"Duvido que o programa seja aplicável tal e qual como era, porque o mundo vai mudar muito e tem que haver um ajustamento grande ao projeto, desde logo uma grande simplificação. Mas lembro-me de que, na altura, ele cheirava a certo. Era muito complexo, mas estava certo", afirmou o empresário António Cardoso Pinto em entrevista à agência Lusa.
Em 2013, enquanto presidente da metalomecânica Adira, Cardoso Pinto foi um dos de 21 gestores, académicos e ex-governantes que integraram o Conselho para a Indústria criado para colaborar com o Ministério da Economia no âmbito da Estratégia de Fomento Industrial para o Crescimento e o Emprego 2014-2020.
Lançada por Álvaro Santos Pereira em abril de 2013, esta estratégia acabaria por ser concretizada do ponto de vista legislativo só no final desse ano, já com António Pires de Lima a ocupar o cargo de ministro da Economia.
A questão da reindustrialização da economia voltou a surgir no debate público na sequência da atual crise económica provocada pela pandemia de covid-19 e foi já apontada como opção estratégica pelo Governo.
Numa recente entrevista à agência Lusa, o primeiro-ministro, António Costa, sustentou que com a atual crise "a Europa vai ter seguramente de compreender que vai ter de reforçar muitíssimo a sua base industrial", considerando indispensável que Portugal estivesse "na primeira linha" desse "reforço da capacidade de produção nacional", até porque é dos países onde ainda se sabe "fazer muitas das coisas que a Europa se habituou a deslocalizar para o Oriente."
Na quarta-feira, também o ministro dos Negócios Estrangeiros veio defender que a estratégia de Portugal passa por tornar o país um "poderoso 'cluster' da industrialização na Europa": "Fala-se do têxtil e do vestuário, do calçado, mas também de engenharia, farmacêutica e agroalimentar. Portugal quer ser um fator de industrialização, um 'cluster' industrial poderoso na Europa da reindustrialização", afirmou Augusto Santos Silva numa audição da comissão de Economia, Inovação, Obras Públicas e Habitação.
Convicto de que a estratégia de reforço do perfil industrial do país delineada em 2013 "tinha bons objetivos", o empresário Cardoso Pinto defende que o atual Governo, "em vez de fazer política de terra queimada, pode ver o que é que se aproveita daquilo".
"Acho que já temos demasiadas análises e diagnósticos e que já não é tempo de estratégias de terra queimada, de voltar a estudar tudo de raiz. Há naquele projeto do [ex] ministro Álvaro Santos Pereira muitas verdades incontornáveis que podem ser reutilizadas e, com base nelas, acrescentar os novos aspetos que esta crise sem precedentes vai trazer para um mundo futuro certamente muito diferente, e relativamente ao qual ainda não sabemos tudo", sustenta.
Defendendo que é preciso "atuar e rearrancar depressa", o empresário alerta para o "preço altíssimo" a pagar "se agora se gastar outro ano e meio a desenhar uma nova estratégia": "Vamos continuar a cair enquanto se está a pensar no sexo dos anjos. Optaria antes por arrancar já e fazer o resto do caminho, caminhando".
Para António Cardoso Pinto, um conselho consultivo como aquele que integrou em 2013 "era um bom fórum" que poderia ser reativado, já que "se pode chamar o ministro ao terreno e dar-lhe uma visão real da situação".
"Se eu puder contribuir para isso tenho o maior gosto", garante.
Também membro do Conselho para a Indústria constituído em 2013, o fundador da empresa de ferramentas de corte Frezite recorda que Santos Pereira e o seu sucessor, Pires de Lima, "trabalharam num excelente documento sobre a estratégia de desenvolvimento do país, que valorizava cerca de 18 a 20 'clusters' em setores industriais em que Portugal tinha mais-valias, potencial e capacidade para se alavancar muito mais".
"Nesse documento de reestruturação da nossa economia por via da reindustrialização, uma das componentes era a área do ensino técnico-profissional, por via do sistema dual alemão, que é um sistema extremamente válido e ainda hoje é um 'benchmark' para o nosso ensino técnico-profissional", lembra José Manuel Fernandes.
Para o 'chairman' da Frezite, "esse plano estava numa posição muito favorável para a explicitação das táticas, mas entretanto o governo [de Passos Coelho] terminou" e o executivo seguinte, já liderado pelo socialista António Costa, tê-lo-á encarado como "um documento inspirativo, mas não basilar para a sua estratégia".
Outro dos membros do Conselho para a Indústria era Luís Mira Amaral, ex-ministro da Indústria e Energia e na altura presidente executivo do banco BIC Portugal, que recorda que o organismo "chegou a reunir-se", mas "não teve sequência" após a saída de Álvaro Santos Pereira.
"Pires de Lima manteve o mesmo conselho consultivo, mas depois não houve nenhumas ações em termos de industrialização do país. Demos as nossas opiniões, mas o ministro é que tem de tomar decisões e, depois, não houve uma ação clara e coerente de industrialização do país", disse à agência Lusa.
Considerando que "não havia, ainda, vontade do Governo em fazer um programa concreto centrado na reindustrialização do país", o ex-ministro considera que a atual crise gerada pelo novo coronavírus é "uma oportunidade única para o fazer" e diz que faz "todo o sentido voltar a pensar num programa de reindustrialização do país semelhante" ao PEDIP (Programa Específico para o Desenvolvimento da Indústria Portuguesa) que ele próprio promoveu quando esteve no governo, nos anos 90.
Também ouvido pela Lusa, o presidente da Frulact, João Miranda -- outro dos membros do Conselho para a Indústria de Santos Pereira -- garante que "Portugal tem tudo" para se afirmar "nos mais variados setores", mas a indústria simplesmente "não é acarinhada como devia".
"Eu acredito em estratégias de continuidade, não acredito em estratégias reativas. Não podemos olhar para a indústria só quando necessitamos dela, até porque a indústria em Portugal teve um contributo fundamental ao longo das décadas e as exportações foram muito concentradas naquilo que conseguiu fazer e na capacidade de inovar e de internacionalizar de setores como o calçado, têxtil, alimentar ou metalomecânica, que se conseguiram desenvolver de forma extraordinária e projetar Portugal no mundo", afirmou o empresário.
Após vários anos em que o forte contributo do turismo para a recuperação económica do país atirou a indústria para "um lugar mais cinzento da governação", João Miranda diz que esta "continuou e continuará a funcionar por si só, mas a verdade é que seria muito mais interessante se fosse olhada como estratégica para o futuro do país".
"A verdade é que não consigo ver hoje esse entusiasmo nas políticas, no Governo, no ministro da Economia, no primeiro-ministro, não vejo a indústria ser 'sexy' como já alguma vez se disse", lamentou.