futebol português".
A acusação em causa pode, caso seja confirmada, resultar numa pena de um a seis anos de suspensão de atividade para Rúben Amorim. Dada a repercussão que este caso está a ter, o Desporto ao Minuto falou com o especialista em direito desportivo Fernando Veiga Gomes para perceber quais as implicações desta queixa e possíveis sanções para o técnico e para o clube.
A fraude tem de ser provada e a ANTF terá de fazer prova dissoDe acordo com o advogado, este não se trata de um caso único no futebol português, salientando que o Sporting cumpre o Regulamento de Competições da Liga no que toca à inscrição de uma equipa técnica.
"A Associação Nacional de Treinadores está a defender o acesso à profissão de treinador de futebol e às regras que definiram e que insistem em defender. Este não é um caso único no futebol português. O Sporting cumpre aquilo que é o Regulamento de Competições, nomeadamente o artigo 82 [do Regulamento de Competições] que diz que uma equipa técnica tem de ter dois treinadores no mínimo, sendo que um tem de ter o grau quatro e outro o grau dois. Depois existe uma restrição de que só o treinador pode dar instruções durante os jogos", começou por dizer Fernando Veiga Gomes em declarações ao Desporto ao Minuto, lembrando que esta participação diz respeito à época passada, quando o treinador ainda não tinha o nível quatro da categoria de treinadores de futebol.
"O incumprimento disto leva a uma sanção de multa para o clube e nada mais. A existir fraude seria na elaboração do contrato. Por exemplo, alguém que assine um contrato com um treinador qualificando-o como treinador adjunto para depois, no fundo, ter as funções de treinador principal, ou também nas fichas de jogo. A fraude tem de ser provada e a ANTF terá de fazer prova disso. Isto tem a ver com uma queixa de março de 2020 e nada tem a ver com esta época. Neste momento, cumpre esta situação", prosseguiu.
O que constitui uma possível fraude?
Sem conhecer todos os dados do processo em causa, Fernando Veiga Gomes exemplificou que tipo de situações podem estar na origem desta participação apresentada pelo organismo liderado por José Pereira.
"O que o artigo 133 do Regulamento de Competições diz é que tem de haver fraude, uma intenção de falsificar o documento. Por exemplo, o treinador não tinha nível nenhum e o clube apresenta um documento falsificado a dizer que tinha determinado nível. Isso é uma fraude porque há falsificação de um documento ou declaração", explicou o advogado, recordando o que diz a regulamentação da Liga sobre este tipo de casos:
"Não sei o que está na acusação, mas o artigo fala em dirigentes que 'utilizem documentos falsos ou atuem simulada ou fraudulentamente ao estabelecido na legislação desportiva e contratação coletiva são punidos com a sanção de suspensão a fixar entre o mínimo de um e o máximo de seis anos e, acessoriamente, com a sanção de multa.' Em suma, a suspensão mínima é de um ano e no máximo de seis anos. É preciso saber o que ficou provado para ser feita uma acusação de fraude que é muito grave."
Sporting sem perda de pontos. Treinador pode recorrer
Sobre um eventual castigo para o clube e para o treinador, Veiga Gomes sublinhou que caso se confirme a fraude, o Sporting apenas poderá ser multado, não havendo lugar a uma retirada de pontos ao atual líder do campeonato. Já o treinador poderá de de cumprir um período de suspensão de atividade prevista na regulamentação.
"O mais normal, de acordo com o regulamento, tanto no caso de fraude como no caso de não cumprirem o regulamento no caso das equipas técnicas estamos a falar de sanções de multa para o clube. Perda de pontos não está em causa. São multas pesadas", referiu.
Rúben Amorim pode ser suspenso por um período de um a seis anos© Global Imagens
Caso se confirme esta infração disciplinar, Fernando Veiga Gomes relembrou que Rúben Amorim poderá recorrer da decisão para outras instâncias, nomeadamente o Tribunal Arbitral do Desporto, sendo que, no caso do técnico decidir optar por esta via, uma decisão final no TAD irá demorar.
"O processo agora seguirá os tramites normais depois da acusação. Estamos na fase disciplinar. A acusação seguirá todos os mecanismos de defesa normais num processo disciplinar e depois o Conselho de Disciplina tomará a sua decisão. A partir daí, há vários caminhos. No caso do Rúben Amorim ser condenado, poderá recorrer primeiro ao Plenário do Conselho de Disciplina, e depois para o Conselho de Justiça ou para o Tribunal Arbitral do Desporto. Demorará muito até este processo estar decidido. Não afeta o Sporting em termos desportivos no que respeita a esta época", sintetizou.
Rever regulamentação do acesso à profissão
Fernando Veiga Gomes recordou ainda que este tipo de casos é comum no futebol português - no mesmo dia em que se conheceu a acusação a Rúben Amorim, foi ainda revelada pela imprensa uma outra a Custódio Castro -, e pediu que exista um encontro de interesses entre Federação Portuguesa de Futebol e ANTF para rever a regulamentação de acesso à profissão de treinador.
"Há vários processos destes a correr no Conselho de Disciplina e na Liga. O do Rúben Amorim é um de vários. Há qualquer coisa com a regulamentação que não está bem, mas também com a Associação Nacional de Treinadores por causa do acessos aos cursos, na disponibilização dos mesmos e da rapidez. Uma coisa tem de levar à outra", atirou o causídico, apelando para que as duas partes em causa cheguem a um acordo para rever a regulamentação.
"O que é um facto é que o acesso à profissão de treinador de futebol não está bem regulado por causa do tempo que demora, a falta de cursos e a questão do acesso e dos níveis. Percebo que o acesso à profissão de treinador tenha de ser regulado por causa da responsabilidade e da formação que é preciso ter, mas as coisas não podem demorar tempo demais que impeçam pessoas capacitadas de se formarem em tempo útil. Esta é daquelas situações em que o que é importante é rever a regulamentação para que as coisas vão ao encontro uma da outra sob pena de se continuarem as duas partes a queixarem-se", vincou.
"Tem de haver mais oportunidades de formar treinadores com rapidez e mantendo os padrões de qualidade. Tem de haver um bom-senso nisto. Respeito e percebo que a função de treinador de futebol exija uma formação de certo nível para uma equipa de Primeira Liga, uma certa certificação profissional. Todos concordamos com isso se não qualquer um era treinador. Mas não se pode prejudicar as carreiras das pessoas porque a ANTF só dá cursos de dois em dois anos. Isto quase parece um mundo fechado. Em dois anos muita coisa acontece numa carreira de um treinador. Acho que isto seria até em benefício da própria associação de treinadores. Estas guerras são desnecessárias e com bom senso poderiam arranjar-se aqui formas de resolver a situação", finalizou.
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