Há 19 anos a exercer as funções de treinador, Nikola Popovic já se aventurou em 15 clubes e passou por cinco continentes distintos, encontrando-se, agora, no comando técnico do Atlético CP, na Liga 3, a tentar 'piscar o olho' ao regresso da II Liga, mas sem pensar muito no futuro.
Em entrevista ao Desporto ao Minuto, o ex-adjunto de Hélder Cristóvão nos tempos do Benfica B (e até do DAC 1904, da Eslováquia) 'traçou' o seu trajeto desde a época 2005/06 até rumar a outras paragens, tanto na condição de adjunto, como de treinador principal.
Nascido na Sérvia (antiga Jugoslávia), Nikola Popovic não tardou em aprender a falar português e, sem jogar futebol a alto nível, abraçou a profissão de treinador, no Desportivo dos Olivais e Moscavide, seguindo-se passagens por Vhren (Bulgária), Varzim, seleção de Cabo Verde, Ceuta (Espanha), Chernomorets Burgas Sofia (Bulgária), Al Dharfa (Emirados Árabes Unidos) e Al Ittihad Tripoli (Líbia), nos primeiros oito anos, sempre como adjunto, até que se aventurou no Sertanense, como técnico principal, em 2013/14.
A partir daí, o treinador luso-sérvio passou a 'dividir' a carreira entre o estatuto de líder e vice-líder da equipa técnica, destacando-se aventuras como no Benfica B e no Estrela Vermelha, bem como os quatro anos de grandes conquistas no continente norte-americano. Com uma vasta experiência e à distância de apenas um continente (Oceania) para fazer o 'pleno' - excluindo a Antártida, onde não há população nativa -, Nikola Popovic enalteceu os feitos do passado, sublinhou que apenas pode controlar o presente e apontou a um futuro ambicioso, ainda que de forma acautelada.
Às vezes, no futebol, nem tudo surge como queremos. É aquilo que aparece. As coisas acontecem. Foram aparecendo oportunidades interessantes.
Nasceu na Sérvia e a questão que se impõe é: Como veio parar a Portugal?
Os meus pais são jugoslavos. Na altura, a Jugoslávia separou-se em vários estados e eles são da Sérvia. Viemos para Portugal porque o meu pai era jornalista e correspondente num órgão de comunicação de desporto. Eu tinha mais ou menos quatro anos. Era muito novo.
Não jogou antes de ser treinador?
Sim, mas não a um alto nível. Joguei no Campeonato Regional de Lisboa, no Pinheiro de Loures e no Agualva-Cacém.
A primeira aventura como técnico adjunto aconteceu no Olivais e Moscavide, na II Liga, mas rumou ao Vihren, da Bulgária, em 2007, juntamente com Rui Dias. O que vos cativou num país tão longe de Portugal?
Na altura, era pelo desafio. Era uma equipa da primeira divisão [da Bulgária] que mostrava algum interesse em crescer e, no futuro, jogar para a Liga Europa. Era o momento de experimentar uma coisa nova a nível internacional. Foi uma experiência bastante interessante e enriquecedora.
O regresso não tardou a acontecer, pela porta do Varzim, mas, em 2010, decidiu deixar a sua equipa técnica e rumou à seleção de Cabo Verde como adjunto. Sentia que necessitava de começar a trilhar um caminho 'sozinho'?
Não acabámos a época 2008/09 [no Varzim]. Eu conhecia o João de Deus, que, nessa altura, estava na seleção de Cabo Verde. Ele precisava de um adjunto, convidou-me e eu aceitei. Queria também ter uma experiência a nível de seleção nacional, que é algo sempre diferente do trabalho diário de um clube. Depois, estive com ele em mais dois projetos.
A aventura foi curta, seguiu para o Ceuta e ainda regressou à Bulgária pela porta do Chernomorets Burgas Sofia. O que aconteceu para que o Nikola Popovic passasse por tantos países em tão pouco tempo?
Às vezes, no futebol, nem tudo surge como queremos. É aquilo que aparece. As coisas acontecem. Foram aparecendo oportunidades interessantes. Nessa altura, defrontámos a famosa equipa do Barcelona, de Pep Guardiola, para a Taça do Rei. Numa eliminatória a duas mãos, perdemos 0-2 em casa e depois perdemos 5-1, fora, sendo que, aí, a entrada de [Lionel] Messi na segunda parte complicou muito. Foi uma experiência mesmo interessante contra uma das melhores equipas de sempre. Depois, apareceu o convite para a Bulgária, onde já tinha estado, numa nova experiência enriquecedora.
Diferenças entre ser treinador principal e adjunto? É óbvio que há uma questão de liderança. Foi algo que aprendi ao longo do tempo.
