Rui Duarte é o nome incontornável do regresso do Trofense à II Liga. O treinador de 42 anos chegou a meio da temporada à Trofa, mas conseguiu vencer a Série C do Campeonato de Portugal e até mesmo o título da competição, ao mesmo tempo que devolveu o Trofense ao segundo escalão do futebol português, seis anos depois da última participação.
Precisamente uma semana depois de se ter sagrado campeão do Campeonato de Portugal, Rui Duarte distribui, em entrevista exclusiva ao Desporto ao Minuto, o mérito desta época do Trofense por jogadores, equipa técnica e administração do clube, ao mesmo tempo que confirma que continuará no comando técnico na nova temporada que já está ao virar da esquina.
Pelo meio recorda, ainda, a carreira que teve enquanto jogador e revela de que forma isso o ajuda a ser melhor treinador. Ambição, trabalho, crença e humildade são palavras de ordem para Rui Duarte.
Ficar à frente de 95 equipas é muito complicado
Uma semana depois da conquista do título, como está o seu estado de espírito?
Agora, estou mais calmo... Ainda com a certeza de que fizemos um grande trabalho. É um sentimento de conquista. Um sentimento que vale sempre a pena quando há dedicação, quando os jogadores acreditam que há um caminho a percorrer e que, no final, acabamos recompensados com algo grande. Este campeonato é muito difícil, e ficar à frente de 95 equipas é muito complicado. Chegar ao fim com esta conquista é algo que nos deixa bastante orgulhosos. A nós, equipa técnica, administração e jogadores. Toda a gente.
O mister, após o jogo, disse que o segredo do Trofense foi a humildade...
Nunca nos pusemos em bicos dos pés. Conseguimos perceber que seria difícil e que tínhamos de respeitar todos os adversários, especialmente nesta segunda fase. A primeira parte foi muito na base do acreditar de que era possível acabar em primeiro, isto porque nós recuperámos muitos pontos. Na segunda fase, percebemos que o nosso nível não era inferior ao dos outros e que teríamos as nossas chances de conseguir ficar à frente. A partir desse momento, a humildade juntou-se ao acreditar. Acreditávamos que era possível, mas sempre muito humildes na nossa caminhada. Nunca nos metemos em bicos dos pés. Fomos uma equipa muito focada, concentrada e a saber o que tinha de fazer.
Chegou já no decorrer da época ao Trofense. Que realidade encontrou nessa altura?
A administração tinha traçado um rumo de subida de divisão. Inicialmente, o objetivo era a conquista da primeira fase, para termos o acesso direto à Liga 3, e depois chegar à segunda fase e lutarmos pela II Liga. Eu cheguei ao clube com ideias diferentes e tentámos implementar essas ideias. Sentíamos que era importante para sermos mais fortes, e trouxemos, claramente, muita capacidade de trabalho, muita ambição e muita responsabilidade. Fomos construindo esta identidade que se criou forte. A determinada altura, a diferença já era notória. Evoluímos, não só no campo, mas, especialmente, como grupo. Isso fez com que vivêssemos muito os problemas uns dos outros. Aos poucos, fomos ficando cada vez mais fortes.
A crença e a vontade de jogar e de ganhar vem dos adeptos
Qual o significado para a cidade de Trofa voltar a ter o clube na II Liga?
É grande! Nós sentimos os adeptos a ferver com aquilo que íamos conquistando. O Trofense é uma equipa com adeptos apaixonados e que vivem muito o clube. Esta época, foi muito difícil passar esta paixão, porque não conseguiam estar dentro do estádio, mas nós tentámos colocar em campo essa paixão. A crença e a vontade de jogar e de ganhar vem dos adeptos. O fervilhar à volta do estádio, nos últimos jogos, deu para perceber que as pessoas estavam contentes. Este reconhecimento foi importante. Sentimos que fizemos algo especial por eles e pelo clube, que vivia há seis anos em campeonatos não profissionais. Não era este o patamar em que o clube merecia estar.
Esse apoio dos adeptos em crescendo foi também importante para motivar os jogadores?
