"Creio que a despedida de Mario Draghi será tranquila, pautada por um agradecimento e homenagem prestados pelo Banco Central Europeu (BCE) pela dedicação e persistência da sua ação na defesa da coesão e sustentabilidade do projeto da zona euro", afirmou à Lusa Clara Raposo, professora e presidente do ISEG.
"O mandato de oito anos de Mário Draghi termina em 31 de outubro, no mesmo dia do 'Brexit' [saída do Reino Unido da União Europeia]. Espero que a transmissão de mandato a Christine Lagarde aconteça de forma suave", comentou Francesco Franco, professor da Nova School of Business and Economics (Nova SBE).
Questionados sobre se serão anunciadas novas medidas na reunião de política monetária de 24 de outubro, a última de Mario Draghi como presidente do BCE, os economistas ouvidos pela Lusa consideram que, à partida, não haverá novidades.
"Penso que não. Até porque há um certo sentimento, entre os observadores independentes, de que as decisões da reunião anterior terão sido extemporâneas", referiu João Borges Assunção, professor da Universidade Católica.
Clara Raposo também duvida de que Draghi anuncie novas medidas no dia 24 de outubro, "deixando espaço para a sua sucessora", "a não ser que aconteça de repente algo verdadeiramente inesperado nos próximos dias que exija uma especial intervenção por parte do BCE".
"Não creio que sejam anunciadas novas medidas", respondeu, no mesmo sentido, Rui Bernardes Serra, economista-chefe do Montepio.
No final da reunião de política monetária de 12 de setembro, o BCE desceu, como esperado, a taxa dos depósitos bancários para -0,50%, menos uma décima do que a anterior, e anunciou um novo programa de compra de dívida pública.
A nova descida da taxa dos depósitos visa incentivar os bancos a injetarem mais dinheiro na economia, através de empréstimos às empresas e famílias, em vez de acumularem reservas.
Sobre se Mario Draghi podia ter anunciado 'maior poder de fogo', em setembro, os economistas consideram que o pacote de ação anunciado foi na dose certa.
"Achamos que as medidas foram suficientes. Se pecou, foi por excesso", respondeu Rui Bernardes Serra.
Segundo Francesco Franco, "um aspeto do mandato de Draghi que parece muito robusto é que o nível de medidas adotadas sempre foi calibrado com previsões disponíveis".
O docente da Nova SBE frisou que "as críticas crescentes", sobretudo dos membros alemães do conselho do BCE em relação às taxas de juros muito baixas "são erroneamente direcionadas ao BCE, cujo mandato de política monetária não é definir a sua política levando em consideração a carteira de poupança das famílias alemãs".
Segundo Clara Raposo, "a mais recente intervenção de Mario Draghi teve já em conta a sua perspetiva de saída no muito curto prazo e a consciência de que virá um novo ciclo".
"Creio que teria sido deselegante na fase final do mandato, quando já tem sucessora nomeada, assumir maior protagonismo. Os seus 'apelos' hoje também não terão o mesmo poder de influência", acrescentou a professora do ISEG .
Questionados sobre se, na sua despedida, Mario Draghi voltará a lançar um repto aos governos, no sentido de que falta ação política ao nível orçamental na zona euro, João Borges Assunção considerou que "o seu legado ficará mais protegido se evitar esse tipo de referências na última reunião, numa altura em que há outro tipo de prioridades na governação da União Europeia e dos seus principais países".
O professor da Católica recordou que Draghi "falou abundantemente, e com razão, sobre os limites da política monetária e sobre a necessidade de recorrer aos outros pilares da política económica para melhorar o desempenho económico da zona euro".
Já Rui Bernardes Serra admitiu que Draghi pode reiterar esse pedido na sua última reunião como presidente do BCE.
O economista-chefe do Montepio recordou que, no seu comunicado de política monetária da reunião de 12 de setembro, Draghi já referiu que nos países onde a dívida pública é elevada, os governos necessitam de adotar políticas prudentes que criem condições para que os estabilizadores automáticos operem livremente, "o que constitui uma novidade no seu discurso".
"É possível que se dirija aos governos no sentido de os alertar para a necessidade de estarem atentos, dialogarem e consertarem posições caso queiram que o projeto europeu se afirme num mundo cada vez mais competitivo", referiu Clara Raposo.
"Duvido, porém, que faça sugestões concretas. Daqui a uns meses, depois de ter Lagarde já instalada, então sim, voltaremos a ouvir Draghi", antecipou a professora do ISEG.