Do café à soja, o aumento da procura dentro e fora do Brasil tem levado os preços das matérias-primas a valores recordes no país, onde a agroindústria corresponde a 21,4% do Produto Interno Bruto (PIB).
Segundo dados do Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada (Cepea), instituição de pesquisa associada à Universidade de São Paulo, o comportamento dos mercados de soja, milho, arroz e café chamou atenção especial neste ano, após os preços atingirem recordes seguidos.
O preço da soja, principal produto de exportação do Brasil e que correspondeu a 18,5% do resultado da balança comercial entre janeiro e agosto, subiu 55% nos últimos doze meses em termos nominais, superando nos últimos dias o montante de 137,76 reais (22,19 euros) por 60 quilos.
O presidente da Associação Brasileira da Soja (Abrass), Tiago Fonseca, explicou à Efe que esse aumento está relacionado principalmente com a forte desvalorização da moeda brasileira, o real, que já perdeu cerca de 35% do seu valor face ao dólar no ano e criou um ambiente mais vantajoso às exportações.
"Houve uma valorização significativa do dólar e isso gerou um aumento nas exportações, já que os preços ficaram mais atrativos tanto para o produtor, quanto para o comprador", afirmou Fonseca.
Os preços do arroz e do café também sofreram altas vertiginosas para ampliar as reservas internacionais de alimentos, uma das consequências da crise da pandemia de covid-19.
Segundo o Cepea, os preços do arroz, que estavam nos seus máximos nominais desde o início do ano, atingiram recorde em agosto (73,05 reais ou 11,77 euros a saca de 50 quilos) por ultrapassar o valor máximo registado em 2008 de 71, 59 reais (ou 11,53 euros na cotação atual).
Por sua vez, o setor cafeeiro brasileiro viu o preço do grão arábica - preferência internacional - subir quase 45% nos últimos 12 meses, também em termos nominais.
"Nos últimos três anos tivemos preços do café muito baixos internacionalmente. Mas desde o ano passado começamos a recuperar", disse Nelson Carvalhaes, presidente do Conselho dos Exportadores de Café (Cecafé).
Carvalhaes atribuiu a alta dos preços à recuperação dos preços dos grãos nas bolsas de Nova York e de Londres e à "intensa desvalorização do real" registada neste ano.
Além do aumento da procura, os problemas vividos nos demais países produtores também contribuíram para o bom desempenho do agronegócio brasileiro nos últimos meses, que cresceu 0,4% no segundo trimestre do ano, enquanto o PIB consolidado baixou 9,7%.
O bom desempenho do setor durante a crise económica causada pela pandemia tem sido impulsionado principalmente pelo café e pela soja.
Somente entre janeiro e agosto o Brasil já exportou mais soja do que em todo o ano passado. Foram 75,4 milhões de toneladas embarcadas nos primeiros oito meses de 2020 ante 72,5 milhões de toneladas exportadas em 2019, segundo dados da Associação Nacional dos Exportadores de Cereais (Anec).
O diretor da Anec, Sérgio Mendes, não descarta que o país poderá até bater o recorde de 82,8 milhões de toneladas enviadas para o exterior em 2018.
"Acho que vamos chegar bem perto desse volume. Não sei se haverá tanta soja para quebrar esse recorde, mas estaremos muito perto e podemos alcançá-lo", disse Mendes.
Para a Anec, a demanda da China durante a pandemia impulsionou o mercado internacional de soja e continua a mantê-lo aquecido. E, com cerca de 55 milhões de toneladas compradas, a nação asiática respondeu por 74% do total dos grãos vendidos pelo Brasil até agosto.
A intenção da China de aumentar ainda mais suas reservas para garantir maior segurança alimentar também influenciou a alta dos preços dos cereais nos últimos meses.
"A China é nosso principal parceiro comercial. Ela cresceu muito desde 2005, entendeu a importância desse grão e viu a qualidade da produção brasileira", concluiu o presidente da Associação Brasileira dos Produtores de Soja, Bartolomeu Braz Pereira.
O Brasil é o país lusófono mais afetado pela pandemia e um dos mais atingidos no mundo, ao contabilizar o segundo número de mortos (mais de 4,3 milhões de casos e 132.006 óbitos), depois dos Estados Unidos.
A pandemia de covid-19 já provocou pelo menos 929.391 mortos e mais de 29,3 milhões de casos de infeção em 196 países e territórios, segundo um balanço feito pela agência francesa AFP.