"Clubes tiveram demasiada influência na arbitragem ao longo destes anos"

Em entrevista exclusiva ao Desporto ao Minuto, o antigo árbitro português analisou aquilo que tem sido a recente 'onda' de críticas às arbitragens no campeonato nacional, garantido que os juízes estão mais do que habituados a este tipo de pressão. Pediu ainda a criação de uma organização independente para gerir a arbitragem nacional, à semelhança do que acontece em Inglaterra.

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Rodrigo Querido
19/03/2025 07:31 ‧ ontem por Rodrigo Querido

Desporto

Exclusivo

A arbitragem em Portugal tem estado em ponto de mira nas últimas semanas. Com a I Liga a entrar na reta final e numa altura em que Sporting, Benfica e FC Porto lutam taco a taco pelos primeiros lugares, as críticas ao trabalho dos árbitros têm sido muitas.

 

Perante este cenário, o Desporto ao Minuto decidiu ir ao cerne da questão e tentar entender se a qualidade das arbitragens tem estado abaixo do esperado nos últimos jogos ou se, de facto, os árbitros têm tomado decisões mais justas e o que se tem assistido é a um tipo de pressão por parte dos clubes.

Em entrevista concedida ao Desporto ao Minuto, Marco Ferreira, antigo árbitro português de primeira categoria, analisou aquilo que tem sido a recente onda de críticas às arbitragens no campeonato nacional, garantido que os juízes estão mais do que habituados a este tipo de pressão.

O juiz madeirense pediu anda a criação de uma organização independente, tal como já foi sugerido por Pedro Proença, novo presidente da Federação Portuguesa de Futebol, para gerir a arbitragem nacional, sem esta estar presa a organismos futebolísticos, à semelhança do que acontece, por exemplo, em Inglaterra.

"Não é exclusivo desta época este tipo de comportamento dos clubes [de críticas às equipas de arbitragem]. No início da temporada, e como estava um pouco desequilibrado na tabela classificativa, não fazia sentido os clubes entrarem por este caminho com as newsletters, dado que em campo não demonstravam que tinham a qualidade suficiente para alcançar os seus objetivos. A partir do momento em que o campeonato começou a ficar mais equilibrado, principalmente nos dois primeiros lugares, é normal que os clubes voltem às suas estratégias a nível de comunicação. É uma forma de, de segunda a sexta-feira, começar a ganhar o jogo que culminará no fim de semana", afirmou Marco Ferreira.

Notícias ao Minuto O antigo árbitro Marco Ferreira© Getty Images  

"Temos de ser realistas e dizer que não se falava tanto de arbitragem no início do campeonato. Os erros que iam acontecendo acabavam por se tornar normais à vista dos clubes. Agora, e com este equilíbrio, os erros, e que sempre vão acontecer, estão a ser evidenciados de outra forma. Mas temos de ter em atenção que nem todos os casos que os clubes ou comentadores afetos aos clubes apontam como erros são efetivamente erros. Muitas das vezes existem decisões que são bem tomadas pela equipa de arbitragem, mas os clubes ou os comentadores entendem que não foi bem assinalado um penálti ou um cartão vermelho. Depois durante a semana criam um caos onde não existe. Há que haver um equilíbrio e perceber que os erros existem e vão continuar a existir", vincou o madeirense, apontado, de certa forma, o dedo aos clubes por alguns dos recentes erros de arbitragem.

"É um engano quando as pessoas acham que a implementação do VAR iria eliminar totalmente os erros. Isso é humanamente impossível, dado que o fator humano vai estar sempre presente nas decisões. O fator tecnológico, que são as imagens, é muito redutor. É verdade que os clubes utilizam as suas estratégias de comunicação ao longo da semana, juntamente com os comentadores nos programas desportivos na televisão e na imprensa, como forma de pressionar os árbitros, formando uma narrativa para favorecer os seus interesses. Se cada clube fizer isso, estamos uma semana inundados de informação e contra-informação de erros que não são erros. A arbitragem não está imune, os erros acontecem e devem ser evitados. Depois desta pressão que tem vindo a existir sobre os árbitros, têm existido algumas decisões que não têm sido corretas e algumas com influência direta em resultados. Mas no fim da época isso não vai sair muito do que tem sido em outras temporadas. São situações normais", assinalou ainda o ex-árbitro.

