"Já fui interpelada na rua. Foi importante porque não é fácil estar aqui"
Noémia Costa falou em exclusivo com o Fama ao Minuto sobre 'Travessia', a novela da Globo que se encontra a gravar no Brasil.
© Crédito: Adriano Fagundes/ Globo
Fama Noémia Costa
Embora ainda não tenha sido escrito, o percurso profissional de Nóemia Costa dava um livro dos bons. Quando foi forçada a viajar para o Reino Unido para trabalhar como assistente em cuidados de saúde, nada fazia prever que, dois anos depois, não só estaria de volta à representação como viajaria para o Brasil para integrar o elenco de 'Travessia', a nova 'novela das nove' da Globo.
É por lá, do outro lado do oceano Atlântico, que a atriz portuguesa vive, aos 58 anos, um dos maiores desafios da sua carreira - e da sua vida. Se, por um lado, Noémia sabe da responsabilidade que é representar Portugal através de Inácia, a personagem à qual dá vida, por outro não consegue esquecer as saudades da família, que nos dias em que está menos ocupada acabam por falar mais alto.
Foi numa entrevista exclusiva ao Fama ao Minuto que a artista contou como tem vivido as primeiras semanas desta experiência no Brasil, bem como o privilégio que tem sentido por representar ao lado de atores que se habituou a ver na televisão desde pequena.
Pedia-lhe que começasse por nos falar de Inácia, a governanta que interpreta nesta grande novela...
Esta novela é uma obra aberta, segundo a Gloria Perez [autora]. O que me foi dito é que seria um papel dramático, uma fase a que ainda não cheguei porque estamos no início da novela. A Gloria escreve sozinha, em pé e na cozinha [risos]. Numa conferência de imprensa que tivemos com 60 jornalistas, o que ela disse foi que a Inácia vem em representação de Portugal e da cultura do nosso país.
Ela disse ainda que a Inácia chega devagarinho à novela e depois vai explodir. Agora tenho gravado mais devagarinho, o que às vezes me deixa sem muito que fazer. Há dias em que gravo muito, outros em que não gravo mas tenho uma vista extraordinária para o mar e tenho tempo para fazer outras coisas que aí em Portugal não conseguia, como ler, pensar – que é muito importante… Esta Inácia tem-me feito muito bem.
A Globo não me traria para aqui, a pagar o que me paga, só para lhes dar despesa. Obviamente vou ter de trabalhar, mas tudo a seu tempo
E está curiosa com esse aumento de importância que lhe foi 'prometido'?
Penso que a Gloria não diria isto à frente de 60 jornalistas se não fosse verdade. A Globo não me traria para aqui, a pagar o que me paga, só para lhes dar despesa. Obviamente vou ter de trabalhar, mas tudo a seu tempo. Creio que a Inácia vai crescer, mas está tudo na cabeça da Gloria e eles aqui trabalham muito 'à pele'. Há cenas que gravei na semana passada que passaram ontem. Eles trabalham com obra aberta e com sondagem do público, a novela está em constante atualização.
Sou uma defensora de que não há grandes nem pequenos papéis. Isto foi-me dito pelo meu querido e saudoso Nicolau Breyner, quando eu era uma miúda. Estávamos a fazer o [musical] 'Annie' e ele disse-me: 'Minha querida, não há grandes nem pequenos papéis, há atores e há aqueles que não são atores'. Ele também me dizia que mesmo que seja para entregar uma carta e se consiga fazer a diferença como atriz, já se ganhou. Não me faz diferença que a Inácia ainda não tenha 'explodido' como foi dito.
Fiquei a morrer de vergonha. Mas o carinho daquela senhora foi muito importante para mim, porque não é fácil estar aqui
Como foi cruzar-se com a grandiosidade dos estúdios e do investimento em torno desta novela?
Os estúdios são realmente muito grandes, a dimensão do Projac [estúdios da Globo] é enorme. Ali fazem-se, há vários anos, grandes projetos. Têm, monetariamente falando, toda a capacidade para poder fazer estes projetos e fazê-los bem feitos. Se tiverem de perder uma hora a fazer uma cena, o realizador dá o tempo que for necessário para os atores conseguirem fazer bem a cena. Nós aí em Portugal conseguimos fazer milagres.
