Numa avaliação à atuação das autoridades europeias perante a crise provocada pela covid-19, o economista reconhece, em entrevista por escrito à agência Lusa, que "o Eurogrupo cumpriu com visível dificuldade uma primeira etapa".
Agora, lembra Miguel Cadilhe, "a segunda etapa da corrida será o prometido fundo de recuperação" e aí diz esperar "uma grande emissão de dívida europeia, exclusiva, com o fim de financiar medidas de compensação, indemnização, defesa e relançamento da economia".
No dia 09 de abril, numa 'maratona' negocial do Eurogrupo, os responsáveis pelas Finanças comunitárias chegaram a acordo sobre um pacote financeiro superior a 500 mil milhões de euros para fazer face à crise provocada pela pandemia da covid-19 que inclui redes de segurança para trabalhadores, empresas e Estados-membros.
Embora tenha sido manifestada nesta maratona negocial vontade política para avançar com um instrumento de recuperação para o 'dia seguinte' à pandemia, faltou consenso para definir o seu conteúdo, com o Eurogrupo a passar a 'bola' aos chefes de Governo e de Estado da União Europeia (UE) que se vão reunir no dia 23.
Assim, o Eurogrupo acordou apenas a criação de um fundo de recuperação, mas pediu aos líderes europeus para decidirem o financiamento mais apropriado, se através da emissão de dívida ou de formas alternativas.
Ora, para Miguel Cadilhe, a própria introdução da expressão 'instrumentos financeiros inovadores', usada pelo Eurogrupo, "ou é meramente enigmática, ou sinaliza uma abertura a hipóteses como a emissão de dívida europeia."
E se na avaliação que faz ao Eurogrupo o antigo ministro das Finanças de Cavaco Silva diz mesmo saudar o "trabalho de Mário Centeno" e desejar que este continue, já em relação à Comissão Europeia há mais dúvidas.
"A presidente alemã [Ursula von der Leyen] começou por se mostrar mais timorata do que decidida, vamos ver como se desembaraça a seguir nas medidas de relançamento económico", diz o economista.
Ainda assim, Miguel Cadilhe diz que a Comissão tem excelentes comissários, como a portuguesa Elisa Ferreira na pasta da Coesão e Reformas, ou a comissária da Concorrência, Margrethe Vestager, sinalizando, por exemplo, a recente decisão de permitir, temporariamente, recapitalizações de empresas gravemente afetadas pela crise.
Nota positiva tem o BCE: "avalio bem, na linha de [Mário] Draghi", diz Cadilhe, recordando o antigo líder da instituição, lugar agora ocupado por Christine Lagarde.
Aliás, o economista cita o artigo publicado por Christine Lagarde em vários jornais europeus no mesmo dia em que se reuniam os ministros das Finanças da União Europeia no qual esta responsável reafirma que o BCE fará tudo para ajudar no relançamento da economia e lembra que a solidariedade é do interesse de cada país.
Miguel Cadilhe lê nesta solidariedade uma "solidariedade ao mesmo tempo política, institucional, financeira e jurídica, traduzida numa grande emissão europeia de obrigações de responsabilidade solidária: todos os países respondem por todos, e por cada um".
O economista diz mesmo que esta ideia de solidariedade convoca a essencialidade das origens e do futuro da UE.
"Uma ideia antiga e controversa que nunca teve momento tão forte e tão justificativo e tão propiciador como este. Uma solidariedade que, agora, é uma prova de fogo, contra a desigualdade ou mesmo impossibilidade em que muitos dos países, por si só, estarão no acesso aos meios para combater as consequências económicas de uma crise cuja causa é comum e inédita", explica o economista.
E nesta ideia de emissão de dívida solidária, Miguel Cadilhe, mesmo admitindo que possa haver outras formulações, sugere que a mesma poderia resultar de "um empréstimo por obrigações, beneficiando de muito baixa taxa de juro e de muito longo prazo de reembolso do capital, incluindo um dilatado tempo de carência".
Estas obrigações, depois de emitidas e colocadas no mercado primário, poderiam ser adquiridas pelo BCE no mercado secundário, "fazendo a sua parte, sem violar regras nem regimes", explica Miguel Cadilhe.
A dívida teria, no entanto, de ser paga e, para isso, Miguel Cadilhe sugere que a emissão deveria ser solidária, por um "grupo ou por um subgrupo dos Estados membros da UE ou da zona euro", sendo que "todos" seria "melhor do que alguns". Depois, nos vencimentos de juros e capital, "cada país pagaria a sua parte, suavemente, muito devagar, durante dezenas de anos".
Miguel Cadilhe diz ainda que deveria ocorrer "um reforço dos procedimentos de vigilância europeia" e se, ainda assim, "um Estado devedor caísse na desonra de falhar, funcionaria o mecanismo da solidariedade, todos os outros pagariam por ele, proporcionalmente, e ficariam dele credores, com adequada moratória".
O economista defende ainda que esta forma de mutualização das dívidas soberanas "não deveria contar para a regra europeia dos 60% da dívida".
Miguel Cadilhe reconhece que "a ideia não agrada a muita gente", mas assegura que "é indiscutível que dificilmente outra solução preenche requisitos de proporcionalidade e efetividade perante a dimensão e o ineditismo do problema que a Europa atravessa".