Reduflação, a estratégia que 'disfarça' aumento dos preços

A diminuição da quantidade de produto, mantendo o preço, é uma das estratégias usada pelos fabricantes para 'mascarar' a subida de preços em tempos inflacionistas, cabendo ao consumidor estar atento a esta prática, legal, mas considerada "pouco ética".

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Lusa
21/05/2022 10:27 ‧ 21/05/2022 por Lusa

Economia

Preços

"Ilegal não é, agora é pouco ético, é falta de transparência", afirma Rui Rosa Dias, professor do Instituto Superior de Administração e Gestão - European Business School (ISAG-EBS) em declarações à agência Lusa a propósito do fenómeno denominado de 'reduflação' (tradução literal do neologismo inglês 'shrinkflation'), uma forma 'encapotada' ou 'invisível' de inflação em que se reduzem quantidades, sem diminuir - ou mesmo aumentando - os preços.

Para o investigador, se "a especulação e o oportunismo comercial fazem parte do mundo dos negócios, ocultar, desinformar ou mentir até aos consumidores não".

Por isso, enfatiza, "o consumidor tem de estar alerta, ir à procura de informação e ponderar. Guardar os talões, fotografar rótulos, pedir esclarecimentos e manifestar o seu desagrado junto dos gerentes de loja. Todo este ambiente tem de ser estimulado para que a relação crítica venha ao de cima".

Embora sem "dados concretos" que lhe permitam apontar casos atuais de 'reduflação' no mercado português, Rui Rosa Dias garante que, "em Espanha, há várias marcas já a atuar neste sentido", pelo que, "sem a menor dúvida, se vai começar a assistir a este fenómeno em Portugal".

No caso espanhol, precisou, têm sido detetadas situações de 'reduflação' sobretudo "nos setores da cosmética e perfumaria, mas também no setor dos alimentos", com "um diferencial mínimo de 5% a 10% a menos no tamanho ou quantidade, mantendo - ou, nalguns casos, até subindo - o preço".

Ou seja, atualmente confrontadas com uma forte pressão sobre os custos na cadeia de valor - na sequência do efeito conjugado da pandemia, dos constrangimentos logísticos, da subida dos preços da energia e das matérias-primas e, mais recentemente, da guerra na Ucrânia - os fabricantes podem optar por manter o preço final de venda dos produtos, ao qual o consumidor está mais atento, mas reduzindo a quantidade contida na embalagem.

Assim, e de uma forma quase impercetível para o consumidor, a tablete de chocolate que tradicionalmente tinha 150 gramas pode passar a conter 125 gramas, a caixa de fósforos que antes continha 100 unidades passa a ter 80, a embalagem de açúcar reduz de um quilograma para 800 gramas ou o pacote passa a ter menos bolachas.

E, desde que a quantidade presente na embalagem seja a que, de facto, está indicada na rotulagem do produto, esta prática não pode ser considerada fraude.

Segundo recorda o professor do ISAG, a 'reduflação' "não é um fenómeno novo", remontando, pelo menos, à década de 80: Em 1987, a companhia aérea American Airlines conseguiu uma poupança de 40 mil dólares (perto de 38 mil euros) anuais apenas removendo uma azeitona em cada salada servida aos passageiros da classe executiva.

Para Rui Rosa Dias, é, contudo, "redutor" atribuir esta estratégia "a um fenómeno pura e simplesmente de 'marketing'", desde logo "porque o 'marketing' não pode ser encarado como enganar o consumidor".

"E isto é, claramente, falta de transparência, é enganar", considera.

Embora reconheça que "incorporar todos os novos custos adicionais na cadeia de valor, mantendo a margem, é um exercício muito difícil para as empresas", o investigador defende que "a solução mais ética seria, sem dúvida, assumir claramente o aumento de preço" ou, em alternativa, comunicar explicitamente a redução da quantidade.

"Tal como muitas vezes fazem em atividade promocional, em que quando acrescentam 10% ao produto até renovam o 'packaging' ou colocam uma cinta plástica muito visível, o contrário também tem de ser feito", argumenta.

Na opinião do docente do ISAG, numa altura em que as pressões inflacionistas fazem prever uma multiplicação dos casos de 'reduflação' em Portugal, considera que as autoridades competentes deveriam apostar numa "pedagogia de consumo" que deixe os consumidores em alerta.

"As marcas, a Deco [Associação de Defesa do Consumidor] e as entidades públicas que têm interesse nesta matéria devem alertar antecipadamente e definir os eixos de transparência, para que não surjam situações de desconfiança e não se levante esta poeira toda à volta de uma prática que não é de agora, mas peca por falta de informação objetiva", sustenta.

Segundo salienta, era importante "esclarecer, logo desde o início, o consumidor que vai pagar também a fatura de todo o problema que se está a viver e que é derivado de fatores exógenos, que poucos governos podem dominar, mas em que há ferramentas internas em cada país para poder, pelo menos, minimizar o efeito da escalada de preços".

"É um momento difícil que toda a cadeia de valor está a viver e não será o Estado a ter de suportar tudo isto. Têm de ser as próprias cadeias de valor, com um sentido colaborativo, sem deixar o sentido competitivo, a amortecer um pouco toda esta escalada de preços e, de forma transparente, a comunicá-lo ao consumidor", afirma.

"No limite", e "avolumando-se as queixas", Rui Rosa Dias entende que poderá mesmo "ter de se legislar" nesta matéria: "Sem grande interferência direta do Estado, mas para criar algumas regras de mercado e balizar a atividade de redução de tamanho e de quantidade em ambiente inflacionista", precisa.

No Brasil, por exemplo, os fabricantes são obrigados a comunicar as alterações no rótulo do produto, informando a quantidade de produto diminuída (em termos absolutos e percentuais), num local de fácil visualização e com carateres bem visíveis, de forma que o consumidor possa perceber a alteração e não seja induzido em erro.

Leia Também: Nova linha de comboio que atravessa Londres abre na próxima semana  

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