Guga e as lesões no Benfica: "Faziam-me sentir que eu não era igual"

Nesta segunda parte da entrevista exclusiva concedida ao Desporto ao Minuto, Guga Rodrigues passa em revista os 11 anos que esteve ligado à formação do Benfica, onde chegou apenas com 12 anos vindo de Vila Real de Santo António. Os anos de serviço ligados aos encarnados ficam marcados por um período negativo com três lesões seguidas, todas elas graves, que impediram o derradeiro salto para a equipa principal.

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© Octavio Passos / Global Imagens

Rodrigo Querido
09/12/2024 07:09 ‧ 09/12/2024 por Rodrigo Querido

Desporto

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Guga Rodrigues embarcou numa nova aventura internacional na sua carreira de futebolista e mudou-se para o futebol chinês em março deste ano depois de largas épocas positivas em Portugal. Para trás ficaram ligações a Rio Ave, Famalicão e Benfica como profissional. E foi sobre esta ligação aos encarnados que o médio abriu o coração.

 

Em entrevista exclusiva concedida ao Desporto ao Minuto, o jogador, agora com 27 anos, passou em revista os 11 anos que esteve ligado à formação do clube da Luz, onde chegou apenas com 12 anos vindo de Vila Real de Santo António, no Algarve.

O médio, que foi companheiro de equipa nas águias de nomes como Rúben Dias, Renato Sanches, Ferro e Diogo Gonçalves, era visto como uma das maiores promessas da formação encarnada. No entanto, três lesões seguidas, todas elas graves, travaram o que era o percurso ascendente até à estreia na equipa principal.

Ida para o Benfica com 12 anos? Acabou por ser fácil porque, como a nossa geração era tão grande, conseguimos apoiar-nos uns aos outros.

Recuemos ao início da carreira. É natural de Vila Real de Santo António, no Algarve. Foi lá que começou a carreira, com a camisola do Lusitano. Com 12 anos vem para Lisboa. Foi fácil essa mudança?

Costumo dizer a toda a gente, em jeito de brincadeira, que foi fácil porque nós éramos tantos da nossa geração e tínhamos sempre tantas coisas para fazer no dia-a-dia, como a escola, depois os treinos, as nossas brincadeiras, que eu quase não tinha tempo para me lembrar das saudades. Mas claro que fez falta, principalmente nos primeiros anos que eu estive cá. A nível escolar, o Benfica dá todo o acompanhamento que é possível no centro de estágio, mas é diferente ter um pai ou uma mãe ao fim do dia a dizer para fazer as coisas. Mesmo estando longe, mantivemos o contacto todos os dias e sempre houve uma preocupação para estarmos juntos ao fim de semana. Mas acho que acabou por ser fácil porque, como a nossa geração era tão grande, conseguimos apoiar-nos uns aos outros.

Foram 11 anos na formação do Benfica. Não devem faltar histórias boas para nos contar. Há alguma que queira revelar?

Há várias histórias porque miúdos de 12/13 anos e quase todos juntos a viver num quarto... O que nós vivemos de rebeldia não foi nas ruas como outros miúdos viveram, mas sim dentro de um centro de estágio, onde tínhamos colegas mais velhos, colegas mais novos e tínhamos de nos habituar uns aos outros. Mas lembro-me de um caso, que até é público. Estava quase a chegar à altura do Natal e já estava toda a gente de férias, menos a minha geração porque estávamos a ter uns torneios. O jantar nesse dia não foi do nosso agrado e nós, com fome e naquela rebeldia de fazer alguma coisa, decidimos ir assaltar a cozinha do centro de estágios. Metemos cachecóis e capuzes a fazer de conta que estávamos encapuçados e fomos lá uma primeira vez.

Conseguimos tirar cereais e uns sumos. Voltámos para os quartos e como não estávamos satisfeitos, quisemos ir uma segunda vez. É nessa segunda vez que somos apanhados pelos seguranças que estavam a fazer a ronda. Na altura o Benfica pôs-nos de castigo a preencher folhas a dizer que não voltávamos a assaltar a cozinha. Na altura foi mau, mas quando crescemos, as pessoas hoje em dia riem-se porque éramos miúdos de 13 anos, inocentes, a fazer uma brincadeira.

