Em entrevista à Lusa, o dirigente sindical vê como "absolutamente insustentável" a carga atual de jogos competitivos para os jogadores dos principais emblemas do futebol mundial, que disputam competições nacionais e internacionais pelos clubes, jogando também pelas seleções, com temporadas que podem chegar aos 80 jogos 'nas pernas'.
"Os dados que têm sido apresentados pela FIFPro [Federação Internacional de Associações de Futebolistas Profissionais] demonstram um crescimento galopante da sobrecarga competitiva, que não se reflete apenas no número de jogos por época. É toda a envolvência que faz com que os jogadores tenham, além de um risco acrescido de lesão, uma quebra de rendimento inevitável, com consequências negativas para as suas carreiras", alerta.
Evangelista assemelha a pressão à de um "rolo compressor que se gera", entre viagens constantes e jogos com poucos dias de recuperação, muita vezes com pouco mais do que as 72 horas mínimas para a recuperação.
"Os jogadores chegaram ao limite, e hoje reconhecem que, com este ritmo, ao não conseguirem exibir-se ao máximo potencial das suas capacidades, poderão ver encurtada uma carreira ao mais alto nível", critica.
O tempo com as famílias, uma quantidade legal de dias de férias, a recuperação física e mental e o "tempo de qualidade", são fatores vistos como fundamentais de salvaguardar.
"Costumo dizer que os jogadores não são 'cavalos de corrida', e pode ter a certeza de que se estivéssemos a falar de corridas de cavalos seria impossível ter um calendário destes. Atingimos um patamar absurdo", lamenta.
Para o líder do SJPF, a sobreposição de competições, entre clubes e seleções, nacionais e internacionais, "empobrece o espetáculo", e o descontentamento crescente encontrou no Mundial de clubes alargado, no verão de 2025 e com Benfica e FC Porto qualificados, a "gota de água".
"[Reflete] uma postura autoritária [da FIFA], e sem qualquer preocupação em envolver a FIFPro, enquanto entidade representativa dos jogadores a nível mundial. Nesta conjuntura, não restou alternativa que não desafiar esta atitude da FIFA junto da Comissão Europeia, pela total ausência de concertação social relativamente às condições de trabalho, saúde e bem-estar dos jogadores", afirma.
Além da queixa junto da Comissão Europeia, a FIFPro lançou um recente relatório que ilustra a situação a que o futebol, quanto aos seus intérpretes de elite, está a chegar, com os próprios jogadores a posicionarem-se cada vez mais sobre o assunto, incluindo as 'estrelas' do Manchester City, e da seleção portuguesa, Rúben Dias e Bernardo Silva.
"Estou esperançoso na voz desta geração de jogadores para promover algumas mudanças. Quer o Bernardo quer o Rúben falaram publicamente com muita clarividência, nada do que disseram pode chocar quem quer que seja", apoia.
Se uma greve geral pode ser complicada devido às diferentes leis laborais nos vários países, admite, "uma atitude de força que demonstre o boicote a determinados calendários" pode muito bem vir a estar em cima da mesa, avisa, sobretudo "se jogadores, treinadores e clubes estiverem alinhados".
Lembrando as garantias dos trabalhadores a nível de saúde, bem estar e carga laboral, incluindo horas de trabalho, Joaquim Evangelista alerta que para as poucas equipas em Portugal em que a questão se coloca (no caso, as que participam em competições europeias) juntam-se "dezenas de jogadores portugueses espalhados pelas principais ligas".
"Acredito que o Governo, assim como os seus congéneres europeus, têm um dever de fiscalizar e garantir o cumprimento dos tratados que ratificam, mas também promover a concertação social no setor do futebol profissional, que já existiu e hoje é verdadeiramente inexistente", apela.
O dirigente sindical considera mesmo que se corre "o risco de ver jovens talentos sucumbir", afetados na saúde física ou mental, "face a toda esta pressão competitiva".
Os efeitos de um estado muito frequente de competição, com a tensão e ansiedade associadas, além da pressão muscular, são "tremendos, a curto ou médio prazo", e essa rotina "não é sustentável", com consequências pessoais e familiares destrutivas".
O SJPF, de resto, tem assistido a "cada vez mais jogadores que solicitam apoio psicológico, por motivos diretamente relacionados com a pressão competitiva ou quebra de performance", mas também "afetados por adições ou em processo de divórcio".
O paradoxo de "apregoar que os jogadores devem investir na formação e promover um plano de transição de carreira" e depois dizer "que é normal e saudável jogar 80 jogos por época e não conseguir sequer gozar o período legal de férias" é também criticado, com um apelo familiar mas ainda hoje preciso, considera.
"Os jogadores não são máquinas, por muito que sejam capazes de feitos extraordinários. (...) Estamos a formatar os jogadores para o modo de sobrevivência", remata.