"Do ponto de vista técnico, como aplico o Código do Trabalho diariamente, prefiro que a legislação esteja concentrada no Código do Trabalho, sem dúvida", disse Guilherme Dray em resposta aos deputados numa audição na comissão de trabalho e segurança social sobre o Livro Verde.
Para o coordenador científico do Livro Verde, "em termos de segurança jurídica, de transparência e do ponto de vista de aplicação do direito é mais fácil" que a regulamentação do teletrabalho seja feita no próprio Código.
"Por isso é que houve um caminho para a codificação, em vez de termos legislações avulsas, extravagantes, que vão concretizando. Se não, a dado passo, chegamos à situação que tínhamos antes do Código do Trabalho em que havia dezenas de leis avulsas sobre várias matérias", acrescentou.
A coordenadora científica do Livro Verde, Teresa Coelho Moreira, disse concordar "inteiramente" com a opinião de Guilherme Dray, sublinhando que, "a regulamentar nesta matéria [teletrabalho], deve ser no próprio Código".
Ambos os coordenadores sublinharam que esta é uma opinião pessoal, técnica e não política.
"Do ponto de vista político não me vou pronunciar porque todas as iniciativas legislativas são legítimas de todos os grupos parlamentares", afirmou Guilherme Dray.
Vários partidos apresentaram já no parlamento propostas para regulamentar o teletrabalho, tendo o PS optado por um diploma complementar ao Código do Trabalho em vez de alterações diretas na lei laboral.
Quanto ao direito à desconexão, "se for para legislar, o foco não pode estar nas exceções", defendeu Guilherme Dray, em reposta aos deputados.
"A preocupação que manifestámos [no Livro Verde] foi a de um direito a desligar e não uma preocupação no sentido de legislar para criar exceções ao direito a desligar", realçou o coordenador científico.
Guilherme Dray e Teresa Coelho Moreira foram também questionados pelos deputados sobre a regulação do trabalho em plataformas digitais, já que no Livro Verde defendem que seja criada "uma presunção de laboralidade" para estes trabalhadores.
Segundo o coordenador científico, "há duas grandes formas" de fazer a presunção de laboralidade nestas situações.
"Uma delas é trabalhar nos indícios. Outra forma é fazer como por exemplo fez um Estado dos EUA, que criou um novo teste, o chamado teste ABC, em que há uma inversão do ónus da prova", indicou o professor de Direito da Universidade de Lisboa.
De acordo com este modelo, explicou Guilherme Dray, "compete ao empregador, como base num teste que tem três pressupostos ou três indícios, provar que não há contrato de trabalho".
Trata-se de "uma presunção ao contrário", ou seja, em que se presume a existência de um contrato de trabalho e cabe ao empregador provar o contrário, disse por sua vez Teresa Coelho Moreira, reforçando que há "vários caminhos" e que serão os decisores políticos e não os autores do Livro Verde a decidir.
O Livro Verde sobre o Futuro do Trabalho, que também está a ser discutido na Concertação Social está hoje em audição pública na comissão de trabalho, onde intervêm ainda os parceiros sociais (quatro confederações patronais e as duas centrais sindicais) e o Governo.
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