A Globo é uma empresa que pode dar-se ao luxo de ter tudo isto. O que acho, porque estou no terreno, é que os portugueses não estão atrás de ninguém. Quer a nível profissional, a nível de produção, de recursos humanos, não estamos atrás de ninguém de forma nenhuma. Estou no terreno, estou a ver o que se passa e sei perfeitamente que, em Portugal, a única coisa que nos falta é o reconhecimento enquanto atores.
Faz falta uma carteira profissional com reconhecimento da carreira, homologada pelo Ministério do Trabalho e com um sindicato que seja completamente apartidário, que também faz todo o sentido. Deixemo-nos de esquerdas, direitas e centros, isso não interessa nada. Interessa o reconhecimento em todas áreas, quer sejam atores e técnicos. Aqui no Brasil são reconhecidos. O sindicato aqui defende, efetivamente, os atores.
Agora, a Globo está a acabar com a exclusividade. A partir de agora, os atores estão como eu, contratados à obra. O que até é bom para os atores, que podem ir a um lado e depois a outro.
E já consegue sentir o apreço dos espetadores quando anda na rua?
Já fui interpelada na rua várias vezes. Aqui já fui a centros comerciais, ao teatro, já fui ouvir pagode e rodas de samba com amigos que me têm levado e ainda há muita coisa para ver, também vou estar aqui até maio.
Tenho muitas fãs brasileiras, e não é de agora, porque veem muito a SIC. No outro dia fui ao centro comercial e, de repente, veio uma senhora ter comigo. Eles são muito efusivos e ela conseguiu parar o piso inteiro do centro comercial. Começou a gritar 'não posso, é a atriz portuguesa Noémia Costa, a Inácia', e meteu toda a gente a ouvir. Fiquei a morrer de vergonha. Mas o carinho daquela senhora foi muito importante para mim, porque não é fácil estar aqui, não é de todo fácil. Não vamos dourar a pílula, porque não sou uma pessoa que diz o que não é verdade.
Sinto-me uma pessoa abençoada, embora a distância me esteja a custar muito
Tem-se sentido segura no Brasil?
A nível de segurança, está muito difícil. Deixei de ver notícias, não consigo, é extremamente duro. Tenho umas saudades inexplicáveis de Portugal. Não é só da minha família. Falo com a minha filha todos os dias, mais do que uma vez por dia, ela está sempre a mandar mensagens e eu vejo o meu neto, os meus irmãos e os meus sobrinhos… Mas não é só isso. Quando saio à rua não levo o telemóvel, não levo relógio nem nada nos dedos. Essas coisas só uso em casa para poder distrair-me da realidade.
O que a levou a aceitar este desafio sabendo que implicaria sair, uma vez mais, do seu país?
Para o Brasil vim fazer o que faço há 42 anos, que é representar. Vim viver uma experiência, conhecer pessoas diferentes… Há atores aqui que eu admiro. A Ana Lúcia Torre, por exemplo, é uma atriz que eu fui crescendo a ver quando as novelas brasileiras começaram a chegar a Portugal. Contracenar com ela é uma coisa que nunca me passou pela cabeça. A Ana Lúcia Torre veio cumprimentar-me ao camarim e disse-me 'venho-me apresentar e dizer-lhe que seja muito bem-vinda ao Brasil, toda a gente fala aqui de si', e eu fiquei a olhar para ela. Disse-lhe: 'é realmente um prazer enorme estar consigo, cresci a vê-la e é uma atriz extraordinária'. Além de uma atriz extraordinária, tem muita hombridade. Há atores que se põem num pedestal...
Para o Brasil vim fazer o que amo, para Inglaterra fui por necessidade de trabalho e porque não sou uma mulher de baixar os braços, nunca fui e não serei. Peço a Deus todos os dias que me dê força. Costumo dizer que o choro pode durar uma noite e que a alegria vem pela manhã. Sinto-me uma pessoa abençoada, embora a distância me esteja a custar muito. Porque estou velha, porque o meu neto, em dois meses, deu um pulo e eu vejo o Lucas à distância. Ele pede o colo da avó Nené.
Há colegas portugueses que vieram cá trabalhar em novelas e que falavam com um bocadinho de sotaque, mas eu não. Isso, para mim, é muito importante
Já vai sentindo que este desafio valeu a pena?
Claro que sim, porque estou a aprender constantemente. A vida é uma aprendizagem constante. Quando se está do lado de fora, consegue ver-se a essência das coisas e das pessoas. É como estar na plateia como espectador. Por isso tem sido uma aprendizagem fantástica.
