Luís Filipe Borges. 43 anos. 'Boinas', como ainda é tratado por muitos, tornou-se conhecido do público em programas como 'A Revolta dos Pastéis de Nata' e '5 Para a Meia Noite'.
Licenciou-se em Direito mas nunca exerceu a profissão, até porque nem um nó de gravata sabia dar.
Foi numa animada conversa, em que gargalhadas abundaram, que o argumentista e comediante recordou alguns dos momentos mais marcantes da sua carreira. Também não faltaram confissões quanto a desilusões que sofreu, por exemplo no '5', e que ditaram a sua saída do late night show da RTP.
A 'cereja no topo' desta entrevista foi a paternidade. Luís foi recentemente pai do pequeno Tomé e, desde então, que a sua vida ganhou uma nova dimensão.
Como está a ser a experiência da paternidade?
É uma mistura de alegria pura com absoluto terror no sentido em que aquele pequenino ser depende completamente dos pais. Por muitos livros que tenhas lido e muitos conselhos que tenhas recebido estás a aprender enquanto fazes. Há momentos de grande ansiedade e angústia que são compensados por todos os outros.
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Como foi pegar ao colo pela primeira vez o Tomé?
Estava junto à cabeceira perto da cara da Sara para lhe poder dar o máximo de apoio possível. De repente, uma enfermeira deu-me o miúdo para a mão e eu fiquei com ele num braço e com o outro a fazer festas no cabelo da Sara. Claro que me fartei de chorar.
Ser pai era um desejo que já tinha?
Muito. É uma coisa que me completa. Pegando naquele grande clichê de escrever um livro, plantar um árvore e ter um filho. A paternidade era algo com que sonhava desde miúdo, uma coisa em que já pensava quando estava no liceu ainda, felizmente não assustei a minha mãe. É de facto uma experiência brutalmente transformadora. Em relação ao pânico, todos os meus amigos que são pais riem-se e dizem-me: 'não te preocupes que essa coisa do terror dura só para o resto da vida'.
E quais foram os conselhos que recebeu dos amigos?
Acho que o melhor conselho foi o trabalho de equipa, eu e a Sara tentamos dividir-nos ao máximo. Ele é muito pequenino ainda, precisa de colo e é muito carente, naturalmente. Outro conselho bom foi o de tentar manter a calma, contar até 10 para não haver momentos de stress entre o casal.
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Porquê o nome Tomé?
A Sara já tinha a ideia de Tomé há muito tempo e usou um truque maravilhoso que foi plantar aquilo na minha cabeça. Eu dizia que não gostava nada, que achava nome de velho. Depois passou um tempo sem falar do assunto e um dia disse: 'olha, já sei, acho que já tenho uma ideia boa para o nome do nosso filho: Guilherme'. E eu: 'Guilherme? Então não era Tomé?'. Usou uma espécie de psicologia invertida e conseguiu aquilo que queria e hoje adoro o nome. Gosto por ser um nome que não está na moda.
O Tomé é mais parecido com o pai ou com a mãe?
Infelizmente herdou o nariz do pai, é uma coisa pela qual lhe vou pedir desculpa, mas dá-me a ideia que tirando o nariz o resto puxou à mãe. Como a Sara diz, na pior das hipóteses, vai ser um puto com pinta.
E o Luís já faz todas as tarefas enquanto pai?
Tudo, tudo. Ainda ontem lhe dei um banhinho, as fraldas são muito mais fáceis do que eu pensava. Estou desajeitado com a roupinha porque é muito pequenina e acertar com os botões não é fácil. Mas tirando dar de mamar, dividimos tudo.
Gostava muito de cativá-lo para a leitura e de lhe passar a paixão pelo BenficaHá alguma coisa que já se imagina a ensinar-lhe?
Gostava muito de cativá-lo para a leitura e de lhe passar a paixão pelo Benfica.
E se ele escolher ser do Porto ou do Sporting?
Vai ser muito triste, mas pronto, como tenho muitos amigos sportinguistas e alguns portistas, tenho a certeza que vou conseguir ultrapassar essa tristeza.
Porque é que foi amor à segunda vista com a Sara?
