O banco central dos Estados Unidos (a Reserva Federal, Fed) já deu a indicação de que subirá as taxas de juro e mesmo que, caso a inflação persista mais tempo do que o esperado, as subirá a maior ritmo do que o previsto.
Contudo, deste lado do Atlântico, o BCE tem vindo a considerar que a inflação deverá estabilizar nos 2% a médio prazo e Christine Lagarde, a presidente do BCE, disse em novembro ser "altamente improvável que se deem as condições para aumentar as taxas de juro no próximo ano". Contudo, dentro do BCE, há divisões, com dirigentes que defendem uma política monetária mais restritiva.
"Há um discurso em que não se comprometem muito, mas para já as taxas de juro não irão subir. Há um discurso ambíguo, mas prudente no sentido de não aumentar", afirmou à Lusa Sofia Vale, professora de economia do ISCTE, considerando que o BCE ainda está muito preocupado com a evolução da economia e os efeitos que ainda poderá ter a variante da covid-19 Ómicron.
Para o analista da ActivTrades Ricardo Evangelista a ideia que "prevalece no mercado é de que o BCE vai insistir que a inflação é transitória e que uma medida mais restritiva, como subir taxas de juro, teria impacto na recuperação pós-pandemia".
"Dificilmente acontecerá antes de 2023" a subida das taxas de juro diretoras, prevê.
Segundo o também diretor executivo da ActivTrades Europe, o grande risco é que a inflação da zona euro atinja níveis muito elevados em que se perca o controlo, mas considerou que ainda se "está longe desse momento".
O economista-chefe do Montepio, Rui Serra, também considera que o BCE deverá ser cauteloso já que a subida da inflação na zona euro tem sido mais moderada e a recuperação económica segue mais lenta do que nos Estados Unidos da América.
Assim, prevê, "apenas em 2023 o BCE deverá iniciar as subidas de taxas de juro, antecipando-se, por ora, que faça então mexidas apenas na taxa de depósito, devendo a subida na 'refi rate' [taxa de refinanciamento] ocorrer apenas em 2024". Antes disso, o BCE deverá reduzir gradualmente as compras de ativos.
Contudo, afirma Rui Serra que o atual contexto é de elevada incerteza, pelo que num quadro em que a inflação alta persista (resultante sobretudo do efeito dos salários e de choques da oferta) "as subidas de taxas do BCE poderão ser antecipadas e intensificadas".
"Os riscos de maiores e mais próximas subidas de taxas de juro são também reforçados pela dimensão do balanço do BCE face ao PIB da Zona Euro (mais de 65%), que ultrapassa atualmente o valor observado nos EUA (mais de 35%%), tornando a inflação mais suscetível a subidas na velocidade de circulação da moeda, em particular com a implementação dos Planos de Recuperação e Resiliência" europeus, acrescenta o economista-chefe do Montepio.
Numa posição divergente, João Duque, professor catedrático de gestão e finanças do ISEG, antevê uma subida das taxas de juro diretoras no segundo semestre deste ano, pois há cada vez mais pressão nesse sentido.
"O BCE tem-se recusado a mexer, mas vai mexer. O grupo das águias é cada vez maior e o das pombas cada vez menor", afirmou à Lusa, considerando que aí será importante ver a velocidade da subida.
Os termos águias/falcões e pombas são usados, no contexto do BCE, para designar aqueles que defendem uma política monetária mais acomodatícia e os que preferem uma mais conservadora, respetivamente.
O BCE tem como principal mandato a estabilidade dos preços, considerando-se que tal é importante para a estabilidade económica, social e até política. O BCE estabeleceu em 2021 uma nova estratégia que contempla um objetivo simétrico de inflação de 2% a médio prazo, uma meta mais flexível que admite desvios temporários e moderados.
A eventual subida das taxas de juro diretoras pelo BCE está dependente da inflação e de quanto tempo os preços altos persistirão.
A inflação anual na zona euro atingiu, em novembro, 4,9%, sendo esta a taxa mais elevada desde o início da série, em 1997, segundo o Eurostat. O BCE prevê que os preços aumentem em média 3,2% este ano e 1,8% em 2023 e 2024.
Uma subida das taxas de juro tem como objetivo controlar o aumento dos preços pelo controlo da procura (há atualmente um desfasamento entre procura e oferta). Contudo, a redução do consumo acalma a inflação, mas também tem efeitos na atividade económica e no emprego (podendo aumentar o desemprego) quando a economia europeia ainda recupera da crise da covid-19 e com receios face às variantes do vírus.
A contribuir para a inflação estão, de momento, os custos energéticos e os problemas nas cadeias de abastecimento globais.
Uma subida das taxas de juro tem impacto no crédito, que passa a ser mais elevado, pesando sobre os orçamentos de famílias e empresas.
Tal também inibe o investimento, pois quem tem de pedir dinheiro para investir em muitos casos já não o fará já que a rentabilidade do investimento fica em causa com o preço do dinheiro mais caro.
Além de penalizar o consumo e o investimento privados, aumentos de taxas de juro também penalizam os gastos públicos.
Já para quem é aforrador e tem dinheiro no banco é positivo pois, com taxas de juro mais altas, os bancos pagarão mais pelos depósitos.
Também o aumento das taxas de juro é positivo para a banca, que atualmente tem a margem financeira muito pressionada pelo contexto de baixas taxas de juro e tem ido buscar receitas a outras rubricas, designadamente às comissões.
Leia Também: BCE espera que inflação recue em 2022