Notícias ao Minuto Guga Rodrigues chegou ao Benfica em 2008© Álvaro Isidoro / Global Imagens  

De todos os colegas que teve no Seixal, quais mais o impressionaram pela qualidade?

É difícil dizer isso... Falamos entre nós e chegamos à conclusão de que, a nível de quantidade e qualidade, nunca houve uma geração tão boa no Benfica. Se não me engano, éramos 10 jogadores que iam à seleção e a serem titulares. Mas claro que havia jogadores que já se via que poderiam ter uma carreira como estão a ter agora e outros que acabaram por não ter, se calhar, uma carreira tão, digamos, famosa e internacional. O Rúben Dias sempre se destacou pela liderança que tinha, o Renato Sanches pela irreverência, o João Carvalho também sempre teve muita qualidade, o Diogo Gonçalves, o Yuri Ribeiro... Mesmo o Pedro Amaral, que acabou por ser, entre aspas, uma segunda opção do Yuri, conseguiu fazer uma carreira profissional que não é fácil, sendo que nem sempre foi titular habitual na formação do Benfica.

Pedro Rodrigues também tinha muita qualidade, o Ferro... O Buta se calhar a nível nacional não foi tão valorizado, mas depois acabou por ir para fora e conseguiu chegar a um contexto de Frankfurt, que é muito bom. Fico contente por ver os meus colegas de geração conseguiram todos fazer uma carreira, tanto a nível financeiro como a nível desportivo. Isso é o mais importante.

Renato Sanches? A verdade é que as coisas ultimamente não lhe têm corrido bem

Destacou o nome de Renato Sanches. O que acredita que se tem passado com ele nos últimos anos para estar recorrentemente lesionado?

Não sei. Do que eu conheço do Renato... Eu sou suspeito, porque sou grande fã das capacidades que ele tem como jogador. Sempre me deu um prazer enorme jogar com ele. Quando ele faz aquela época no Benfica e vai para o Bayern Munique já era um jogador acima da média. A verdade é que as coisas ultimamente não lhe têm corrido bem. O próprio Renato deve saber por que é razão as coisas não lhe estão a correr bem. Às vezes são coisas que também não dependem de nós. Nas lesões muitas vezes nós estamos a fazer tudo direito e elas aparecem. São fases. Eu também já passei por isso. O que eu espero, e do que eu conheço o Renato, é que ele consiga manter a motivação sempre, e todos os dias, de querer recuperar e de querer conseguir relançar a carreira e voltar a ser aquele Renato que nós todos conhecemos e que toda a gente espera.

Essa aproximação ao futebol profissional trouxe também ela alguns problemas com as lesões. A primeira foi depois do Euro sub-19 em 2016...

No momento foi bastante difícil e até me perguntei a mim mesmo porque é que aquilo aconteceu. Estava numa altura em que poderia estar a fazer a transição para a equipa principal do Benfica com o míster Rui Vitória. Tive aquela lesão com 18 anos e na primeira época a nível sénior. Caiu um bocadinho como um choque, porque naquela altura ninguém pensa em ter lesões graves. Nunca tinha tido uma lesão grave, foi a primeira. Sempre encarei isso como algo para eu melhorar em outros aspectos. As pessoas que estavam lá comigo a fazer recuperação sabem que sempre fui o primeiro a querer recuperar, a querer trabalhar mais e a querer treinar mais.

Depois de recuperar da primeira lesão veio uma segunda. E perdi muito tempo dessa parte da minha carreira a recuperar duas lesões. Depois veio uma terceira. O que mais me orgulha é que em nenhum momento quis desistir ou senti-me mais fraco. Ao dia de hoje digo que o ponto mais importante da minha carreira foi não ter desistido e conseguir, outra vez, voltar ao nível que estava antes da lesão, que é muito complicado.

