Em 04 de maio de 1975, no antigo Estádio José Alvalade, em Lisboa, os 'leões' abriram o ativo por Samuel Fraguito (30 minutos), mas Diamantino Costa empatou para as 'águias' (52), que fizeram a festa na casa do rival depois do apito final do árbitro Samuel Correia.
"Não houve exuberância excessiva por parte dos adeptos do Benfica, nem hostilidade do lado do Sporting. Toda a gente saiu do estádio e não existiram distúrbios. Não me lembro de algo que tenha provocado a intervenção da polícia, tal como hoje, lamentavelmente, se vê com alguma regularidade", traçou à agência Lusa o ex-avançado 'encarnado' António Simões, titular naquela tarde pelo conjunto então orientado pelo jugoslavo Milorad Pavic.
Os dois 'vizinhos' estavam separados por quatro pontos no topo da tabela antes do dérbi lisboeta, que tornaria irrecuperável a desvantagem do Sporting para o Benfica e permitiu ao FC Porto, terceiro classificado, aproximar-se dos 'leões' a uma jornada do fim, devido ao êxito no Bessa sobre o rival Boavista, numa altura em que a vitória valia dois pontos.
"Foi um jogo equilibrado. Não foi fácil para o Benfica, que até tinha melhor equipa do que nós. Nessa época, tivemos uma transição de jogadores que não deu grandes resultados, mas, se calhar, a igualdade nem foi má para nós. Eles foram dignos e não fizeram festa nenhuma. Antigamente, os jogadores davam-se melhor e havia mais respeito", atestou à agência Lusa o ex-médio 'verde e branco' Fraguito, substituído aos 74 minutos por Paulo Rocha, após ter "fletido da esquerda para o centro e atirado de fora da área" para o 1-0.
O Sporting acabou a prova com uma derrota face ao Belenenses (0-2), no Restelo, para um total de 43 pontos, um abaixo do FC Porto, que selaria essa ultrapassagem na vice-liderança com uma goleada ao lanterna-vermelha Sporting de Espinho (4-0), nas Antas.
O Benfica aproveitou esse contexto para reforçar o primeiro lugar, ao vencer o União de Tomar (3-1) em pleno dia de consagração na Luz e terminar com 49 pontos, por entre 62 golos marcados e apenas 12 sofridos - a melhor marca defensiva registada até então por um campeão nacional, que só viria a ser superada pelo FC Porto, em 1991/92, com 11.
"Atacar bem ganha jogos. Defender melhor ganha títulos. Isto não quer dizer que se tem de jogar à defesa, mas defender com qualidade em vez de quantidade", admitiu António Simões, que ladeara Bento, Artur Correia, Humberto Coelho, Messias, Barros, Toni, Vítor Baptista, Moinhos, Nené e Diamantino Costa no 'onze' inicial das 'águias' em Alvalade.
Nos 'leões', o técnico chileno Fernando Riera tinha começado com Vítor Damas, Carlos Pereira, Alhinho, Vitorino Bastos, Manaca, Fraguito, Wágner, Nélson, Marinho, Dinis e o argentino Héctor Yazalde, que revalidou em 1974/75 o estatuto de melhor marcador da I Liga, com 30 golos, um ano após ter estabelecido o recorde absoluto da prova, com 46.
O Benfica destronava o Sporting, que havia impedido o 'tetra' do rival na época anterior, mas só recebeu o cetro das mãos do então vice-presidente da Federação Portuguesa de Futebol, Jorge Fagundes, antes desse dérbi, que foi presenciado por cerca de 65.000 espetadores.
"Isto aconteceu na presença de dois presidentes de grande elevação. João Rocha, do Sporting, e Duarte Borges Coutinho, do Benfica, sempre se respeitaram e vieram para o jogo com o estatuto de quase obrigar a massa adepta a honrar esse entendimento entre os dois clubes. Não houve declarações que não tenham sido compatíveis com o jogo e o espetáculo", registou António Simões, sobre uma tarde desprovida de guarda de honra.
Tomando como exemplo a realidade observada durante a sua passagem pelos Estados Unidos, onde "não há qualquer complexo em ter esse gesto", o antigo avançado, de 79 anos, lamenta "não conseguir encontrar essa cultura desportiva no desporto português".
"Ninguém procura que ela exista. Muitas vezes, parece que estamos numa guerra, mas o jogo não pode ser isso de forma nenhuma. O futebol é um desporto profissional, no qual todos querem ganhar, mas têm, sobretudo, de se respeitar, visto que estão a vender um produto, que tem de ter qualidade e credibilidade para poder entrar no mercado", notou.
Samuel Fraguito partilha a opinião de António Simões, com quem não chegou a coincidir ao serviço da seleção principal de Portugal, e defende que "a dignidade tem de ser igual quando se ganha ou se perde", mas fica cético sobre a existência de guardas de honra.
"A guarda de honra é só para a rainha [risos]. Isso nunca existiu. É uma modernice como outra qualquer. Há quem faça, mas quem não a fizer vai ficar mal visto por causa disso? Um jogador acabou de perder, está ali a sofrer e ainda vai ter de bater palmas ao outro. Isto é fair-play a mais", atirou o ex-médio, de 71 anos, perante a iminência de as 'águias' serem campeãs num dérbi pela quinta vez, após 1935/36, 1974/75, 1983/84 e 1986/87.
O Sporting, quarto colocado, com 70 pontos, menos quatro do que o Sporting de Braga, terceiro, recebe o líder Benfica, com 83, quatro acima do 'vice' e atual campeão nacional FC Porto, no domingo, às 20:30, no Estádio José Alvalade, em Lisboa, em jogo da 33.ª e penúltima jornada da I Liga, com arbitragem de João Pinheiro, da associação de Braga.
O vencedor da 89.ª edição da prova fica sentenciado em caso de triunfo do clube da Luz, que até pode empatar - e chegar a um título que lhe foge desde 2018/19 -- se, no sábado, o FC Porto deixar dois pontos em Famalicão, onde o campeonato 'fechará' em caso de desaire dos 'dragões'