Do futebol para o CrossFit. De Portugal para o Mundo. Bruno Militão já fez história na sua modalidade desportiva de referência a competir em território luso e, desta vez, o objetivo passa por elevar (ainda mais) o nome de Portugal no estrangeiro. Tudo isto quando se aproxima o arranque da maior prova de CrossFit do mundo - os Nobull CrossFit Games - nos Estados Unidos da América, entre os próximos dias 1 e 6 de agosto.
Em entrevista exclusiva ao Desporto ao Minuto, o atleta de 40 anos não hesitou em detalhar todo o seu percurso desde o momento em que abandonou a carreira de futebolista em 2010 - com formação no Alverca - até à criação de um projeto, em 2013, que tem permitido o crescimento de muitos atletas na CrossFit Alvalade.
O caminho para o sucesso não foi fácil. Bruno Militão soube como transformar uma grave lesão em força e motivação para regressar, competir ao mais alto nível e servir de inspiração para outras pessoas.
Com vista a uma conquista histórica, o ex-futebolista destacou ainda o poder dos hábitos alimentares e dos treinos físicos para alcançar patamares tão elevados no CrossFit. A história está feita, mas Bruno Militão quer mais e não esconde isso.
Futebol? Cheguei a estar seis meses sem receber e não podia continuar nessa situação. Tive de tomar uma das decisões mais difíceis da minha vida. (...) Foi difícil, mas encontrei um outro mundo incrível [CrossFit] que nunca pensei encontrar.
Começou a praticar desporto no mundo do futebol e, depois de alguns anos como sénior, decidiu sair. O que o levou a desistir?
A relação com o desporto começou cedo. Aos nove anos já estava a jogar futebol federado no Alverca. Fiz toda a minha formação no clube e acabei por conseguir ser campeão nacional de juniores, um feito incrível e inédito num clube como o Alverca. Depois concretizei o meu sonho de ser jogador profissional e chegar à equipa sénior do Alverca nos campeonatos profissionais. Contudo, o clube faliu e acabei por jogar por outras equipas até decidir deixar os relvados aos 28 anos, por opção pessoal. Nessa altura, já tinha concluído a minha licenciatura em Ciências do Desporto pela Faculdade de Motricidade Humana e já estava a dar aulas de Educação Física e os primeiros passos no Fitness.
Esta foi uma fase em que tive de tomar decisões e pensar no meu futuro já que a questão financeira no futebol não era fácil e muitos dos clubes tinham dificuldades em pagar ordenados. Cheguei a estar seis meses sem receber e não podia continuar nessa situação. Tive de tomar uma das decisões mais difíceis da minha vida, mas não podia comprometer o meu futuro e também já estava cansado do mundo do futebol. Foi difícil, mas encontrei um outro mundo incrível que nunca pensei encontrar.
De que forma, e em que altura, conciliou o futebol com a licenciatura em Ciências do Desporto?
É uma história curiosa e poucas pessoas sabem, mas quando o Alverca entrou em falência eu tinha mais um ano de contrato e fiquei sem clube quando não estava à espera. Acabei por ir jogar para uma equipa onde treinava ao final do dia, mas era estranho e foi difícil adaptar-me ao facto de estar o dia todo sem fazer nada. Por esse motivo, fui trabalhar com uma pessoa que, mais tarde, se tornou meu amigo. Fazia de tudo o que possam imaginar, desde decoração de viaturas a sinalização de parques de estacionamento.
Nessa altura, fiz o exame para a faculdade, sendo que só tinha uma opção de instituição. Se não fosse na FMH, não teria viabilidade financeira nem logística. Foi a pessoa para quem trabalhava que, um dia, dentro da carrinha para ir trabalhar disse 'Olha, vê aí essas folhas'. Tinha conseguido vaga e lembro-me como se fosse hoje. Só consegui dizer 'E agora?' e ele respondeu 'Agora vais'. Ia para a faculdade de manhã, trabalhava de tarde e jogava à noite. Foram três meses duros e acabei por ficar só com os estudos e o futebol. Contudo, no último ano foi muito difícil e cheguei a ponderar deixar a faculdade devido a estar há seis meses sem receber do futebol. Precisava de dinheiro. Para verem o quanto gostava do futebol, não ponderei deixar de o praticar, mas sim deixar a faculdade. Depois lá consegui.
Aos 30 anos, já depois de ter abandonado a carreira de futebolista, Bruno Militão fundou a CrossFit Alvalade, com um objetivo que nunca fugiu da mente.© Reprodução CrossFit Alvalade IV
Como nasceu o interesse pelo CrossFit?