De que forma tem sido recebida pelos atores brasileiros com quem tem contracenado?
Estou inserida num núcleo restrito, mas tenho sido muito bem recebida. A Vanessa Giácomo é uma mulher com uma sensibilidade grande e disse-me: 'Nunca se sinta sozinha. Tem aqui o meu número'. É uma das colegas que me tem dado colo. Fui muito bem recebida por todos, até mesmo pela realização. Toda a equipa tem um grande carinho por mim.
A Gloria Perez pôs a Inácia a cantar fado numa das cenas. Aqui no Brasil é difícil encontrar um músico que toque a guitarra portuguesa, mas os músicos portaram-se muito bem. Cantei e ninguém estava à espera que eu cantasse. Quando comecei a cantar no ensaio, os colegas ficaram de boca aberta. Quando terminei, a mesa que tinha o Rodrigo Lombardi, a Vanessa Giácomo, a Alessandra Negrini e a Ana Lúcia Torre levantou-se em bloco. A equipa toda adora fado e, no fim das gravações, vieram todos ter comigo e foi um calor humano muito grande.
Em que altura é que a ficha caiu e percebeu que estava, realmente, a viver esta experiência?
No primeiro dia em que fui gravar ao Projac. Não conhecia, aquilo é muito grande. Tudo o que é da Globo é gravado ali. Foi aí, quando entrei, que comecei a olhar e pensei ‘o que é isto?’. Quando disseram ‘ação’ foi quando me caiu a ficha. Só uma única vez é que o Mauro Mendonça Filho [realizador] me disse: 'Noémia, vamos ter de repetir a sua fala, falou depressa demais e depois o público não entende'. Aqui é tudo dobrado.
No outro dia, estava a ver televisão e estava a dar uma novela da TVI e os atores portugueses são todos dobrados. Mas não estou muito de acordo que se dobre a língua portuguesa. Por isso é que têm muita dificuldade em compreender-nos.
A Gloria Perez disse-me que precisava da minha ajuda para os ditados populares. O português deles é diferente a todos os níveis, principalmente a nível gramatical. Eles falam quase sempre no gerúndio, nós não. Sinto-me honrada por poder trazer a língua portuguesa de Portugal, porque eu não vou poder ser dobrada. Há colegas portugueses que vieram cá trabalhar em novelas e que falavam com um bocadinho de sotaque, mas eu não. Isso, para mim, é muito importante.
Todos precisamos que gostem de nós. Vinha no avião a ver as mensagens, a força que me deram e vim de coração cheio
Em abril de 2021, quando deu uma outra entrevista ao Fama ao Minuto, utilizou a palavra "travessia"… De que forma esta 'Travessia' está a ser importante nesta altura da sua carreira?
Aí, falei da "travessia" no deserto, mas foram os momentos em que mais aprendi. Aprendi muito em Inglaterra, principalmente a nível humano. Esta 'Travessia' é um oásis. Venho fazer o que amo, sou paga, estou num apartamento fantástico, com uma vista para o mar incrível que me ajuda a meditar e nas minhas conversas com Deus. Esta 'Travessia' é muito melhor e estou grata.
A Noémia faz parte de um grupo de atores portugueses que gravaram novelas brasileiras e, com quase todos eles, a porta ficou aberta para novos projetos. Tem interesse em gravar uma nova novela no Brasil depois de 'Travessia'?
Sim, a porta vai ficar aberta obviamente. Será uma questão de ponderar. Se houver um convite da Globo, penso que sim, será uma honra. Eu é que terei de me capacitar disso.
Tem-se sentido sozinha?
Sim, tenho momentos de solidão. Estar tão longe, sozinha… E há a questão da segurança. Quando saio à rua não vou com medo, vou com Deus. O pior inimigo é a nossa mente, portanto atraio sempre coisas boas. Mas também não posso andar com muito. Se não levar nada, não me levam nada. Tenho aqui um casal amigo. A Rita Porto, também é atriz, está cá há 11 anos e anda sempre com colares e anéis, na boa.
Quando se despediu temporariamente de Portugal, saiu em grande e acarinhada pelos portugueses. Sente que este é o reconhecimento da sua qualidade ao fim de tantos anos?