Notícias ao Minuto Depois das três lesões, Guga recuperou a forma nos sub-23 encarnados© Álvaro Isidoro / Global Imagens  

Regressa ao relvado no final dessa época e depois há nova lesão no joelho. Pelo meio um pé partido. Nunca pensou em desistir do futebol depois de dois anos sempre lesionado?

Não. Já agradeci várias vezes em público e volto a agradecer ao Benfica. Encontrei pessoas que me apoiaram sempre do primeiro até o último minuto. Ainda hoje mantenho contacto com essas pessoas, que me perguntam como estou ou que projetos de carreira tenho. O Benfica foi muito importante nessa altura, tanto a nível psicológico, físico, de nutrição, tudo. O Benfica ajudou-me bastante nessa altura.

E as pessoas no Benfica tiveram algum tratamento diferente com o Guga por causa dessa onda de três lesões seguidas?

A certa altura, quando regressei das lesões, até percebia esse cuidado e essa preocupação. Um jogador de 21 anos, vindo de três lesões graves... Hoje em dia o que eu percebo é que as pessoas me queriam proteger, mas ao mesmo tempo acabavam por, entre aspas, me prejudicar. Faziam-me sentir que eu, se calhar, não era um jogador igual aos outros. Vinha com a expectativa muito alta de, e também por culpa minha, querer jogar logo a um nível alto para depois conseguir outra vez ir para uma equipa principal. Quando volto, eu próprio não estava em condições físicas e com confiança para agarrar o meu lugar numa equipa B.

Quando vou aos sub-23 - na altura até fiquei um pouco chateado porque queria jogar na equipa B - foi muito importante para mim porque consegui estar num nível mais baixo, a ganhar ritmo de jogo e confiança, que depois me permitiu ser emprestado para a Grécia. Sentia era que as pessoas queriam todas ajudar-me e havia essa preocupação, que se calhar eu passava essa preocupação para mim e eu não conseguia atingir o meu máximo rendimento, porque estava sempre a lembrar-me das lesões.

Grécia? Encontrei um contexto em que ninguém me conhecia e ninguém sabia dos problemas que tinha tido 

Fica triste por não se ter estreado pela equipa principal já depois de recuperar das lesões?

No momento, o que mais me atrapalhava a nível mental e o que me custava mais na minha recuperação era ver os meus colegas irem para a equipa principal e as coisas correrem bem. Mesmo colegas de gerações anteriores a subirem para a equipa principal e eu ainda a recuperar da minha lesão. Tive de saber gerir isso tudo muito bem. Na minha cabeça pensava que havia espaço para todos. Tinha de me focar em recuperar da minha lesão e depois sim, quando estivesse apto, ver se conseguia ter essa oportunidade.

As pessoas de Benfica foram muito sinceras comigo. Por volta de novembro/dezembro disseram-me que o melhor era procurar um contexto, de I ou II Liga, em que conseguisse subir de patamar. Encontrou-se essa oportunidade na Grécia, que era uma primeira Liga e acabei por ir com o Pedro Amaral. Foi muito importante essa minha saída em janeiro. Estive seis meses nos sub-23 a ganhar ritmo e depois sigo para a primeira Liga da Grécia. Saí dos holofotes do centro de estágios, do Seixal, de Portugal e quase me esqueci do que tinha passado. Encontrei um contexto em que ninguém me conhecia e ninguém sabia dos problemas que eu tinha tido. Sentia-me igual aos outros.

Era tido com uma das grandes promessas da geração de 1997 do Benfica. Essa saída do Seixal foi fundamental para chegar ao patamar em que se encontra hoje em dia?

Acabou por ser muito importante. Como todos dizemos, temos de dar dois ou três passos atrás. Aquilo não foi um passo atrás, foi um passo ao lado. Saí dos holofotes de Portugal, do Seixal, do Benfica. Encontrei um contexto em que tinha de competir por um lugar com jogadores mais velhos e mais experientes. Isso também me fez crescer. Essa mesma saída permite-me, depois, entrar numa I Liga, no Famalicão, onde também tive uma grande oportunidade para continuar a evoluir.

Seguem-se depois o Famalicão e o Rio Ave. Não voltou a ter problemas com lesões?