Foi sempre importante. Este contacto é extremamente positivo. Quando um clube joga sem adeptos, há sempre o risco de se perder a identidade. Isso aqui não aconteceu. Fomos sempre vivendo em conjunto aquilo que estava a acontecer e das conquistas que tivemos ao longo da época. Sentimos que estávamos a lutar ao lado dos nossos adeptos e que a administração nos proporcionou todas as condições para que tal acontecesse.
Segue-se a II Liga. O que podemos esperar do Trofense na nova época que está quase aí?
Primeiro, temos que perceber que a II Liga é um contexto completamente diferente e um novo grau de exigência. É muito mais competitivo. Temos um bom grupo, que valorizamos, mas precisamos de nos reforçar. Queremos continuar a crescer como equipa e como pessoas. Esta identidade desta época irá manter-se no futuro. Lutar em cada campo pelos três pontos e acreditar que é sempre possível fazer melhor mesmo com menos possibilidades. Se acreditarmos naquilo que somos, vamos estar sempre mais perto de vencer. Depois, claro, sabemos que vamos perder pelo caminho e vamos ter nos levantar. Temos de ser fortes para seguir o rumo que a administração tem traçado para o Trofense.
O mister vai continuar no Trofense?
Sim, sim. Vou continuar no Trofense.
Entendo isto como uma etapa normal daquilo que é um treinador ambicioso
Vai, assim, regressar à II Liga depois de ter orientado o Farense e o Casa Pia. Sente-se, agora, mais preparado?
Estou sempre preparado. A minha formação enquanto jogador e treinador, mais as minhas referências, foram bastante importantes para criar a minha identidade e esta minha forma de estar e de ser. Estas vivências de subida de divisão, que já é a segunda, de já ter treinado na II Liga, de ter jogado na I e na II Liga... Vejo isto como uma etapa normal para quem quer vencer, chegar longe e fazer carreira. Entendo isto como uma etapa normal daquilo que é um treinador ambicioso.
O mister foi jogador durante muitos anos. De que forma o facto de ter sido jogador o torna melhor treinador?
Há vários fatores: perceber melhor o jogo e o que pede em determinados momentos, perceber melhor os jogadores, o planeamento semanal, a preparação para o jogo. Ser jogador prepara-nos muito para a profissão de treinador. Além disso, as referências que vamos apanhando como treinadores também nos fazem perceber melhor as coisas. Retirando um pouco dali e daqui, sem copiar ninguém, estamos mais próximos de criar um bom planeamento daquela que é a nossa metodologia de treino e de trabalho.
Falou na importância das referências. Há algum treinador que o tenha marcado de forma especial?
Tenho vários, mas prefiro guardar para mim. Vamos sempre retirando alguma coisa de todos eles, até mesmo de coisas que na altura achávamos que não tinham tanto valor ou importância. Às vezes, até são pormenores, mas revelam-se fundamentais.
Nos últimos anos como jogador, comecei a perceber que não podia ficar afastado do futebol
Quando era jogador, já pensava numa carreira como treinador?
Sempre vivi muito a minha profissão. Enquanto jogador, vivia a profissão de forma muito séria e com vontade de melhorar. Nunca pensei muito em ser treinador, naquela altura, mas, nos últimos anos de carreira, comecei a perceber que talvez isto mantivesse a chama do futebol viva. Não consigo viver sem futebol. Percebi que poderia ser um desafio muito aliciante para aquilo que seria a minha futura carreira. Tinha que fazer alguma coisa. No início, não pensava muito nisso, e até tive várias oportunidades para me formar mais cedo. Nos últimos anos, comecei a perceber que não podia ficar afastado do futebol.
Que desejos tem para a nova época, que já está ao virar da esquina?
Espero que corra tudo bem. Espero que o Trofense continue a crescer. Espero construir um bom grupo novamente. Espero que esta empatia e este objetivo que nós conquistámos sejam um símbolo daquilo que poderá ser o futuro deste clube. Como treinador, tenho muita ambição e quero continuar a crescer. Quero chegar a outros patamares e vou sempre passar esta mentalidade aos jogadores do Trofense. Espero que seja uma época positiva para nós.
Rui Duarte já pensa na próxima época. © Global Imagens
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