Notícias ao Minuto Marco Ferreira é atual analista de arbitragem© Global Imagens  

Marco Ferreira recusou ainda a ideia de que entrevistas como a de Frederico Varandas, que é presidente do Sporting, e na qual o líder leonino criticou algumas arbitragens, caiam como uma forma de pressão sobre as equipas de arbitragem.

"Por experiência própria, não pesa muito aos árbitros aquilo que os presidentes ou os clubes que pretendem falar sobre a arbitragem. Até porque não têm qualquer credibilidade, dado que também não vêm falar e não apontam o nome do árbitro que os beneficiou. Só falam do nome do árbitro quando se sentem prejudicados. E realço o 'sentem' porque muitas das vezes não são prejudicados e as decisões são bem tomadas. Desde que o clube se sinta prejudicado, já é um motivo para criar alguma narrativa que possa vir a pressionar para futuros jogos. Quando existe uma decisão num jogo que pode gerar algumas dúvidas, todos vão associar uma relação causa-efeito. Ou seja, o clube falou e na semana seguinte acaba por ser beneficiado. Mas muitas das vezes é uma simples decisão de um árbitro, independentemente se foi ou não o árbitro focado, que ou acertou e os clubes entendem que está errado, ou mesmo falhou, e, por coincidência, acaba por beneficiar o clube que durante a semana o seu presidente veio falar", ressalvou o juiz madeirense.

"Na minha opinião, não há uma causa-efeito. Acho que toda a gente parte do princípio que os árbitros quando erram não têm a intenção de errar, de prejudicar A ou B, ou criar o benefício, ou tentar fazer com que uma equipa seja campeã, prejudicando outras. Isso não existe. As pessoas têm de ter noção que os árbitros estão numa função em que dizem que são profissionais. Mas não são profissionais, não têm contratos de trabalho e os desempenhos deles são analisados ao pormenor. O futuro deles depende dos seus desempenhos e não depende de qualquer clube. Um árbitro que que entre dentro do terreno de jogo não vai com a intenção de errar, porque sabe que se errar, vai prejudicar-se a si próprio. Está a ser avaliado e tem consequências futuras. E eu falo por mim próprio. Num ano fiquei em segundo lugar e no ano seguinte fiquei em último. Assim é a carreira de um árbitro. Todos estão sujeitos a isso. As pessoas devem entender que os árbitros quando erram, erram porque são humanos, como os jogadores erram, como os treinadores erram", atirou.

"Muitas vezes os clubes utilizam esta parte mais fraca, que é a arbitragem e que não tem defesa nem adeptos, para desviar o foco dos problemas internos que existem nos próprios clubes. Com isso vão fazendo com que os seus adeptos e sócios se foquem em algo que, para eles, é mais importante e não se focam nos problemas internos. Isso muitas vezes também acontece. Os árbitros são sempre os visados aqui, mas acho que os árbitros são os que estão melhor preparados mentalmente para este tipo de situações. Sempre foi esse destino dos árbitros. Quando optaram pela a arbitragem, sabiam muito bem que iria ser assim, que estavam sujeitos a pressões, e, por isso, é que só os melhores é que chegam ao futebol professional", analisou Marco Ferreira.

Notícias ao Minuto Marco Ferreira deixou a arbitragem em 2015. Foi profissional durante nove anos© Global Imagens  

Questionado sobre se as arbitragens têm decrescido de qualidade nas últimas semanas, o antigo árbitro ressalva que esta é uma situação que se tem repetido em épocas anteriores.

"O que acontece é que, quando o campeonato fica mais equilibrado e quando os clubes têm esta estratégia de comunicação, é normal que o foco da maior das pessoas que gostam do futebol vai estar no assunto em vigor, no que é destacado pelos clubes que eles seguem. Quando a arbitragem é o destaque, normalmente fala-se mais de arbitragem. Vamos analisar todos os pormenores, vamos buscar estes lances comparando com lances do século passado, e falam de critérios diferentes quando todas as pessoas são diferentes, todos os árbitros são diferentes. A lei é igual, é como um juiz no tribunal. Há dois juízes que podem emitir sentenças com interpretações diferentes, cada um tem a sua maneira de ver as coisas. Há árbitros que já foram jogadores de futebol, há árbitros que se calhar não foram jogadores de futebol, há treinadores que já foram jogadores de futebol, há treinadores que não foram. Tudo isto tem interferência na forma como se vê o futebol e como se vive o futebol, como se gere os jogadores dentro do final do jogo. Cada árbitro é uma pessoa diferente, têm personalidades diferentes, experiências diferentes. O critério aqui, muitas das vezes, comparando com outros lances, não faz muito sentido", reafirmou Marco Ferreira, que destacou a pressão que os árbitros sentem para tomar decisões.