Quando saiu a notícia de que vinha para o Brasil, não tinha a noção de que gostavam tanto de mim. Uma coisa é o meu trabalho, outra sou eu enquanto pessoa. A minha página de Facebook profissional é a prova disso. Vim de alma cheia. Todos precisamos que gostem de nós. Vinha no avião a ver as mensagens, a força que me deram e vim de coração cheio. Interessa que isso também aconteça quando voltar.
Sou muito grata às pessoas que me fazem bem e oro muito pelas que me fazem mal. Por isso é que estou no sítio onde estou, porque muitos, durante muito tempo, fizeram mal. Eles sabem quem são
Refere-se à continuação desse reconhecimento?
Sim, continuar a haver trabalho. Creio que sim, que vai acontecer. Não preciso de homenagens, se as fizerem em vida é bom porque depois de morta não vale a pena, mas preciso de trabalhar. Um ator precisa de trabalhar para se manter vivo. Só me sinto viva e plena quando estou a produzir, a trabalhar. Creio que em maio, quando sair daqui e voltar para Portugal, já possa haver trabalho. Vamos ver.
E quando arrisca, viajando para o Brasil, sai com a confiança e com alguma palavra de segurança para quando voltar?
Penso que a SIC terá todo o interesse. Não ponho em causa as decisões do Daniel Oliveira, ele tem sido extraordinário. Não só comigo mas com os colegas da minha faixa etária e mais velhos. Sei que não vou poder ficar sem trabalho e que Deus permita que não.
O que a Noémia que esteve no Reino Unido sentiria ao ver a Noémia que está hoje numa novela da Globo, no Brasil?
No Reino Unido nunca me faltou fé, como nunca me falta. Passei uma fase muito difícil e falo muito com Deus. Tive muita fé e continuo a tê-la aqui, numa vertente diferente. Lá não pensava em vir para a Globo, chegou a altura em que disse: ‘Deus, achas que o propósito que tinhas para mim acabou?’. Ele falou logo comigo no dia em que o Adriano Luz me liga a dizer ‘miúda, apanha o avião e vem para casa’. Sou uma pessoa muito grata. Nunca me esquecerei do Adriano nem do Daniel Oliveira.
Sou muito grata às pessoas que me fazem bem e oro muito pelas que me fazem mal. Por isso é que estou no sítio onde estou, porque muitos, durante muito tempo, fizeram mal. Eles sabem quem são. Não posso viver no passado e escolhi viver em amor. O ódio não me traria aqui de certeza.
O que lhe vai dando força?
A minha filha, os vídeos que vejo do meu neto, as minhas conversas com Deus em que peço para me dar força para suportar o processo e chegar ao propósito dele. Toda a gente precisa de força, porque há sempre momentos de solidão. Não deixo a solidão usar-me, eu é que uso a solidão. Se começo a ficar muito em baixo, calço os ténis e vou para o calçadão. Estou aqui com um propósito e ele vai ser cumprido até ao fim, isso eu garanto.
Não existem paraísos na terra porque o mundo está um inferno, mas Portugal é um pequeno paraíso. (...) Não sou saudosista, sou uma portuguesa convicta de que nasci num país fantástico
Este projeto está a deixá-la feliz e realizada?
Sim, o projeto é bom. Vejo todos os dias a novela. Está no arranque, estreou em 10 de outubro, não tem muito tempo. Acredito na obra da Gloria. Estamos a falar de uma das maiores autoras que o Brasil tem. Ela dá a volta às coisas de uma forma que as pessoas dizem ‘uau’. Está a ter uma aceitação fantástica.
Uma das músicas da novela chama-se 'Saudades do Brasil'. Do que a Noémia sente mais saudades de Portugal?
Sempre dei valor a Portugal e detesto quando portugueses, como os que encontrei noutros países, falam mal de Portugal. Não são muitos que o fazem, mas há alguns. Em Portugal somos criados a dizer 'tu não és capaz, não vais conseguir'. Há que mudar mentalidades.
A minha filha era para ter nascido no Canadá, porque eu estava lá a trabalhar, a cantar num restaurante. Não o quis fazer porque queria muito que o bebé nascesse em Portugal. Gosto muito do nosso país, temos tudo. Não existem paraísos na terra porque o mundo está um inferno, mas Portugal é um pequeno paraíso. Tenho saudades da comida. O cheiro é diferente. Sinto saudades do cheiro de Portugal. Não sou saudosista, sou uma portuguesa convicta de que nasci num país fantástico.
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