"Acaba por resultar da necessidade do clube. Diria que esta situação jamais aconteceria em contextos normais, pelo menos a curto e médio prazo. O cenário de guerra obrigou o Shakhtar Donetsk a buscar alternativas, que estavam dentro de casa. Muitos jogadores formados na academia estão a surgir na equipa principal e a ter performances bastante interessantes", notou à agência Lusa o diretor, que deixou Kiev face ao agravamento da situação político-militar na Ucrânia e mantém funções a partir da cidade croata de Split.
Porta privilegiada de entrada de atletas brasileiros na Europa no século XXI, o Shakhtar Donetsk ficou sem 13 desses representantes em função da ofensiva militar lançada pela Rússia em 24 de fevereiro de 2022, que suspendeu as provas futebolísticas na Ucrânia.
Nesse lote figurava David Neres, que reforçaria o Benfica no verão seguinte, bem como Dodô (ex-Vitória de Guimarães), Fernando (ex-Sporting), Pedrinho (ex-Benfica), Ismaily (ex-Estoril Praia, Sporting de Braga e Olhanense) ou Marcos Antônio (ex-Estoril Praia).
Igual rumo teve o israelita Manor Solomon, ao aproveitar uma medida tomada pela FIFA, que autorizava os atletas estrangeiros a atuar na Rússia ou na Ucrânia a suspenderem unilateralmente os seus contratos e assinarem por outro clube até 30 de junho de 2022.
"A nível da academia, sou o único estrangeiro e trabalho em exclusivo com ucranianos. Quando a nova época começou, tínhamos um jogador brasileiro [Lucas Taylor] e um do Burkina Faso [Lassina Traoré] no conjunto principal, sendo que adquirimos mais dois ou três estrangeiros neste mercado de inverno", frisou Edgar Cardoso, que deixou de estar acompanhado pelo compatriota Ricardo Cotovio, então nutricionista da formação sénior.
O croata Igor Jovicevic chegou do Dnipro-1 para suceder ao italiano Roberto De Zerbi no comando técnico do Shakhtar Donetsk, que acabou por 'tombar' do Grupo F da Liga dos Campeões para a Liga Europa em 2022/23, ao ficar atrás dos espanhóis do Real Madrid, atual detentor do cetro, e dos alemães do Leipzig, mas acima dos escoceses do Celtic.
"Acho que até nós ficámos surpreendidos com o que conseguimos fazer na 'Champions'. Veremos até onde conseguimos ir, mas já alcançámos algo que ninguém esperava e com uma performance muito interessante contra excelentes adversários", indicou, numa altura em que os 'mineiros' já bateram os franceses do Rennes no play-off e estão a lutar com os neerlandeses do Feyenoord por uma vaga nos quartos de final da Liga Europa.
Em paralelo, a equipa de juniores até passou a primeira fase da UEFA Youth League, ao ser vice-líder de uma 'poule' com os mesmos adversários da Liga dos Campeões, antes de perder no play-off com o Hadjuk Split, que, por "grande coincidência", está a ceder as suas instalações para ajudar as camadas jovens do Shakhtar Donetsk em plena guerra.
"É uma prova um pouco imprevisível, porque alguns clubes têm bons futebolistas nessas faixas etárias a treinar habitualmente com a primeira equipa, mas, depois, não os baixam para jogarem neste patamar. De qualquer maneira, cumpriram-se as boas expectativas que tínhamos com os sub-19", expôs Edgar Cardoso, vinculado aos ucranianos desde 2020.
Devido à situação excecional, que provocou bombardeamentos de estádios e campos de treino, as equipas principal e de juniores serviram-se das infraestruturas dos polacos do Légia Varsóvia para poder fazer os seus duelos internacionais na condição de visitados.
"Tornou-se uma guerra um bocadinho imprevisível e há dias em que não acontece nada. De repente, o inimigo lembra-se de lançar uma ofensiva grande. Obviamente, estou por dentro daquilo que se passa, mas o tempo ajudou a que a guerra se tornasse quase uma rotina e deixámos de acompanhar tão efusivamente aquilo que tem sucedido", partilhou.
Na Ucrânia estão a decorrer apenas as provas internas, sendo que o Shakhtar Donetsk 'apadrinhou' o primeiro jogo oficial disputado no país desde a invasão russa, ao empatar sem golos na receção ao Metalist 1925 Kharkiv, na ronda inaugural do principal escalão.
"Os encontros são realizados à porta fechada e em estádios com abrigos antiaéreos. O campeonato está a disputar-se apenas em três ou quatro recintos e com um contingente policial grande. A vida continua e temos de nos adaptar. As pessoas conformaram-se ao fim de uns meses. Há dias aparentemente normais e outros em que todos têm de estar escondidos", ilustrou Edgar Cardoso, ex-treinador da formação do Benfica (2002-2014).
Sem título atribuído na época anterior, a Liga ucraniana voltou em 23 de agosto de 2022, no Estádio Olímpico de Kiev, recinto do rival Dinamo Kiev, onde o Presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, discursou instantes antes de um soldado do batalhão Azov, ferido durante o combate, ter a honra de dar o simbólico pontapé de saída para a competição.
"Houve três ou quatro jogos nossos que não começaram a horas ou foram interrompidos, mas agora temos conseguido competir sem parar", concluiu o dirigente luso, de 39 anos, enquanto o atual líder do campeonato, com os mesmos 36 pontos do Dnipro-1, ao fim de 15 rondas, tem feito predominantemente de Lviv a sua casa nas competições nacionais.
Nomes como Georgiy Sudakov, Taras Stepanenko, Anatoliy Trubin, Artem Bondarenko, Mykola Matvienko e Yaroslav Rakitskyi são referências do renovado projeto do Shakhtar Donetsk, que já fixou a sua venda mais cara em janeiro, quando Mykhailo Mudryk rumou aos ingleses do Chelsea por 70 milhões de euros, acrescidos de 30 em variáveis.
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