Já no Al Dharfa, dos Emirados Árabes Unidos, 'bebeu' algo do trabalho como adjunto de Baltemar Brito, ex-assistente de José Mourinho?
Era isso que procurava numa fase inicial da minha carreira. Ter várias experiências com várias metodologias. O Baltemar tinha tido formação com o José Mourinho. Tiveram muito sucesso na União de Leiria, no FC Porto e no Chelsea. Beber esse conhecimento e saber como se abordava a dita priorização tática foi muito interessante. Depois, nas conversas que fui tendo com Vítor Frade, percebi como funciona a metodologia, que é algo que influencia bastante o meu trabalho.
Na época 2013/14, teve a sua primeira aventura como treinador principal, e, logo no regresso a Portugal, pela porta do Sertanense. Que diferenças sentiu no curto período em que lá esteve?
Há realmente grandes diferenças. Primeiro, é óbvio que há uma questão de liderança. Foi algo que aprendi ao longo do tempo. Um líder tem de ter realmente uma ideia clara do modelo de jogo, perceber bem como quer jogar em todos os momentos do jogo, ser uma coisa clara e fluente na mente dele... Há também a parte metodológica, da cultura, do tipo de valores e crenças que se querem inserir no seio da equipa. Como adjunto, há a tarefa de auxiliar. Como líder, há tudo isto para implementar pelo próprio treinador. São diferenças consideráveis, mas qualquer pessoa que goste, que seja apaixonado, tem o prazer de abraçar.
Nessa reta final de época, somou duas vitórias em quatro jogos. Não esteve em cima da mesa ficar para a temporada seguinte?
Esteve, mas houve um impedimento que fez com que eu não quisesse ficar. Acabei por não continuar no projeto.
O que aprendeu ao rumar à Aspire Qatar durante, sensivelmente, um ano? Quem conheceu lá com quem ainda hoje conversa ou que mantém como inspiração?
Foi um aventura muito interessante, com um contacto com uma cultura diferente. Já tinha estado numa cultura parecida no Al-Dharfa [nos Emirados Árabes Unidos]. Na Aspire Qatar, encontrei um cenário um pouco semelhante ao da seleção de Cabo Verde. Íamos tendo as camadas jovens a preparar-se para o Mundial do Qatar. Não mantive grandes contactos, mas conheci pessoas bastante qualificadas, que influenciaram de alguma forma. Eles tinham tudo o que é tecnologia, desde o GPS às caixas de 360 graus. Mas eu queria algo mais próximo de um clube, com trabalho diário, que era o que me apaixonava [no futebol].
Finalizada essa experiência, o Nicola Popovic voltou a Portugal, desta vez, como adjunto de Hélder Cristóvão, ao serviço do Benfica B. Como é que surgiu este convite?
Fizemos os cursos de FA e FA Pro juntos e tivemos sempre uma boa relação. Surgiu a oportunidade de trabalhar com o Hélder para o projeto que ele já tinha iniciado, no Benfica B, numa experiência impressionante. É realmente um clube fora de série. Estamos a falar de um dos melhores clubes, não só a nível nacional, mas também a nível mundial. Não é por acaso que tem tantos títulos e já foi campeão da Europa. É uma cultura diferente, com uma forma de estar no futebol e com organização. Foi fantástico, enriqueceu-me bastante.
Nikola Popovic passou pelo clube da Luz numa altura em que também Fernando Chalana era adjunto, embora ao serviço dos juvenis.© Reprodução Nikola Popovic
Considera que voltar a ser adjunto foi um passo atrás ou chegar a um clube como o Benfica 'apaga' isso?
Eu nunca penso assim. O futebol é momento. Trabalhar como adjunto é uma coisa, trabalhar como treinador principal é outra. Sou apaixonado por futebol. Não me parece que haja passos atrás ou passos à frente. As oportunidades surgem e aquela era mais uma, onde podia trabalhar com uma pessoa que respeito, num clube com dimensão mundial. Era uma proposta, na minha opinião, irrecusável.
Hélder Cristóvão manteve-se no Seixal, mas o Nikola rumou ao Swope Rangers, por dois anos, nos Estados Unidos da América. Por que motivo?
Era uma excelente proposta de um projeto em que eu ia absorver um pouco de tudo. Sempre tive o interesse e a curiosidade de estar numa equipa dos Estados Unidos da América e de perceber a cultura deles. Percebi que era bastante diferente na forma como via o futebol. Apareceu essa proposta e acabei por ir para os EUA, onde depois tive a oportunidade de trabalhar como treinador principal e ganhar alguns títulos. Eles têm claramente uma organização diferente das nossas, onde o futebol é visto como um negócio. Tudo numa perspetiva empresarial, onde a capacidade de criarmos valores, crenças e comportamentos que nos vão levar ao sucesso é muito tido em conta. Foi uma das experiências mais enriquecedoras que eu tive na minha carreira.
