'Maddie: Basta de Mentiras' é o nome do novo livro de Gonçalo Amaral sobre a investigação do mediático caso do desaparecimento de uma criança inglesa na Praia da Luz, no Algarve, a 3 de maio de 2007.
A obra chega às livrarias portuguesas esta quinta-feira, 14 de outubro, um dia depois de ter sido apresentada à imprensa pela voz do autor, aquele que foi o coordenador operacional das investigações do 'Caso Maddie'. E a promessa é de que depois de ler este livro "dificilmente olhará para este caso da mesma forma".
"14 anos depois, por que razão não sabemos a verdade?"
Este foi o subtítulo escolhido para o terceiro livro do antigo inspetor sobre o caso e as suas 296 páginas foram todas pensadas como forma de ajudar a responder a esta questão.
"Decidi fazer aquilo que um investigador criminal sabe fazer, que é fazer a revisão da investigação, a começar do ponto de partida até ao ponto onde se encontra atualmente", afiança Gonçalo Amaral ao explicar o que o motivou a escrever.
O ex-inspetor da Polícia Judiciária nega que este livro seja uma resposta ao recente documentário da Netflix, 'The Disappearance of Madeleine McCann', onde a investigação portuguesa é colocada em causa, e muito menos uma reação ao aparecimento de um novo suspeito no caso: Christian Bruckner.
"Isto é uma análise, é um relato do que aconteceu e daquilo que se pode vir a fazer. Escrevo como polícia, como investigador. Escrevo em defesa da polícia, mas não como uma reação", garante.
'Maddie: Basta de Mentiras' está a ser preparado desde 2011 e por isso a investigação alemã, que surgiu nos últimos anos, foi acrescentada posteriormente. "O intuito não é responder ou reagir às críticas, é ajudar a esclarecer o que poderá ter acontecido a esta criança", assegura.
"O primeiro livro ['Maddie – A Verdade da Mentira'] é focado nos primeiros seis meses da investigação, porque fomos todos ofendidos, foi colocado em causa o nosso trabalho, a nossa honra e o brio profissional. Aquele livro serviu para sair em nossa defesa. Este vai muito mais longe, fala nas várias possibilidades: tese de rapto, a possibilidade de a criança ter morrido horas ou dias antes de ter sido comunicado o desaparecimento, ou na hipótese de desaparecimento voluntário".
Gonçalo Amaral apresenta no livro todas as possibilidades "que sempre estiveram em aberto" para a Polícia Judiciária, até ao dia em que, acusa, a investigação foi forçada a mudar de rumo.
"Em setembro de 2007 estávamos inclinados para a hipótese do eventual envolvimento dos pais no desaparecimento da criança. A partir da constituição deles como arguidos tudo se desmorona, a equipa desmoronou-se, eu sai da investigação e o rumo foi completamente diferente", recorda.
"Aqui em Portugal as coisas começaram a mudar. Nada interessava daquilo que estava na investigação, o que interessava era uma teoria de que há um indivíduo que é suspeito. O livro demonstra isso. As primeiras 200 páginas são toda a revisão da investigação, onde estão todas as teorias daquilo que pode ter acontecido. São dados a conhecer relatórios que não são do conhecimento das pessoas", promete.
As duras críticas à investigação alemã
Ao longo dos últimos 14 anos existiram "muitos suspeitos" no 'caso Maddie', tendo sido Christian Bruckner o mais mediático e aquele que mais perto se encontra de ser julgado pelos crimes de rapto e morte de Madeleine McCann.
"Já tinha ocorrido uma tentativa de um suspeito alemão, alguém tinha a ideia de envolver as autoridades alemãs através de um suspeito", atira Gonçalo Amaral, que levanta sérias dúvidas sobre a acusação.
O antigo inspetor acredita que "as incongruências" da investigação, a que chama também de "malandrices da polícia alemã", começam com o depoimento de Helge Busching.
Busching decidiu em 2017, depois de ter sido preso por tráfico de imigrantes na Grécia, contar à polícia inglesa que nove anos antes Christian Bruckner lhe revelou ter estado envolvido no desaparecimento de Maddie.
"Apesar de a polícia alemã dizer que Helge Busching não tinha motivação nenhuma para falar, o que se lê não é depoimento nenhum espontâneo, é preparado", atira, deixando no ar a possibilidade de este ter saído da cadeia como recompensa por ter falado no caso.
"Ele tinha confessado já a alguém que havia um prémio para quem falasse no caso", assegura Gonçalo Amaral, lembrando que Busching estava condenado a sete anos e meio e acabou por sair da prisão um ano e meio depois.
A acesa troca de farpas com o procurador alemão
Hans Wolters, procurador alemão responsável pelo caso Maddie, fez duras críticas ao trabalho da polícia portuguesa em declarações recentes. O procurador referiu que a investigação alemã é capaz de fazer em apenas uma semana o que os portugueses não conseguem concretizar em seis meses e afirmou que a equipa de Gonçalo Amaral fez uma "má investigação" por não ter investigado inicialmente Christian Bruckner.
"O procurador alemão ignora o que está no processo português e, se ele ignora o que está no processo, pode considerar-se que relativamente a essa matéria é um ignorante", atira o antigo inspetor em resposta as acusações.
A indignação sobe de tom ao lembrar as declarações em que, alegadamente, o procurador alemão refere que a investigação portuguesa foi descuidada pelo facto de a criança desaparecida ser britânica, insinuando que o mesmo não aconteceria se a menina fosse portuguesa. "Isto exige da parte da direção da Polícia Judiciária uma tomada de posição. Alguém tem de sair em defesa da própria Polícia Judiciária", apela.