"É verdade que quando existem erros com influência no resultado, em que há a tecnologia do VAR, que tem todas as condições para decidir bem e não decide, é muito mais difícil convencer todos que aquela decisão foi por incompetência. Se calhar vai dar azo a que as pessoas digam que se tem todas as condições é porque quis. Muitas das vezes isso não acontece, é a pressão do momento, é a forma como o árbitro olha para a situação, qual é o seu critério, pode ser diferente do critério do árbitro em campo e tudo isto tem influência. Mas o que é preciso é decidir ali naquele momento, em centésimos de segundos ou em segundos se o VAR intervir. A pressão existe é neste sentido, não a pressão exterior dos clubes. Isso em nada influência o desempenho dos árbitros dentro do jogo. Estão mais do que preparados para isso, estão habituados a ambientes com estados cheios", referiu, apontado a presença de árbitros portugueses nas competições europeias.

"É verdade que se fala na decadência das arbitragens nesta fase, mas nas competições europeias neste momento só existem equipas de arbitragem a representar o futebol português. O João Pinheiro tem sido muitas vezes nomeado. Muitas vezes é criticado a nível interno, mas continua a ser o único, neste momento, representante nas provas europeias. Infelizmente, a Federação, que tutela a arbitragem, e o país não têm o poder suficiente e a força suficiente para interceder junto da UEFA quando existem fases finais de Campeonatos do Mundo e da Europa. Isso não é culpa dos árbitros portugueses, é culpa da força e da pouca influência que Portugal e a Federação Portuguesa de Futebol têm a nível internacional comparando com outros países europeus. Os árbitros portugueses têm sido muito requisitados e este ano o João Pinheiro tem sido um exemplo disso", referiu.

Notícias ao Minuto João Pinheiro é árbitro FIFA© Global Imagens/Gonçalo Delgado  

Marco Ferreira destacou ainda a importância da criação de uma organização independente para gerir a arbitragem nacional, tal como acontece, por exemplo, em Inglaterra.

"O que é verdade é que o nosso peso na UEFA não é muito.. O Pedro Proença, agora presidente da FPF, foi considerado o melhor árbitro do mundo, tem uma presença assídua na UEFA e uma capacidade de influenciar para que as coisas possam mudar a nível da UEFA, algo que não aconteceu com o último presidente que tivemos e com o atual presidente do Conselho de Arbitragem. Não foram árbitros de topo, não estiveram nesses patamares, não tiveram esses conhecimentos, esses relacionamentos. Fica difícil fazer esse trabalho. Agora, com o Pedro Proença é diferente. Essa solução que foi apresentada, já no meu tempo era falada como a única solução. Acho que este é o último passo que o setor de arbitragem e a Federação podem fazer para que a mentalidade possa mudar. É uma forma de mostrar às pessoas que somos independentes, somos autónomos. Nesse momento, ninguém nos poderá pressionar porquê? Porque não estamos na Federação Portuguesa de Futebol, não estamos na Liga de Portugal como já tivemos. Não são os clubes que aprovam os nossos regulamentos. É que se faz em Inglaterra. Não é por acaso que falamos que o futebol inglês é o mais atrativo e há muitos anos que a gestão de arbitragem é feita dessa forma. Acho que toda a gente reconhece que é uma gestão que tem trazido sucessos", reconheceu Marco Ferreira, vaticinando os desafios para o futuro caso se opte por esta gestão independente de arbitragem.

"Agora, para implementar em Portugal, não depende só da vontade da Federação Portuguesa de Futebol. É preciso a alteração à Lei de Bases do Desporto, é preciso a Assembleia da República se pronunciar. É um trabalho que tem de ser feito. Penso e tenho confiança que, pelo menos nos dois primeiros mandatos de Pedro Proença, ou mesmo neste primeiro mandato, que isto poderá avançar rapidamente. Acho que é do interesse de todos e aqui os clubes não têm de ter palavra a dizer. Acho que já tiveram demasiada influência na gestão de arbitragem ao longo destes anos todos. É a altura certa para que a arbitragem seja autónoma em todos os sentidos e que tenha uma gestão própria e com recursos humanos próprios. Só assim podemos ser responsabilizados a 100% e aí teremos que responder perante as incompetências que começarão a existir no futuro", finalizou.

Leia Também: Já há árbitro para o Dinamarca-Portugal

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