Confesso que nunca me revi no treino de ginásio clássico e, desde cedo, procurei metodologias de treino mais viradas para o treino funcional. Foi aí que encontrei o CrossFit e deu-me uma dupla possibilidade. Por um lado, como profissional aprendi muito e identifiquei-me com esta metodologia incrível. Acabei por abrir a CrossFit Alvalade em 2013, uma das primeiras 'boxes' em Portugal. A nossa missão é proporcionar às pessoas a melhor hora do seu dia e mudar as suas vidas, criando hábitos e rotinas de treino acessíveis a todos e para todas as idades.
Na CrossFit Alvalade pretendemos mostrar que o CrossFit é para todos. Depois, o CrossFit trouxe-me também a possibilidade de voltar a competir. Ao fim de seis meses fiz o campeonato nacional e ganhei. A partir daí foi uma loucura. Ganhei todas as competições em Portugal, fiz pódios internacionais e fui considerado 'Fittest in' Portugal por mais de uma vez. Depois de ter deixado de jogar precisava deste estímulo. Sempre fui atleta e deixar o futebol e o processo de treino para competir foi muito duro.
A sua dedicação ao Crossfit levou-o a começar a competir em Portugal e a ganhar títulos atrás de títulos. Foi esse o mote para estar onde está hoje?
O mote passa não só por fazer sempre melhor a nível de competição, mas também por manter-me um dos embaixadores desta modalidade, apresentando-a como a maior metodologia de treino, como a solução para combater o sedentarismo e devolver às pessoas a autoestima e confiança.
Lesão? Na altura [2018], o objetivo da cirurgia era poder voltar a ter uma vida normal e muito dificilmente pensar em competir. Perguntei muitas vezes a mim mesmo o motivo de ter feito a cirurgia.Quando sofreu a grave lesão no punho?
Foi num treino de ginástica a realizar um exercício. Ouvi um estalo no punho, perdi um pouco a força na mão, mas tinha uma competição na mesma semana e tentei perceber se conseguia competir. E consegui. Contudo, no pós-competição as dores eram grandes e a limitação foi sempre aumentando. Entretanto, fiz exames, mas não detetaram nada. Por isso, fiz uma infiltração, voltei a competir e nesse segundo pós-competição voltei a sentir um estalo no mesmo movimento em treino. Já estava cansado de ter dores e de ter recaídas e fui a um médico especialista que detetou uma rotura total do ligamento, da qual só seria possível recuperar com cirurgia.
De que forma isso suspendeu a sua atividade?
Foi duro e não podia sequer fazer tarefas do dia a dia. Não podia fugir à cirurgia. Na altura [2018], o objetivo da cirurgia era poder voltar a ter uma vida normal e muito dificilmente pensar em competir. A limitação articular a nível de amplitude no punho é muito grande. Fiquei três meses com o braço ao peito, com uma tala. Foram seis meses praticamente sem poder fazer movimentos com o braço. Foi a lesão, pós-operatório e fisioterapia mais duros pelos quais alguma vez passei. Perguntei muitas vezes a mim mesmo o motivo de ter feito a cirurgia. Praticamente dois anos depois ainda não conseguia fazer uma simples flexão com a mão toda no chão.
Qual foi a chave para o regresso à competição?
Nunca deixei de treinar e foi isso que me manteve vivo e em forma. Seis dias depois da cirurgia já estava a treinar com o braço ao peito. Quatro anos depois, em 2022, voltei a competir.
O atleta de 40 anos revela ser muito rigoroso com os seus hábitos físicos e alimentares, seguindo toda uma rotina que não hesitou em descrever ao Desporto ao Minuto.© Reprodução CrossFit Alvalade IV
Para um atleta de alta competição, como são as 24 horas do seu dia a dia, nomeadamente no que toca à alimentação?
Acordo às 6h00 e faço o pequeno-almoço. Gosto do preparado de pão proteico porque, além de não ter glúten, preparo ao domingo e dá para toda a semana. No pão, coloco sempre a manteiga de amêndoa e os ovos mexidos, juntando a uma banana e um sumo de laranja. Caso tenha um dia mais complicado, opto por uma mistura de aveia, proteína e pasta de amêndoa, com alto teor em fibra e sem açúcares, às quais junto rapidamente uma bebida vegetal. Nunca saio é de casa em jejum. A questão de não ter glúten revelou-se bastante importante para mim porque, como tenho uma doença autoimune, não quero de forma alguma aumentar a inflamação
Treino sempre a meio da manhã e o meu pré-treino normalmente é uma fruta. Acabo o treino da manhã e imediatamente a seguir tomo a proteína que preparo rapidamente num shaker. Uma vez que estou cada vez mais preocupado com o que ingiro, a parte positiva destas proteínas é que não têm qualquer adição de açúcares ou outros aditivos.
