"O fundo serve para acalmar os mercados e dizer 'nós [União Europeia] estamos aqui'", disse Ricardo Cabral em entrevista à Lusa, considerando que "a questão fundamental continua a ser o BCE e a política de monetização do BCE".
Ricardo Cabral lembrou que o fundo de recuperação teve origem num plano "proposto por Angela Merkel [chanceler alemã] e [o presidente francês Emmanuel] Macron numa cimeira franco-alemã, é um fundo que é proposto com 500 mil milhões de euros", e é "basicamente a proposta da Comissão Europeia [ascendeu a 750 mil milhões de euros], embora os montantes de transferências tenham diminuído e os montantes de empréstimos tenham aumentado".
O economista referiu que o fundo inicial foi "proposto pouco tempo depois de se saber que o Tribunal Constitucional alemão tinha dúvidas sobre a legalidade do programa de expansão quantitativa do BCE", que consiste na compra de dívida e outros títulos financeiros dos membros da zona euro.
"Ou seja, os mercados sofreram um choque, as taxas de juro da dívida pública portuguesa, Itália, Espanha, dispararam", considerando o professor do Instituto Superior de Economia e Gestão (ISEG), em Lisboa, que a existência do fundo serve para apaziguar a agitação dos mercados "porque se colocava o risco do programa ser revertido".
Ricardo Cabral considera que "os mercados financeiros estão quase como à espreita, têm a noção perfeita de que temos uma situação, na zona euro, insustentável", salva em momentos definidores como o "faremos tudo o que for necessário para salvar o euro" do ex-presidente do BCE, Mario Draghi, em 2012.
"A única forma de evitar a desintegração do euro é saber que estaremos lá, que o comprador de última instância da dívida dos soberanos, para garantir que os soberanos se conseguem financiar a taxas de juro aceitáveis", é o BCE, segundo o académico.
"Nesse sentido, o fundo é um 'fait-divers', uma distração", disse o economista.
Para o economista, "a decisão do Tribunal Constitucional alemão continua a ter relevância porque o programa de expansão quantitativa tem a espada de Dâmocles por cima e está suspenso temporariamente".
Ricardo Cabral crê ainda que continua a haver "um elemento de política muito grande" na política monetária europeia, dado que o banco central alemão (Bundesbank), na sequência da decisão do tribunal sediado na cidade de Karlsruhe "ganhou poder reforçado no Eurosistema".
"O que é certo é que a própria França - e há ali um pacto muito forte entre a França e a Alemanha - não pode viver sem o programa de expansão quantitativa, a Itália também não, e portanto há ali um jogo político muito forte", concluiu.
O Tribunal Constitucional alemão exigiu em 05 de maio ao Banco Central Europeu (BCE) que no prazo de três meses justificasse a conformidade do seu mandato para as vastas compras de dívida, numa sentença com implicações incertas.
O poderoso banco central alemão seria proibido de participar no programa anti-crise, que ainda ganhou mais amplitude devido à pandemia de covid-19, se o Conselho do BCE falhasse "em demonstrar de maneira compreensiva e substancial" "que não excedeu os tratados europeus", decidiu a jurisdição suprema alemã.
O Tribunal Constitucional alemão pronunciou-se sobre o programa de compra de ativos do BCE implementado a partir de 2015 que seria a base de um dos eixos de combate à pandemia de covid-19, no valor de 750 mil milhões de euros.
No dia 02 de julho, a Câmara Baixa do Parlamento alemão (Bundestag) deu o apoio ao programa de compra de títulos da dívida soberana do Banco Central Europeu (BCE), considerando-o "proporcional e adequado" às metas da instituição.
A resolução aprovada hoje declara que a revisão do programa nos termos pedidos pelo TC está concluída, uma vez que o BCE também procedeu a uma avaliação das necessidades e de o adequar às medidas de política monetária.
O Parlamento alemão salientou que foram considerados os efeitos na política económica do programa de compras de títulos e a respetiva proporcionalidade às metas monetárias a atingir.
"O programa é proporcional e a revisão da proporcionalidade é uma questão do BCE, não no Parlamento, nem do TC. Recebemos os documentos necessários e fomos informados sobre o assunto numa recente reunião com o presidente do Banco Central [alemão], Hens Weidmann", afirmou o deputado social-democrata Christian Petry, na defesa da resolução.