Começou com adjunto, mas viria a ser nomeado, na reta final de 2016, como treinador principal, levando a equipa a vencer o Campeonato da Conferência Oeste e a alcançar a final da liga pela segunda vez consecutiva. Pintaram-no como um herói?
Foi realmente muito interessante. São campeonatos com fase regular e fase final. São muito exigentes. Ganhar duas vezes a Conferência [Oeste] e ir duas vezes à final da United Soccer League (USL) é mesmo muito interessante. Foi-me pedido para mudar completamente o modelo de jogo e incluir uma nova cultura. Um futebol muito mais atrativo. Sou apaixonado por futebol e a ideia é que seja perfumado, apoiado e com paixão. Isso foi conseguido de uma época para a outra, com mais golos, mais passo, mais precisão de passe. A partir de uma época boa ainda se conseguiu uma melhor. A minha equipa rodava muito bem e conseguimos trazer jogadores que encaixavam no perfil daquilo que pretendia para o modelo de jogo.
Manteve-se no continente norte-americano e mudou-se para o Canadá por dois anos, com um desempenho assinalável no Ottawa Fury, mas, em 2019/20, aceitou regressar à Eslováquia, para voltar a fazer parte da equipa técnica de Hélder Cristóvão, no DAC 1904. Como é que tudo isto se propiciou?
Eu queria voltar para a Europa, claramente. Na altura, tinha convites para continuar nos Estados Unidos [da América], mas queria voltar para o futebol europeu. Ambicionava jogar a Liga Europa e a Liga dos Campeões. Tive o convite do Hélder [Cristóvão] para ser assistente dele numa equipa que tinha sido recentemente campeã nacional da Eslováquia. Era um grupo fantástico, com condições fantásticas, mas foi quando surgiu a Covid-19. Tivemos de interromper essa aventura, infelizmente. Acabámos por não regressar.
Estrela Vermelha? Tal como no Benfica, volto a dizer que não é por acaso que estes grupos ganham títulos, são campeões regularmente e fazem boas campanhas europeias. Há realmente algo especial que é trabalhado.
Qual foi a sensação de, após um ano sabático, regressar à Sérvia e contribuir para a conquista de dois campeonatos em dois anos no Estrela Vermelha?
Lembro-me que também ficámos no grupo do [Sporting de] Braga, na Liga Europa, onde ganhámos um jogo e perdemos outro, mas, depois, fomos eliminados pelo Rangers. No ano seguinte, fomos até ao playoff da Liga dos Campeões e finalmente ouvimos o hino, mas não conseguimos passar à fase de grupos. No entanto, foi uma grande experiência. Tal como no Benfica, volto a dizer que não é por acaso que estes grupos ganham títulos, são campeões regularmente e fazem boas campanhas europeias. Há realmente algo especial que é trabalhado. Não é por acaso. A nível de cultura e a nível de mística, isso faz com que estes clubes tenham tanto sucesso. Foi o melhor resultado dos últimos anos a nível da Europa, depois da conquista da Liga dos Campeões [1990/91]. Foi realmente marcante para mim. E voltar para o país onde tinha nascido já não estava há muitos anos... Foi muito interessante esta experiência. Estava com o Dejan Stankovic, que é uma pessoa muito famosa na Sérvia e com influências do campeonato italiano, onde jogou por Internazionale e Lazio. Nós em Portugal preocupamo-nos muito com o momento ofensivo, mas ali há uma grande importância e atenção no detalhe defensivo e nas formas como se defende.
Regressou a Portugal esta época, pela porta do Atlético CP, mas o que fez durante o ano sabático cumprido em 2023/24?
Isso já é uma questão mais familiar. Queria estar em Portugal, com os meus familiares. Por sorte, apareceu este projeto do Atlético que, sendo em Lisboa, onde está a minha mãe, convenceu-me.
Por esta altura, no Atlético CP, soma sete vitórias em 13 jogos e, olhando para a Liga 3, segue em posição de apuramento. O regresso à II Liga é um objetivo assumido?
Pediram-me que, em dois anos, trouxesse uma nova cultura, um novo modelo de jogo. Tudo isto demora tempo. Temos jogadores novos no plantel. Temos de estar focados no desempenho. No processo, há já uma qualidade de jogo, que nos deixa muito contentes, mas tem de ser sustentada. Temos de criar os alicerces para levar o Atlético aos patamares onde já esteve e merece estar. Vamos fazendo o nosso caminho, passo a passo. É um projeto muito concreto. Estamos na fase de subida, nos lugares de qualificação, mas ainda falta muito. Não estou a atirar para o ar quando digo que o último pode ganhar ao primeiro. Há muito equilíbrio. Temos de pensar jogo a jogo.