Tivemos um início muito engraçado. A primeira vez que a Sara me viu foi num espetáculo do Eduardo Madeira em que eu era convidado. Nessa noite tinha uma mensagem no Facebook muito bem escrita desta miúda que dizia: 'Eu não te conhecia, fui ver e ri-me imenso. Fez-me muito bem, queria-te agradecer'. Eu claro, como gajo que sou fui logo espreitar as fotos do perfil e resolvi pôr o cavalinho à chuva e de forma o mais elegante possível disse 'ah, que bom, muito obrigado. Por acaso em breve vou estrear um espetáculo que é com o Marco Horácio e com António Raminhos, ficas já convidada para a estreia'. Depois, volto rapidamente a tirar o cavalinho da chuva porque ela disse-me que ia emigrar para a Suíça. 'Um dia que eu regresse a Portugal, talvez', respondeu.
No fim conversámos pela primeira vez, no dia a seguir fomos sair e já não nos largámosPassaram uns três ou quatro meses e recebi uma nova mensagem dela a dizer que estava em Portugal e que se o espetáculo ainda estivesse a acontecer aceitaria o convite com muito gosto. Esse dia ia ser a última atuação e o teatro estava esgotadíssimo. Ligo para a produção a dizer 'por amor de Deus, arranjem-me uma cadeira, nem que vão buscá-la ao bar'. Assim foi. Colocaram-na numa cadeirinha à parte. Ela conta que as pessoas olhavam para ela de forma muito estranha. No fim conversámos pela primeira vez, no dia a seguir fomos sair e já não nos largámos.
Ela ainda voltou à Suíça, esteve lá um mês e meio, fui visitá-la duas vezes, mas percebemos que não dava para fazer as coisas à distância. Fizemos tudo ao contrário do que é normal, começámos a viver juntos muito rapidamente, quando ainda faltava conhecer imensa coisa um do outro, mas felizmente tem corrido bem.
É uma mulher que já passou por momentos difíceis na vida e tem uma resiliência extraordinária ao ponto de ser inspiradora mesmo. Lembro-me de pensar: 'Caramba, isto é o pacote completo'O que o apaixonou nela?
Ui, tanta coisa. Inteligência, sentido de humor e o caráter. É uma mulher que já passou por momentos difíceis na vida e tem uma resiliência extraordinária ao ponto de ser inspiradora mesmo. Lembro-me de pensar: 'Caramba, isto é o pacote completo'.
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Passaram mais de 40 anos, mas conseguiu encontrar a mulher da sua vida...
Fui encontrando... [afirma, enquanto se ri às gargalhadas]. Dizem que não há amor como o primeiro, eu digo que não, que não há amor como o último.
Acabou o curso de manhã e começou a trabalhar à tarde
É licenciado em Direito, porquê a escolha do curso?
Quando era miúdo gostava imenso de séries e filmes de advogados. Queria ser ator, só que também achava que ia viver nos Açores sempre e que na pior das hipóteses vinha a Lisboa tirar um curso e depois voltava. Quando os meus pais me perguntaram se já sabia o que queria ser eu disse ator. Eles pensaram longamente, quase meio segundo, e responderam 'nem pensar'. Nem sequer me revoltei, percebi-os perfeitamente, é impossível ser ator profissional nos Açores.
Cheguei, apaixonei-me por Lisboa, era miúdo e não sabia para o que vinha, o curso nem era assim tão difícil, estava entretido com amizades e namoros. Só me bateu a sério quando de repente dei comigo no último ano. Não queria ser advogado, nem sequer sabia dar um nó de gravata. Percebi claramente que não era aquilo que queria fazer.
Daí até conseguir a grande oportunidade em televisão como é que foi o caminho?
Quando estava a terminar o curso havia uma grande tradição em Direito em que os finalistas começavam a enviar currículos para escritórios - e eu não mandei. O que fiz foi escrever uma carta à antiga, papel e caneta, com dois grandes amigos e enviarmos a um jornalista que admirávamos imenso, o Luís Osório.Duas coisas incríveis aconteceram: uma, foi ele responder, que é uma coisa muito rara em Portugal, as pessoas são muito ocupadas. Além de ter respondido chamou-nos para uma reunião. Aí explicou que a nossa ideia não ia dar para avançar, mas que estava interessado em reunir connosco para fazer brainstormings.
