"Foram nove anos de crises consecutivas, em que tudo aconteceu. A UGT, e todas organizações da sociedade civil, viveram um clima de incerteza e dificuldades, sobretudo para quem ganha menos", disse Carlos Silva em entrevista à agência Lusa.
Segundo o sindicalista, ao longo dos dois mandatos que cumpriu como secretário-geral da UGT, nunca teve "um momento para respirar fundo".
"Foram nove anos sempre de vacas magras [...], mas a UGT sobreviveu e continua a tentar sobreviver e a defender aquilo que são os direitos dos trabalhadores, embora num contexto continuadamente difícil", afirmou.
Carlos Silva lembrou que "foi muito difícil" ter iniciado o seu primeiro mandato em pleno programa de austeridade, em abril de 2013, após o acordo de concertação social de 2012, subscrito pelo seu antecessor, João Proença, que impôs vários retrocessos em termos de legislação laboral e reduziu várias matérias remuneratórias, por exigência da 'troika' como contrapartida para a assistência financeira a Portugal.
"Depois veio a gerigonça, com um Governo do PS minoritário muito condicionado, com uma política centralista e anti-concertação social. A seguir, a pandemia da covid-19 e agora, que se retomava o crescimento económico e se ultrapassava a crise, a invasão da Ucrânia condiciona de novo o crescimento da economia e dos salários", considerou.
Como "a central vive em função dos trabalhadores e dos seus sindicatos", também tem sofrido as consequências das crises dos últimos anos.
"Os sindicatos sofreram uma erosão nos últimos anos, com a precariedade e os baixos salários", disse.
Carlos Silva referiu o exemplo do setor financeiro, que perdeu milhares de trabalhadores nos últimos anos devido às reestruturações feitas na banca, com reflexos na sindicalização e nas contribuições para a central.
Mas, segundo disse, a sindicalização cresceu na Administração Pública, indústria e energia, "porque são setores responsáveis pela melhoria das exportações, com impacto no emprego e na sindicalização".
"O sindicalismo é um reflexo da vida laboral dos países. Se há mais trabalho, mais emprego, o número de sindicalizações cresce", afirmou.
De acordo com o responsável, a central sindical "tem vivido e sobrevivido em função das bolhas de crise dos últimos anos".
"Mas apesar de tudo a UGT mantém-se hoje numa posição de alguma estabilidade que me apraz registar", disse.
Carlos Silva defendeu, a propósito, que o diálogo social e a negociação coletiva tem de ter consequências para que os trabalhadores percebam que ganham em ser sindicalizados.
Deu como exemplo o setor da educação, que se tornou cada vez menos atrativo, devido às carreiras, salários e condições de trabalho, porque houve "incapacidade do membro do Governo para encontrar soluções para o setor".
"Não houve disponibilidade do Governo para ouvir os sindicatos, para encontrar soluções para o rejuvenescimento do setor", afirmou.
Segundo o sindicalista, "o diálogo social e o diálogo com os sindicatos sofrem as consequências dessas ausências" do Governo, até porque os representantes patronais têm tendência para fugir ao compromisso.
"O patronato copia os piores exemplos do Estado [...], é por isso que o País continua assente no paradigma dos baixos salários", declarou.
Carlos Silva lembrou ainda que o primeiro-ministro está aberto a um acordo de concertação social sobre rendimentos e competitividade, mas o objetivo inicial era mesmo a valorização dos rendimentos dos portugueses, "que são a vida dos trabalhadores".
"A competitividade foi praticamente imposta pelos patrões, [...] para justificar ao país que não têm condições para aumentos salariais, nem mesmo do salário mínimo nacional", afirmou.
Para Carlos Silva, o primeiro-ministro "tem aqui um problema, que tem que tentar ultrapassar".
Quanto ao bloqueio da negociação coletiva dos últimos anos, o sindicalista considera que a solução "depende da queda da caducidade" do Código do Trabalho, embora as opiniões não sejam unânimes, mesmo a nível sindical.
"Há sindicatos com diferentes posturas, mesmo na UGT. Tudo depende do que vier por via da alteração da legislação laboral. Mas a caducidade deixa os sindicatos em estado de necessidade, com as calças na mão".
O ainda líder da UGT lembrou que "a agenda para o trabalho digno suspendeu a [possibilidade de] caducidade [das convenções coletivas] até 2024".
"Então porque não a deixar cair, não é pela UGT que se mantém", disse.
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