Caso Palhinha: "A decisão do TAD abriu uma autêntica caixa de pandora"

Gonçalo Almeida, especialista em direito desportivo, não tem dúvidas de que a decisão do Tribunal Arbitral do Desporto abriu um precedente "que pode originar uma profunda instabilidade jurídica".

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Ricardo Santos Fernandes
18/03/2021 08:01 ‧ 18/03/2021 por Ricardo Santos Fernandes

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O Tribunal Arbitral do Desporto (TAD) deu razão ao jogador João Palhinha no recurso que tinha sido apresentado no âmbito do processo que envolveu o quinto cartão amarelo ao médio, no jogo do estádio do Bessa, a 26 de janeiro deste ano.

Todavia, esta novela está longe de estar terminada e a Federação Portuguesa de Futebol deverá recorrer para o Tribunal Central Administrativo do Sul (TCAS), que anteriormente já se tinha pronunciado quanto aos efeitos da providência cautelar interposta pelo jogador.

Um caso que está longe de conhecer o seu episódio final e que, no entretanto, já levantou outras questões. Até agora apenas se abordou a questão da anulação da suspensão de um jogo ao médio do Sporting, mas afinal quantos cartões amarelos tem Palhinha neste momento? O próximo cartão que ele receber será o quinto, e consequente suspensão no encontro imediatamente a seguir, ou o sexto? O TAD tem competência para apreciar questões de natureza técnica emergentes da lei do jogo? Se os tribunais civis derem razão à FPF e Palhinha já estiver a competir numa Liga estrangeira o futebolista terá de cumprir um jogo de castigo?

Muitas questões se levantam e talvez algumas ainda nem tenham resposta, mas para elucidar alguns dos “precedentes” que se abriram com este caso partimos à conversa com o especialista em direito desportivo, o advogado Gonçalo Almeida, que começa por explicar a diferença entre as duas ações do TCAS ao longo deste processo.

Primeiramente o TCAS pronunciou-se sobre uma providência cautelar atribuindo efeito suspensivo ao recurso interposto junto do TAD. Agora, trata-se de analisar a  própria decisão do TAD com o propósito de determinar se este Tribunal Arbitral decidiu ou não bem, em conformidade com a lei”. E daqui podem advir três cenários como avança Gonçalo Almeida.

Pode confirmar-se a decisão do TAD na sua plenitude. Numa segunda hipótese apenas confirmar-se parcialmente esta decisão. Em terceiro lugar, rumar contra o entendimento do TAD e decidir em total desconformidade com o que foi deliberado”. E se o TCAS der razão à decisão do TAD, a Federação pode ainda recorrer mais uma vez. “A haver recurso, o processo transitará para o Tribunal Central Administrativo do Sul, sendo que da decisão a ser proferida por este tribunal  caberá ainda recurso para o Supremo Tribunal Administrativo (STA) e, caso seja suscitada a inconstitucionalidade de alguma norma, tal questão deverá ainda ser analisada pelo Tribunal Constitucional”.

O especialista em direito desportivo não tem dúvidas de que este caso Palhinha abriu uma autêntica “caixa de pandora” no futebol português: “Esta decisão do TAD abre no meu entendimento uma caixa de pandora que originará uma considerável  instabilidade jurídica, na medida em que os vários agentes desportivos deixam de saber com o que podem contar. Recorre-se para o TAD ou para o Conselho de Justiça e qual a jurisprudência aplicável? Haverá doravante uma inevitável indefinição jurídica, que pode até provocar uma instabilidade competitiva. Em teoria, imaginemos um cenário em que um jogador é admoestado com um quinto cartão amarelo. Recorre para o TAD, posteriormente para o TCAS e finalmente para o STA e, desta forma, vai adiando sistematicamente a suspensão de um jogo. E isto afeta, inclusivamente, a própria  verdade desportiva”.

E alarguemos agora o debate para os cartões vermelhos, e não nos fiquemos apenas pelos cartões amarelos: “Se um jogador recorrer de um cartão vermelho para o TAD, pode até ser expulso de forma consecutiva em várias jornadas e nunca cumprir o castigo ou cumpri-lo apenas na época seguinte. Isto porque em virtude desta decisão, nada parece impedir um jogador de recorrer para o TAD e, tal como no caso do João Palhinha, ser-lhe dada razão ou então não e continuar simplesmente a recorrer para as restantes instâncias de recurso. A análise será obviamente sempre caso a caso e aqui, no caso Palhinha, pesaram bastante dois factores: O primeiro é o do árbitro Fábio Veríssimo ter admitido o seu erro na apreciação do lance. O segundo o facto do tribunal ter concluído que o árbitro não viu o lance em toda a sua extensão. Mas esta análise tem muito que se lhe diga, até porque nenhum árbitro consegue analisar um lance a 360 graus, contrariamente à omnipresença das câmaras televisivas. Levantam-se varias questões. Será que  todos os árbitros estarão na disponibilidade de assumir o erro ou terão sequer a consciência de o terem cometido? Os árbitros são avaliados em todos os jogos que realizam, portanto, semana após semana, admitirem um erro não será um critério determinante, mas qual o árbitro que gostará de admitir um erro publicamente? Enfim, outro colégio arbitral poderia perfeitamente ter decidido em sentido contrário. O processo não ficará certamente por aqui e em virtude das várias instâncias de recurso existentes, o desfecho afigura-se algo imprevisível.”

Da leitura do acórdão da FPF nada garante que o cartão amarelo tenha sido retirado, daí que se instale a dúvida de quantos cartões Palhinha tem neste momento: “O que decorre da análise do Acórdão é somente a anulação da sanção disciplinar da suspensão de um jogo. Sobre o cartão amarelo ser retirado, nada é dito. Mas também me surpreenderia se assim fosse. O TAD pode analisar questões de natureza técnica emergentes das leis do jogo? Não, não pode. Ou melhor, aparentemente pode, mas não deve, por falta de competência nos termos da sua própria lei. A Federação invocou tal exceção dilatória quanto à incompetência do TAD, defendendo que a matéria sub judice decorre da aplicação de normas técnicas e disciplinares relacionadas directamente com a competição desportiva e portanto de cariz exclusivamente desportivo. Caberá agora ao TCAS decidir se o TAD agiu ou não conforme as suas competências e limitações normativas. Agora que esta situação abre um precedente grave, isso é um facto”.

Gonçalo Almeida frisa ainda, que caso seja dada razão à FPF e Palhinha já estiver a competir numa Liga estrangeira quando a decisão transitar em julgado, então o médio leonino terá, à mesma, de cumprir um jogo de castigo.

O jogador pode ter de cumprir este jogo de castigo no estrangeiro, caso o Palhinha seja transferido para uma Liga internacional no entretanto. Todos nos recordamos do caso Sapunaru, no caso do túnel da Luz, em que essa decisão transitou para uma nova época. O jogador já estava no Rapid Bucareste e o atleta cumpriu essa sanção na Liga romena. Tudo isto de acordo com o artigo 12 do Regulamento do Estatuto e transferências de jogadores da FIFA”, complementou Gonçalo Almeida.

Leia Também: "João Palhinha já tinha mercado antes do Sporting. Hoje tem mais"

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