'Quando é que podes começar a trabalhar?'. E eu disse 'quando acabar esta gelatina'. Acabei o curso de manhã e comecei a trabalhar numa produtora à tardeNo dia em que acabo o curso faço um prova oral de manhã e estou a almoçar na cantina da universidade quando recebo um telefonema dele a dizer que vendeu uma ideia à RTP2. 'Quando é que podes começar a trabalhar?'. E eu disse 'quando acabar esta gelatina'. Acabei o curso de manhã e comecei a trabalhar numa produtora à tarde.
E depois?
Nessa produtora trabalhei dois anos e meio e depois recebi um convite para ir para as Produções Fictícias. Aí começo a trabalhar como argumentista de humor.
Aos 27 anos tive a primeira oportunidade de fazer televisão. Nessa altura escrevia uma crónica diária de humor no diário 'A Capital'. Recebo um telefonema de um brasileiro a dizer [conta isto num sotaque brasileiro]: 'Estou, Luís Borges? O meu nome é Bruno Santos, sou subdiretor da RTP2, adoro as suas crónicas, queria conhecer você'. Pensei que era um amigo meu no gozo. O Bruno foi o meu padrinho televisivo. Esse programa foi o primeiro que fiz chamado 'A Revolta dos Pastéis de Nata'.
A dolorosa saída do '5 Para a Meia Noite'
Foi tranquila a adaptação à televisão?
Sim, mas há uma coisa de que sinto saudades do início que é tu teres uma inconsciência maravilhosa que te alivia os nervos e a ansiedade. Quando apareceu essa oportunidade estava a fazer o que queria que era viver da escrita. Lembro-me que durante a 'Revolta' eu fazia de conta de era uma onda que tinha apanhado e na qual iria surfar enquanto desse. Com o passar dos anos, essa inconsciência saudável vai desaparecendo e és um bocadinho contaminado pela pressão, competitividade e intrigas do meio. Perdes uma certa pureza.
Foi isso que aconteceu no '5 Para A Meia Noite'?
Fiz 10 temporadas do '5' e durante nove diverti-me imenso e estava orgulhoso do que estava a acontecer. Na décima temporada já foi difícil. Primeiro, porque a nossa equipa de bastidores tinha sofrido imensas perdas, muita gente tinha saído e não foram substituídos à altura. Depois, havia ali um certo piloto automático, o programa estava um bocado em velocidade cruzeiro e isso não é agradável.
Lembro-me que um dia estava tão triste com uma data de coisas que estavam a acontecer nos bastidores, que no momento em que o genérico estava no ar e eu à espera para entrar, pensei: 'olha, que se lixe, vou fazer isto pelo dinheiro'Lembro-me que um dia estava tão triste com uma data de coisas que estavam a acontecer nos bastidores, que no momento em que o genérico estava no ar e eu à espera para entrar, pensei: 'olha, que se lixe, vou fazer isto pelo dinheiro'. Quando voltei a casa estava muito triste comigo mesmo.
Chamaram a Marta Crawford - com todo o respeito pela senhora - para apresentar num dos dias, que é a mesma coisa que me escolherem para ser engenheiro aeroespacial da NASA. Pus o meu lugar à disposição e fui à minha vidaNessa altura, a RTP estava a mudar, foi quando entrou uma nova administração, pessoas que não tinham carinho pelo programa. Aí, o programa passa para a RTP1 e a ser feito num estúdio que parecia uma clínica veterinária. Chamaram a Marta Crawford - com todo o respeito pela senhora - para apresentar num dos dias, que é a mesma coisa que me escolherem para ser engenheiro aeroespacial da NASA. Pus o meu lugar à disposição e fui à minha vida.
Este é um lado da história que mostra o que se passa por trás das câmaras. Uma realidade que não passa pela cabeça de muitos telespectadores...
Lidar com as coisas negativas, fazer cara forte e surfar a onda faz parte. Mas pronto, naquele momento em que saí, saí mesmo a achar que era um caminho que se tinha esgotado e não estou nada arrependido. Voltei dois anos depois mas de uma forma diferente, que é quando a Filomena assume o programa e volta a haver um cenário como deve ser. Acho que ela conseguiu recuperar a identidade do programa, mesmo sendo só uma vez por semana.
Quando se passa por momentos como os que descreveu, lidar com críticas negativas é mais difícil ou já passa ao lado?