Ao almoço ando sempre com marmita e já tenho as refeições preparadas. São cerca de 180g de proteína, 200g de hidratos de carbono, verduras e legumes à vontade, além de uvas como sobremesa. Volto a treinar por volta das 14h30/15h00 e como normalmente dois quadrados de chocolate negro mais uma peça de fruta. Durante o treino, principalmente em fases da época em que o volume é maior ou mesmo agora nesta fase, tenho BCAA´s [Aminoácido ramificado] e palatinose durante o treino para ter energia. No final do treino de força, que é muito intenso, tenho panquenas já preparadas e barritas.
No final do dia faço a refeição em casa, com um prato mais composto do que ao almoço. São cerca de 240g de proteína, 300g de hidratos e legumes. Há dias que faço uma ceia, mas como me levanto cedo normalmente nem sinto necessidade.
É um privilégio e um orgulho enorme poder estar no maior evento de CrossFit a nível mundial. Espero servir de inspiração.Para quem desconhece o que é ao certo o CrossFit, qual a melhor definição que consegue dar?
A génese do CrossFit é criar uma sociedade com hábitos de vida saudáveis, que incluem treino, alimentação e relações pessoais. O CrossFit é mais do que um programa de treino. Passa por estarmos aptos para fazer as nossas atividades do dia a dia. Sermos capazes de envelhecer mantendo as nossas capacidades físicas e cognitivas intactas, além de procurarmos a melhor versão de nós próprios. Muitas pessoas sentem-se intimidadas pelo CrossFit porque estão mal informadas e não sabem realmente do que se trata.
De forma mais prática, o Crossfit é uma metodologia de treino funcional que combina diferentes exercícios todos os dias, como ginástica, levantamentos de peso e atividades de condicionamento metabólico, entre outros. Numa explicação simples, trata-se de uma prática de exercício que nos prepara para as tarefas do dia a dia, como carregar as compras ou correr atrás das crianças. É sempre adaptado às condições físicas de cada um e, por isso, é ideal para toda a gente, seja qual for a idade ou nível.
Como se sente em poder representar Portugal nos Nobull Crossfit Games, nos Estados Unidos da América, entre os próximos dias 1 e 6 de agosto, depois de todo o seu percurso?
É um privilégio e um orgulho enorme poder estar no maior evento de CrossFit a nível mundial, os CrossFit Games, podendo representar a nossa bandeira e o nosso país. Há uma enorme realização pessoal. Foi uma luta muito grande para poder chegar aqui, com uma história cheia de diversidades e percalços. Espero servir de inspiração. Aliás, uma das coisas que me faz e me fez manter-me a competir é continuar a inspirar pessoas e a fazer a modalidade crescer em Portugal como sempre fiz até aqui.
Independentemente do que aconteça, estou a desfrutar como nunca do processo. Treinar a este nível é incrivelmente duro física e mentalmente. Mesmo com tantos anos de competição conseguimos aprender sempre.Chegado esse feito na sua carreira, qual o objetivo que pretende atingir na prova?
Ganhar, claro. Vou dar tudo o que tenho.
E se não correr bem? Pensa em tentar novamente no próximo ano?
Estamos a falar de estar entre os dez homens mais bem preparados à face da terra. Independentemente do que aconteça, estou a desfrutar como nunca do processo. Treinar a este nível é incrivelmente duro física e mentalmente. Mesmo com tantos anos de competição, conseguimos aprender sempre mais sobre nós e isso é incrível. Quero dar o meu melhor e, no final, quero fazer um balanço e perceber se este corpo aguenta fazer tudo de novo. Já sei que a cabeça vai muito provavelmente dizer 'sim', mas é um balanço familiar, profissional e pessoal que temos de encontrar.
Aos 40 anos, há mais sonhos por atingir?
Há tantos sonhos. Espero continuar a desenvolver a CrossFit Alvalade e lançar a 100% a minha programação de treino para quem quer competir, a BMMentality. Escrever um livro também e, claro, continuar a competir e ser sempre a minha melhor versão, como pai, marido e líder.
Bruno Militão é perentório ao querer colocar o nome de Portugal no topo da história do CrossFit.© Reprodução CrossFit Alvalade IV
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