Quase dez anos depois de reveladas, o FMI descreve no relatório final da quarta avaliação ao programa de Facilidade de Crédito Alargado (ECF, na sigla em inglês), concluída este mês, que as dívidas ocultas continuam a ser uma fonte de pressão das finanças públicas de Moçambique.
"Moçambique chegou a acordo com os credores para liquidar os restantes montantes pendentes da dívida divulgada em 2015. O acordo cobre cerca de 648 milhões de dólares de capital pendente (com um passivo total incluindo juros de 1,4 mil milhões de dólares) e implica um pagamento de 220 milhões de dólares (1% do PIB) em 2024", lê-se no relatório do FMI, consultado hoje pela Lusa, sobre a avaliação.
O Governo moçambicano anunciou este mês um novo acordo extrajudicial -- depois de outro fechado em 2023 - agora com três bancos, incluindo o português BCP, no litígio em Londres sobre as dívidas ocultas, prevendo a redução da "exposição do Estado" de 1,4 mil milhões para 220 milhões de dólares.
"A resolução extrajudicial reduz a exposição do Estado para 220 milhões de dólares (205 milhões de euros), ou seja, um corte de 84% do total da reivindicação dos Bancos (e de 66% do capital)", disse em 01 de julho o ministro da Economia e Finanças, Max Tonela, numa conferência de imprensa.
De acordo com o governante, "a responsabilidade potencial do Estado, neste processo, incluindo tanto o capital como os juros, situar-se-ia em cerca de 1,4 mil milhões de dólares (1,3 mil milhões de euros), com juros continuando a acumular-se, além de custas estimadas na ordem de 50 milhões de libras [cerca de 59 milhões de euros], na eventualidade de perder a causa".
O escândalo das dívidas ocultas remonta a 2013 e 2014, quando o então ministro das Finanças, Manuel Chang, detido agora nos Estados Unidos, aprovou, à revelia do parlamento, garantias estatais sobre os empréstimos da Proinducus, Ematum e MAM aos bancos Credit Suisse e VTB.
Descobertas em 2016, as dívidas foram estimadas em cerca de 2,7 mil milhões de dólares (cerca de 2,55 mil milhões de euros), de acordo com valores apresentados pelo Ministério Público moçambicano.
O acordo anunciado hoje foi alcançado com o Banco Comercial Português (BCP), que só participou no empréstimo à empresa MAM, o VTB Capital Plc (intervencionado) e o antigo VTB Bank Europe, num litígio que corre no Tribunal de Londres desde fevereiro de 2019.
"O acordo extrajudicial oferece vantagens claras para o Estado, em comparação com uma decisão judicial incerta e com possíveis consequências insustentáveis para o país a curto e médio prazo. Além disso, evita recursos intermináveis e custos extremamente elevados, considerando os desafios económicos e fiscais atuais do país", declarou Max Tonela.
Moçambique anunciou em 2023 que pagou 130 milhões de dólares (119,1 milhões de euros) a instituições financeiras no âmbito do acordo extrajudicial com o Credit Suisse para terminar uma disputa no Tribunal Comercial de Londres sobre o caso das "dívidas ocultas".
Tornado público no dia 01 de outubro, véspera do início do julgamento na justiça britânica, o acordo teve como principais subscritores o Governo moçambicano e o grupo UBS, dono do banco Credit Suisse, principal financiador da empresa estatal Proindicus para comprar navios e equipamento de vigilância marítima em 2013.
"Moçambique está, agora, e de forma incondicional, aberto ao mercado e o seu Governo comprometido em reforçar a agenda de governação e as reformas fiscais estruturais, numa base saudável, e em dar a sua total atenção à implementação das medidas certas para apoiar a economia do país", concluiu Max Tonela.
O julgamento em curso é o culminar de quase quatro anos de litígio na justiça britânica, à qual o país africano recorreu alegando corrupção, conspiração para lesar por meios ilícitos e assistência desonesta para anular dívidas e reclamar compensação financeira.
Moçambique exige 3,1 mil milhões de dólares (2,8 mil milhões de euros) por danos, compensação e indemnização ao grupo naval Privinvest e ao proprietário, Iskandar Safa, os quais acusa de pagar subornos a funcionários públicos, incluindo o antigo ministro das Finanças Manuel Chang, que assinou as garantias soberanas sobre os empréstimos.
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