Tenho vários amigos que sofrem muito com isso. Eu não leio, tão simples quanto isto. O Instagram gosto muito, tem sido um oásis, raramente me aparece lá um idiota. No Facebook, sem exagero, que não leio comentários há oito anos e isso faz-me maravilhas. Aconteceu quando o 'Cinco Para a Meia Noite', depois de meses de elogios, começou a levar com uma maré de 'haters'. Não quis perder tempo com aquilo.
O Osório chegou e disse: 'Já está? Estão contentes? Dou-vos cinco minutos para irem à casa de banho masturbarem-se uns aos outros e depois voltam ao trabalho'
Aliás, isto remonta ao meu primeiro patrão, o Luís Osório. Éramos todos putos naquela equipa. Um belo dia estávamos malucos porque tinha saído uma crítica fantástica do mítico Mário Castrim, uma página inteira no jornal. O Osório chegou e disse: 'Já está? Estão contentes? Dou-vos cinco minutos para irem à casa de banho masturbarem-se uns aos outros e depois voltam ao trabalho'. A cena dele era: isto é muito simpático, estamos todos contentes, mas depois amanhã sai uma crítica má. O tempo que eu quero que vocês percam com as críticas boas é exatamente o mesmo com as más. Cinco minutos e a vida continua.
Qual foi o pior conselho que lhe deram até agora?
Há um apresentador muito conhecido na nossa praça que basicamente não me disse nada. Fui uma vez a um determinado estúdio de um determinado canal que ia ser convidado. Estava num lounge à espera de ser chamado, ele sai de um outro estúdio acabado de fazer um programa, eu estou sentado num sofá comprido onde não está ninguém sentado, ele vem e senta-se no braço do sofá. Ou seja, logo numa posição de superioridade para olhar de cima para mim.
A conversa foi absolutamente hilariante. 'Olha puto, eu acho que estás a fazer um ótimo trabalho, mas precisas de mais... ta ta ta, estás a ver? Porque de resto está muita bom. Agora só falta hum! Estás a ver?'A conversa foi absolutamente hilariante. 'Olha puto, eu acho que estás a fazer um ótimo trabalho, mas precisas de mais... tá tá tá, estás a ver? Porque de resto está muita bom. Agora só falta hum! Estás a ver?'. E fazia assim uns gestos com o braço. Foi o pior conselho que eu recebi no sentido em que não disse nada.
Para quem não sabe quem é o Luís como é que se apresentaria?
Um açoriano de alma e coração, benfiquista, comediante, argumentista, não necessariamente por esta ordem.
Quem é que não consegue ser amigo do Luís?
Pessoas que se levam muito a sério não fazem parte dos meus amigos com certeza.
Pessoas que ligam ao politicamente correto?
Também isso. Pessoas sem sentido de humor, que acham que com isto não se brinca, com aquilo não se brinca, e pessoas que ficam muito 'ofendidinhas' e que acham que não fazem cocó como todos nós.
Falo daqueles comentadores tipo Pedro Marques Lopes que só tem dois ou três estados. Ou está profundamente indignado, ou profundamente surpreendido, ou profundamente enfurecido. Tratam o mundo como se estivessem num pedestalzito invisível
Programas de comentário nas televisões são um ótimo exemplo disso. Falo daqueles comentadores tipo Pedro Marques Lopes que só tem dois ou três estados: ou está profundamente indignado, ou profundamente surpreendido, ou profundamente enfurecido. Tratam o mundo como se estivessem num pedestalzito invisível. O contributo deles para o andamento das coisas é diminuto ou inexistente. É muito patético na minha opinião ganhar dinheiro só para dizer 'eu avisei' ou para, o que acontece imensas vezes, falar o exato contrário do que tinha dito dois meses antes.
O que é anda a fazer agora?
Tenho um programa há três anos com dois grandes amigos na Bola TV chamado 'Amigos da Bola'. Três amigos, três comediantes, três clubes. Podes amar o teu clube e mesmo assim a amizade prevalecer.Dou aulas, gravo muitas locuções publicitárias. Terminei o projeto da minha vida, a minha estreia como produtor, que é uma série sobre a minha terra chamada 'Mal-Amanhados - Os Novos Corsários das Ilhas'. Estou a trabalhar na sequela e entretanto saiu um livro do projeto, um verdadeiro calhamaço. Estou a finalizar dois documentários, um sobre o arquiteto Souto Moura e outro sobre o artista plástico Manuel Cargaleiro.
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E há tempo para um filho no meio disto tudo...
Há sim. Ainda hoje foram três fraldas.