FMI deve aprovar hoje acordo com Argentina já desfasado pela guerra
A Diretoria Executiva do Fundo Monetário Internacional (FMI) vota hoje o aval definitivo ao refinanciamento da dívida de 45.000 milhões de dólares com a Argentina num acordo cujas metas ficaram desatualizadas com a guerra, gerando dúvidas nos mercados.
© Reuters
Economia Argentina
A Diretoria Executiva, formada pelos representantes dos principais países acionistas do FMI, ouvirá os detalhes do programa económico fechado em 03 de março, depois de dois anos de negociações, e que permite um horizonte de quatro anos e meio sem vencimentos de dívida.
O programa económico é definido por economistas e agentes do mercado financeiro como 'light', porque não ataca os problemas estruturais da economia argentina. Para a oposição, o programa apenas evita um colapso da economia à espera de um novo Governo, a partir de dezembro de 2023. O FMI, por sua vez, classifica o acordo como "realista, pragmático e credível".
Paradoxalmente, o programa com o FMI também é criticado pelo principal setor da coligação de Governo, expondo uma fratura interna entre o Presidente Alberto Fernández, a favor do acordo, e a sua vice-Presidente, Cristina Kirchner, contrária a qualquer programa com o FMI por representar um ajuste fiscal que atenta contra os planos eleitorais do ano que vem.
Assim, o acordo nasce no meio de uma luta interna de poder e de um contexto internacional complexo, provocado pela alteração na economia mundial como consequência da guerra na Ucrânia, que alterou o preço das 'commodities' agrícolas (grãos e cereais) e energéticas (gás e petróleo).
A questão energética é central no acordo com a Argentina: como parte da redução do défice fiscal, o Governo comprometeu-se a reduzir os fortes subsídios energéticos que mantêm as tarifas de eletricidade e de gás congeladas, apesar da inflação acumulada de 123% desde dezembro de 2019.
Porém, com a guerra, o aumento dos custos de energia eleva as projeções de inflação, quando o objetivo do programa era justamente a redução de uma das maiores inflações do mundo. Em fevereiro, a inflação argentina foi de 4,7%, mesmo sem impacto da guerra.
No programa, a Argentina traça uma meta inflacionária de até 48%, quando o mercado projeta 60%.
Na terça-feira, o Presidente Alberto Fernández e a diretora-gerente do FMI, Kristalina Georgieva, mantiveram uma reunião virtual na qual coincidiram na importância de a Argentina dar sinais de que vai cumprir o acordo para afastar as desconfianças do mercado.
"O Presidente reforçou o firme e decidido compromisso com o cumprimento dos objetivos do programa", indicou o Governo argentino numa nota oficial.
"Este acordo permitirá um caminho responsável e transitável com maior previsibilidade num contexto internacional que apresenta profundos desafios devido ao cenário bélico", concluiu.
Nos documentos do acordo, o próprio Governo admite que existem "consideráveis incertezas que podem alterar os números", citando "a pandemia do coronavírus, a guerra na Ucrânia e mudanças nos preços das matérias-primas como trigo, soja e petróleo".
Por usa vez, o FMI reconheceu que a guerra na Ucrânia tem impacto na economia argentina e que isso complicará o cumprimento dos objetivos do acordo, devido ao aumento do preço das matérias primas.
"O programa procura começar a reduzir a persistente alta inflação. Será uma tarefa desafiante à luz da evolução da conjuntura mundial a partir do aumento das matérias primas", apontou o diretor de Comunicações do FMI, Gerry Rice, há uma semana, quando o Parlamento argentino deu o aval definitivo ao acordo para evitar que o país falhasse pagamentos nos próximos dias, quando vence uma parcela de 2.800 milhões de dólares que a Argentina não teria condições de pagar sem esse acordo.
O programa financeiro não implica novos créditos, mas o refinanciamento a 10 anos, com um período de carêcnia de quatro anos e meio, da atual dívida de 45.000 milhões de dólares contraída em 2018 e que representa apenas 11% do total da dívida pública da Argentina com todos os credores.
O FMI vai desembolsar, gradualmente, o montante de cada vencimento para que a Argentina pague a dívida antiga, assumindo uma nova dívida a ser paga entre 2026 e 2034. O desembolso na semana que vem será de 10.000 milhões de dólares.
A redução do défice fiscal será gradual até 2025. Em 2022, o défice primário deverá cair dos atuais 3% do PIB a 2,5%. Em 2023, deverá diminuir a 1,9% e chegar a 0,9% em 2024. O défice deverá ser zero em 2025, tarefa que ficará para o próximo governo que vai assumir em dezembro de 2023.
O acordo não prevê reformas estruturais de nenhum tipo. Sem reformas estruturais nem redução no tamanho do Estado, o ajuste virá através do aumento de impostos e de reajustes salariais abaixo da inflação, tal como o Governo tem realizado ao longo dos últimos dois anos ao criar 19 novos tributos e a aumentar as reformas abaixo da inflação.
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