De acordo com os dados do mais recente relatório "Pessoas com Deficiência em Portugal: Indicadores de Direitos Humanos 2021", que é divulgado hoje, em 2019 "apenas 0,58% (n = 13.702) do total de recursos humanos das empresas com mais de 10 trabalhadores eram pessoas com deficiência", registando-se um aumento de 7,7% face a 2018.
Por outro lado, em 2020, a disparidade na taxa de emprego entre pessoas com e sem deficiência era de 18,2 pontos percentuais. Nesse ano, o desemprego registado das pessoas com deficiência cresceu 11,6% face a 2019.
"Contrariamente ao que se verificou na população em geral, em dezembro de 2021 o total de pessoas com deficiência inscritas como desempregadas continuava a aumentar (+1,2% face ao período homólogo)", lê-se no relatório.
No setor privado, entre os recursos humanos mais jovens, "o crescimento do emprego foi marginal", atingindo os 2,5% no escalão etário até aos 34 anos e chegando aos 1,8% no grupo entre os 35 e os 44 anos.
Segundo a coordenadora do Observatório, e uma das autoras do relatório, poder-se-ia pensar que este crescimento, ainda que "marginal", seria consequência do impacto da lei das quotas, que a partir de 2018 impõe às empresas públicas e privadas a contratação de entre 1% a 2% de trabalhadores com deficiência.
Paula Campos Pinto chamou, no entanto, a atenção para a distribuição etária dessas contratações, salientando que "onde o emprego tem crescido mais é nos trabalhadores com idades entre os 35 e os 44 anos ou acima".
"Não é muito expectável que o mercado de trabalho esteja a contratar pessoas nesta faixa etária e pessoas com deficiência nesta faixa etária, ainda para mais", defendeu.
"O que provavelmente estamos aqui a observar é a acomodação de trabalhadores e trabalhadoras que já existiam nestas empresas e que adquirem deficiências e que depois são identificadas como pessoas com determinada deficiência", acrescentou.
Na explicação da professora e investigadora do Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas (ISCSP), da Universidade de Lisboa, "a lei das quotas está a ser alimentada por esta dinâmica interna da própria empresa e não resulta necessariamente de uma contratação externa e de novos trabalhadores com deficiência", uma realidade que Paula Campos Pinto presume que seja transversal ao setor público, apesar de aqui não lhe terem sido disponibilizados dados estatísticos por grupos etários.
Ainda assim, a coordenadora do Observatório defende que "estas leis são importantes" e admitiu que "certamente terá havido contratações que ocorreram estimuladas pela existência dessa legislação".
"Mas é dizer que são insuficientes e precisamos continuamente de ir dando visibilidade a estes dados para que se tome consciência de que é necessário fazer mais, nomeadamente em termos de sensibilização, de formação às entidades patronais para esta contratação", sustentou Paula Campos Pinto.
A investigadora destacou também que além destas disparidades entre a população com e sem deficiência, há outras disparidades dentro da população com deficiência em termos de género, "com as mulheres com deficiência a apresentarem ainda mais dificuldades de acesso ao mercado de trabalho do que os homens".
"As mulheres com deficiência e as raparigas, durante muito tempo, eram sobreprotegidas, permaneciam fechadas nas famílias, nas casas, muitas vezes empenhando tarefas domésticas ou de cuidados para com membros da família, mas sem visibilidade e participação no espaço público, que sempre foi mais encorajada pelas famílias relativamente aos homens com deficiência", explicou Paula Campos Pinto.
A investigadora salientou que as mulheres com deficiência tentam frequentar cursos de formação ou aceder ao mercado de trabalho, mas "o mercado de trabalho tem para com elas a reação que tem face às mulheres em geral, em que prefere o trabalhador do sexo masculino".
Paula Campos Pinto defendeu que as razões destas diferenças são estruturais e "estão inscritas na cultura da sociedade e no olhar que tem sobre as pessoas com deficiência", que considera "menos capazes e mais dispendiosas para as empresas" ou por serem menos disponíveis ou por terem mais necessidades médicas ou terapêuticas.
"Isto é uma ficção, mas é uma ficção que ainda é vista como uma realidade. Esses obstáculos sociais e essas barreiras atitudinais que persistem são entrave muito grande e explicam em grande medida estas disparidades", sublinhou.
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