O projeto ambicioso que o levou a regressar a Portugal contempla a mínima hipótese de devolver o clube à I Liga? Sente-se autopressionado ou ainda não pensa nisso?
Sinceramente, não penso. Há muito trabalho a fazer. Construir uma cultura e um modelo de jogo demora tempo. Há 15 jogadores novos, creio. Não podemos colocar a 'carroça à frente dos bois'. Não estou a dizer nada que não sinta. O meu pensamento, neste momento, é o foco que tem de ser visto dia após dia. Se o foco estiver aí, vamos estar num bom caminho.
Treinador de 51 anos encontra-se a cumprir a segunda aventura como treinador principal em Portugal.© Atlético CP
Quais são as suas principais referências como treinador?
José Mourinho, claramente. É a pessoa que talvez mais me influenciou. Com ele, o FC Porto ganhou a Liga Europa e a Liga dos Campeões. Toda aquela forma de jogar… Por aquilo que fui investigando, e pelo contacto que tive com o Baltemar [Brito], claro. E digo também o Pep Guardiola, em que todo o meu modelo é similar. Tem ideias de domínio, controlo e posse de bola. Essas duas referências estão sempre comigo e são aquelas que me vão guiando, digamos assim. Claro que foram aparecendo novos treinadores. Temos de estar atentos a tudo o que está a acontecer. O futebol é muito volátil, as coisas vão mudando.
E atendendo à evolução do futebol, qual é que considera ser, neste momento, o seu sistema tático preferido?
A questão do sistema tático é muito interessante. O que eu crio são várias formas de atacar e defender, tendo por base, normalmente, um 4x3x3, mas é algo que se vai transformando e adaptando, também com ideias italianas. É um modelo bastante atrativo para mim. Lembro-me que, quando o meu pai me levava ao parque, perto de casa, eu queria era ter a bola nos pés, não defender. Quero um futebol que dê prazer a quem o joga no campo, mas também para quem o está a ver. Nós, como treinadores, temos de ter em atenção que isto é um espetáculo, que tem de ser visto e adorado. Temos de apaixonar o público com a nossa forma de jogar. Nem sempre é fácil, porque há muita coisa à volta para que tudo possa ser colocado em prática. Tenho muita fé e crença de que é possível ter um futebol que entusiasma e que nos provoca paixões, para termos momentos de grande prazer no jogo.
Sonha alcançar que tipo de patamar em Portugal?
Sonho atingir claramente a I Liga, a Liga Europa, a Liga dos Campeões… Qualquer treinador com ambição, procura equipas desse nível, mas também deve ter prazer no que faz. Há vários níveis no futebol, obviamente. A minha filosofia de vida é aplicar-me a 100% em tudo o que faço, com paixão. Estou feliz por estar no Atlético, um clube histórico com uma massa associativa fantástica. Há uma mística especial. Queremos conseguir crescer o mais rápido possível.
E no estrangeiro, tem alguma meta em especial a atingir? Sonha com alguma competição em específico?
A minha competição de sonho sempre foi a Liga dos Campeões. Muita gente fala no Campeonato do Mundo, mas, sinceramente, para mim, a Liga dos Campeões é a competição mais difícil, onde se joga melhor e a intensidade está no máximo.
Nikola Popovic ajudou o Estrela Vermelha a conquistar dois campeonatos e ainda uma Taça da Sérvia, naquela que foi a aventura em que celebrou as melhores conquistas na carreira.© Reprodução Crvena Zvezda
Que balanço faz destes quase 20 anos de carreira como treinador em poucas palavras?
Muita experiência. Muito contacto com os mais variados níveis e metodologias que me enriquecem bastante nível profissional, mas também a nível pessoal.
Terminamos com uma 'provocação'. Após cinco continentes, ainda há espaço para o sexto?
(risos) Não sei responder. Depende… Neste momento, estou focado no Atlético. É onde eu quero estar. Sinto-me muito bem aqui e o futuro a Deus pertence. Uma das coisas que eu digo aos meus jogadores é que um dos valores que gosto de cimentar numa cultura é o controlo, no sentido de já não poder alterar o passado e de não saber o que vem no futuro. O que controlo é o presente, é aquilo que posso dar no imediato. E estou muito bem, a dar o máximo. Se uma pessoa quer chegar a qualquer nível elevado da sua profissão tem de se focar em dar o máximo todos os dias.
Leia Também: "Fábio Paím? Não é por acaso que Cristiano Ronaldo disse aquilo..."
Leia Também: Há 'caso Quenda': "Perseguição clara de Martínez a jogadores do Sporting"