Felizmente, depois desse momento menos bom na minha carreira, não tenho tido lesões. Também mantenho sempre o meu plano de treino e os meus cuidados. Quando temos este tipo de lesões, é preciso fazer um tipo de prevenção diferente dos colegas. E eu sinto muito orgulho de ter conseguido manter esse tipo de trabalho e depois voltar a ter o nível que tive antes das lesões, que é muito difícil.

Para voltar a Portugal tinha de superar essas condições que tenho na China e acho isso difícil ao dia de hoje

O contrato na China acaba em 2025. Se surgisse a oportunidade de voltar a Portugal agora em janeiro ou mesmo no verão do próximo ano, como analisaria a oferta?

Ao dia de hoje acho difícil. Estou muito contente no Beijing e a minha família também gosta de estar lá. Encontrei aquele contexto que estava à procura. Para voltar a Portugal tinha de superar essas condições que tenho na China e, ao dia de hoje, acho isso difícil

Mas o regresso a Portugal é possível no futuro?

Sim, um dia mais tarde gostava de voltar. Quando saímos de Portugal é que damos valor ao nosso país. Claro que senti falta de muitas coisas neste ano que passou. Gosto do futebol português e das equipas em Portugal. Mais tarde quem sabe possa regressar e voltar a fazer golos e assistências como fiz no Rio Ave.

Tem algum plano para a vida fora dos relvados?

Ao dia de hoje já começo a preparar o futuro pós-carreira. Aos 19 anos consegui comprar uma casa no Seixal, ao pé do centro de estágios do Benfica. Criou-me aquele gosto pelo mercado imobiliário. Vendi essa casa e comprei outra que está arrendada neste momento. Comprei outra em Vila do Conde... É um setor em que tenho cada vez mais interesse. Não digo que vou fazer vida só deste tipo de negócio, mas gosto bastante. Também posso vir a ser empresário de jogadores ou ter algo mais ligado ao cargo de diretor desportivo. No futuro posso não me identificar, mas hoje em dia gosto. Até assisto a podcasts e vídeos de diretores cá em Portugal para aprender algo com eles.

Ruben Amorim? Ninguém conseguiria imaginar este sucesso tão repentino e isso é mérito total dele

E nada relacionado com a carreira de treinador ou integrar uma equipa técnica?

Quem sabe integrar uma equipa técnica, depende do convite da pessoa. Não digo que não porque não sabemos o dia de amanhã. Ser treinador de equipa principal... Gosto muito do jogo e de aprender, mas a profissão de treinador é bastante desgastante. Depois de uma carreira como a nossa, que desgasta física e mentalmente, não sei se estaria preparado para esse cargo. Um dia mais tarde não sei.

Por falarmos de jogadores que se tornam treinadores de futebol depois do fim de carreira, como avalia a carreira de Ruben Amorim até agora com quem até se cruzou no Seixal?

Acaba por ser surpresa o sucesso que tem num espaço tão curto de tempo. Tem uma passagem curta no Casa Pia, depois vai para o Sporting de Braga, onde tem muito sucesso, e é contratado por 10 milhões de euros pelo Sporting. Acaba por ser campeão no primeiro ano e também ninguém estava à espera. Tem a história que tem no Sporting e vai para o Manchester United. A carreira dele tem sido muito rápida e tem tido muito sucesso. Se perguntassem há sete anos se alguém imaginava esta ascensão, ninguém imaginaria. As pessoas que trabalharam com o Ruben de perto, talvez achavam que ele poderia ter uma carreira interessante como treinador, mas ninguém conseguiria imaginar este sucesso tão repentino. Isso é mérito total do Ruben. É um treinador que consegue controlar todos os momentos do jogo e que está preparado para o contexto em que está.

E não se importava de ser treinado por ele um dia?

Gostava, claro. É um treinador que tem conseguido tirar bastante potencial de todos os jogadores que tem encontrado. Num passado recente, o Sporting fez uma captação interessante a nível interno de jogadores que se estavam a destacar no Rio Ave, Famalicão e Vitória SC. O Ruben conseguiu valorizá-los bastante. É um treinador competente.

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