"A Alemanha pode ser um líder europeu, e por isso se calhar tanto se quis que entrasse neste caso, mas a Alemanha não é líder das investigações criminais em Portugal - nem a Alemanha nem outro pais qualquer. O líder das investigações criminais em Portugal é o Ministério Público, coadjuvado pela Polícia Judiciária quando se trata de casos como este - de especial complexidade", defende.
"Compete à Polícia Judiciária investigar estes casos que os alemães dizem que querem. Não pode ser, isto é colocar em causa a soberania nacional, que vem a ser colocada em causa desde o início", reforça, referindo-se ao caso de Maddie e à acusação que condenou Christian Bruckner a sete anos de prisão por ter violado uma mulher de 72 anos na Praia da Luz.
"Mesmo que o cidadão alemão fosse suspeito, deveriam ter informado as autoridades portuguesas e cooperar com elas. A investigação deveria ser feita aqui em Portugal", diz. "Onde é que nós somos um Estado soberano quando permitimos que autoridades estrangeiras, levianamente, venham a Portugal apropriar-se de investigações que a nós nos dizem respeito?", questiona.
"O poder judicial neste momento, com este caso, está de rastos... está de joelhos. Vêm aqui buscar investigações, então mas e Portugal não investiga?", questiona uma vez mais.
Gonçalo Amaral vai mais longe, lembra o caso do alemão Gerhard Branz - acusado de abusar sexualmente de uma mulher no Gerês e extraditado para Portugal para ser julgado no tribunal de Braga - e volta a questionar: "As coisas funcionam, porque é que só não funcionam no caso de Madeleine McCann?".
Eles vão acusar o homem [do rapto de Maddie] sem provas nenhumasNa opinião do antigo inspetor da polícia judiciária, tanto no caso de Maddie como no caso que condena Christian Bruckner por ter violado uma mulher de 72 anos na Praia da Luz, há várias falhas na investigação alemã.
"É uma investigação que não atenta aos pormenores, não confronta os testemunhos [...]. Há falta de rigor, falta de cuidado e imparcialidade. As autoridades alemãs não foram imparciais", refere.
"Christian Bruckner é acusado e condenado por violação, mas onde está o exame que diz que não há violação? Como é que se condena alguém por um crime que porventura não terá existido? Até poderá ter existido tentativa de violação, mas a violação não terá existido", defende Gonçalo Amaral com base num relatório que diz existir e ter sido feito à alegada vítima no hospital algarvio onde foi assistida após ser 'atacada' por Christian Bruckner.
"Nenhum tribunal alemão teve conhecimento do exame ginecológico realizado em setembro de 2005 à alegada vítima de violação, mas o individuo está preso e condenado por violação. Tudo é possível e por isso ele poderá ser acusado do rapto da Maddie", diz.
Estará para breve a resolução do caso Maddie?
Apesar da falta de provas que refere Gonçalo Amaral, este parece não ter dúvidas de que o caso irá resolver-se nos próximos tempos. "Eles [os alemães] vão acusar o homem sem provas nenhumas e vão levá-lo a julgamento", prevê, comparando a acusação de Christian Bruckner a muitas outras tentativas de acusação feitas anteriormente no caso Maddie a suspeitos que já morreram - tendo esta nuances diferentes pelo facto de Bruckner estar vivo.
"Esta é uma solução que os alemães procuram mas para a qual têm zero", atira, alertando para o facto de existir uma investigação portuguesa e para a possibilidade de o acusado cruzar o trabalho desenvolvido pelos dois países e conseguir 'livrar-se' das acusações.
"Os indícios que estão no processo português são muito fortes e são fortes no sentido de que ocorreu uma simulação de rapto. Enquanto não se esclarecer o porquê dessa simulação de rapto, nada mais é possível ir para a frente", aponta.
Pais de Maddie 'livres' de culpas?
"Não se pense que os pais da criança misteriosamente desaparecida estão à parte disto tudo. Não acreditem naquilo que anda por aí, isto é uma estratégia que lhes foi dada a conhecer há muito tempo e que só avança porque eles aceitaram que avançasse neste sentido", assegura.
O antigo inspetor da Polícia Judiciária termina o novo livro com a sugestão de várias diligências a serem feitas e que, acredita, podem ajudar na resolução do caso, sendo que muitas delas envolvem o casal McCann.
Gonçalo Amaral sugere que seja lido com atenção "o livro da mãe da criança desaparecida". Na sua opinião, é necessário perceber "porque é que ela omite e mente em várias situações".
"Não basta dizer, como estes pais dizem, a nossa filha estava ali e se não está é porque foi raptada", realça, deixando claro, uma vez mais, que na sua opinião é evidente que "alguém simulou um rapto".
Por fim, o antigo investigador realça a importância de "ter acesso ao histórico clínico desta criança" e só depois testar todas as hipóteses. "Não se sabe, por exemplo, se [Maddie] era alvo de abusos, como parece sugerir o episódio de Maiorca. Por outro lado, Maddie parecia denotar dificuldades de fala para uma criança de quatro anos".
Poderá uma nova providência cautelar impedir a venda deste livro?
Depois de ter enfrentado uma providência cautelar, interposta pelo casal Kate e Gerry McCann, que proibia a venda do livro ‘A Verdade da Mentira’’, Gonçalo Amaral garante não temer que o mesmo se repita com a obra que agora lança.
“Providência cautelar? Se não for como a última, que me foram à carteira durante 10 anos - penhoraram um terço do meu ordenado -, não temo”, assegura.
“Não temo porque o que aqui está é uma análise de um profissional da polícia. Nem o nome dos pais da criança desaparecida aqui consta, são sempre tratados como os pais da criança desaparecida”, atesta. 'Maddie: Basta de Mentiras' pretende “olhar para o caso de forma objetiva” e, por isso, “nada poderá levar a uma providência cautelar”, acredita Gonçalo Amaral.
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