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Ivan Buha rodeado de sossego numa Moldova às portas da guerra

O futebolista luso-ucraniano Ivan Buha, que representa o Zimbru, do principal campeonato da Moldova, admitiu hoje viver sem tumultos desde que se mudou para aquele país a poucas semanas da invasão da Rússia à 'vizinha' Ucrânia.

Notícia

© Reuters

Lusa
10/04/2022 08:57 ‧ 10/04/2022 por Lusa

Desporto

Ucrânia

"As pessoas estão calmas, até porque há muitas bases russas dentro da Moldova. Umas três ou quatro. Por outro lado, se a Rússia quiser, tem a Moldova. Não sei bem como é que o povo olha para isso, mas está tranquilo e leva a sua vida normalmente", notou à agência Lusa o defesa, de 25 anos, que abandonou o Olímpico do Montijo em janeiro.

A Rússia lançou em 24 de fevereiro uma ofensiva militar na Ucrânia, que já matou pelo menos 1.626 civis, incluindo 132 crianças, e feriu 2.267, entre os quais 197 menores, segundo a ONU, ciente de que o número real de vítimas civis poderá ser muito maior.

"Apesar de não seguir muito as notícias cá, vejo no telemóvel as imagens através dos canais portugueses. Há inocentes a morrer, bem como pais de família obrigados a ir para a guerra e deixar tudo para trás. É uma tristeza incrível, não só da minha parte, mas de todos, pois nunca ninguém imaginou que algo assim poderia vir a acontecer", lamentou.

A guerra já causou um número indeterminado de baixas militares e a fuga de mais de 11 milhões de pessoas da Ucrânia, das quais 4,3 milhões para os países vizinhos, tendo o Zimbru, sediado na capital Chisinau, mostrado disponibilidade para acolher refugiados.

"Quando isto começou, o clube deu uma grande ajuda às pessoas, já que estamos muito perto da fronteira, a uns 100 ou 200 quilómetros. Colocou os miúdos no hotel da equipa sénior e cedeu a academia para os refugiados, que estavam cá durante dois ou três dias ou não tinham para onde ir e recebiam comida, roupa e tudo mais", partilhou Ivan Buha.

O defesa tem observado na população moldava essa solidariedade para com a pior crise de refugiados na Europa desde a II Guerra Mundial (1939-1945), que já levou a ONU a reconhecer que cerca de 13 milhões de pessoas necessitam de assistência humanitária.

"Às vezes, cruzávamo-nos com os refugiados na porta das refeições, mas o clube pediu que não interagíssemos muito, também devido à covid-19, pelo que ficámos um bocado afastados. Os miúdos mais novos até chegaram a ir aos treinos, mas nada mais do que isso. Quanto ao balneário, a malta que é moldava não fala no assunto sequer", admitiu.

Natural de Chernivtsi, no sudoeste da Ucrânia, Ivan Buha foi viver para a região norte de Portugal com seis anos, na companhia dos pais, em busca de "melhores condições de vida", fixando-se na margem sul do rio Tejo em 2007, sem dificuldades de ambientação.

"No Zimbru encaram-me mais como português, apesar de acharem estranho como nasci na Ucrânia, sou ucraniano e tenho passaporte português, mas sei falar romeno e não ucraniano. Isto sucede porque se fala romeno na zona onde nasci e apenas na escola é que teria de aprender ucraniano, mas concluí todos os estudos em Portugal", explicou.

O ala esquerdo nunca mais regressou ao país natal e repartiu a formação como jogador por Barreirense, Vinhense, Sporting, Nacional e União de Leiria, antes de prosseguir, de 2014 a 2022, a carreira em clubes do Campeonato de Portugal e dos escalões distritais.

"Vivíamos numa aldeia como se fosse o Alentejo. Se os meus pais foram quase todos os anos à Ucrânia, eu nunca tive a oportunidade. Claro que gostava bastante de ir lá, tanto que no verão falava sempre disso com uma das minhas irmãs. Nunca aconteceu, já que ela trabalha, eu jogo e torna-se complicado. Primeiro, vou deixar acalmar tudo", referiu.

Dos familiares residentes na Ucrânia, uma tia de Ivan Buha já viajou "há duas semanas" para Portugal, ao invés da avó materna, que "é muito ligada à terra e não quer sair" de uma nação onde mais de 200 mil reservistas, dos 18 aos 60 anos, têm sido mobilizados.

"Mesmo que me quisesse alistar na tropa, não podia, pois só tenho passaporte luso. Se tivesse documentos ucranianos, se calhar queria muito mais, mas estou numa posição diferente. Há muitos atletas que gostavam de ajudar o país pela família e amigos, mas, como jogam na Europa, não foram. Se fosse para lá, ia como um português", assumiu.

A 335 quilómetros de Chernivtsi, o defesa encontrou em Chisinau uma cidade que fala russo e "parece estruturalmente ter parado no tempo", desejando, a nível desportivo, a permanência pelo Zimbru, oito vezes campeão moldavo, a última das quais em 1999/00.

"Dificilmente iremos descer, mas o grande objetivo é ir à final da Taça e ganhá-la, porque assim conseguiremos ir às competições europeias na próxima época", afiançou, numa altura em que os 'canarinhos' seguem, ao fim de 22 jornadas, na sétima e penúltima posição do campeonato, com 20 pontos, e estão nos quartos de final da prova 'rainha'.

Na liderança está o atual campeão Sherrif, que venceu 19 dos 21 campeonatos jogados neste século e projetou o país no mapa do futebol europeu em 2021/22, graças ao terceiro lugar no Grupo D da Liga dos Campeões, atrás de Real Madrid e Inter Milão.

"A nível de adeptos, o Zimbru é como se fosse o Benfica em Portugal. É um dos clubes mais antigos do país e já ganhou muitos títulos, se bem que o Sheriff está melhor agora, mas também tem muito mais dinheiro e outro tipo de jogadores", enquadrou Ivan Buha, o único português a alinhar naquela antiga república soviética, independente desde 1991.

Afastado pelo Sporting de Braga no 'play-off' de acesso aos 'oitavos' da Liga Europa, o clube de Tiraspol, controlado pelo ex-agente do KGB Viktor Gusan, situa-se na região separatista da Transnístria, entre Moldova e Ucrânia, que não é reconhecida como país.

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