"Se Meghan não fizesse aquele 'ultimato', Harry ainda servia o país"

Estivemos à conversa com Alberto Miranda, jornalista e especialista em famílias reais.

Notícia

© Alberto Miranda

Mariline Direito Rodrigues
19/01/2023 09:15 ‧ 19/01/2023 por Mariline Direito Rodrigues

Fama

Alberto Miranda

'Na Sombra': É este o nome do livro biográfico do príncipe Harry, lançado este mês, no qual o filho mais novo do rei Carlos III faz duras acusações à família real britânica. 

Alberto Miranda, jornalista e especialista em famílias reais, esteve à conversa com o Fama ao Minuto, tendo analisado a biografia e as polémicas declarações do duque de Sussex. 

Quais as impressões que tirou do livro do príncipe Harry?

Choca-me que um príncipe nascido e criado numa família real reinante exponha a sua intimidade na esfera pública e que isso faça parte da agenda mediática de todo o mundo. Esta narrativa é bastante complexa, e os intertextos reveladores da personalidade de Harry, que cresceu - sem querer ser psicólogo - de forma desastrosa. Tais revelações ao passarem para o domínio público, onde existe uma devassa da sua intimidade por vontade própria, mostram que ele cresceu psicologicamente instável. 

Ele faz um corte com essa máxima. Harry queixa-se, Harry explica-se

'Na Sombra' é um título que ilustra essa realidade.

Sim. O facto de não ser o príncipe herdeiro, de não estar destinado a reinar, mostra como isso o afetou. Ser o suplente marcou-o. Em todas as famílias reais existem as linhas de sucessão, isso faz parte da monarquia, e cada um sabe o posto que ocupa. É um livro intimista, mas que pisa a linha vermelha de alguém que nasceu no seio da família real britânica, que tem o lema de 'não se queixar, não se explicar'. Ele faz um corte com essa máxima. Harry queixa-se, Harry explica-se.

Notícias ao Minuto
© Objectiva  

Considera que existe uma culpabilidade na realeza? O palácio poderia ter agido de outra forma?

Atenção que não estou a defender a família real britânica nem a acusar o Harry. Estou a fazer uma leitura do que nos apresenta esta autobiografia. E autobiografia significa que foi ele que a escreveu, ainda que a troco de dinheiro. Mas há aqui uma contradição.

Qual?

Ele usa a sua privacidade para vender a própria privacidade. Quando sai do Reino Unido e decide abandonar as funções de príncipe, ele e a mulher,  Meghan Markle, acusam primeiro o constante assédio por parte da imprensa. Ele, de facto, sentiu-se acossado pela imprensa. Sai de Londres, dá uma entrevista a Oprah Winfrey, vai para a Netflix e agora o livro.

Se ele estava tão cansado da exposição da sua vida com Meghan, porque é que - e isto é uma interrogação que eu faço e que todos temos feito - sente esta necessidade de contar pormenores íntimos da sua vida? 

Notícias ao Minuto O príncipe Harry e Meghan Markle na entrevista que deram a Oprah Winfrey em 2021© Getty Images  

E nada disto tem sido fácil para a família real britânica.

Este livro é um duro golpe para a instituição, para a família real, para Carlos, que é o pai mas também o rei, para William, que é o irmão mas também o príncipe herdeiro. Há um ataque pessoal e institucional muito vincado. Harry quer expor a sua verdade, quer humanizar a sua causa.

 Harry sabe que a sua popularidade está em baixa. É para achar piedade, é para que as pessoas sintam carinho por elePorquê?

Porque ao sair do Reino Unido ele sabe que a sua popularidade está em baixa. É para achar piedade, é para que as pessoas sintam carinho por ele. Quer mostrar a sua verdade no sentido de dizer: 'eu fui uma vítima às mãos da família real'.

Há aqui um imbróglio: se não fala, a verdade que existe é a do Harry, se fala vai atacar o príncipe e eles não o querem fazer

E tudo isto é difícil de avaliar tendo em conta que só existe um lado da história, o de Harry. 

Dificilmente a família real britânica irá emitir um comunicado. Não faz parte do seu ADN falar sempre que há uma voz discordante. É de mau tom a própria casa real vir agora contradizer o príncipe. Há aqui um imbróglio: se não fala, a verdade que existe é a do Harry, se fala vai atacar o príncipe e eles não o querem fazer. Não nos podemos esquecer que estamos a falar deste livro porque ele faz parte da família real, ele já não é neto da rainha, mas o filho do rei. Fontes próximas, numa tentativa de reação, têm dito que tanto William como o pai estão devastados, profundamente tristes. Carlos e William percebem o que significa pertencer à família real. Os príncipes existem para servir.

A rainha, se estivesse viva, iria ver este livro com horror, porque tinha horror à devassa da sua intimidade e da família real

Imagina-se ainda qual teria sido a reação de Isabel II se estivesse viva.

Não deixa de ser curioso também que fontes próximas venham dizer que a perspetiva destas confissões de Harry tenha afetado e muito a saúde da sua avó, Isabel II. E, se pensarmos bem, a rainha, se estivesse viva, iria ver este livro com horror, porque tinha horror à devassa da sua intimidade e da família real. No tempo da avó, quando era rainha, ele ataca a instituição ao dizer que viviam numa gaiola e que conseguiu sair. Isto remete-nos para uma personagem central que é Meghan Markle, a mulher. 

Se Meghan não tivesse feito aquele 'ultimato', penso que Harry continuava a servir o país, porque isso está-lhe nos genes

Notícias ao Minuto Harry e Meghan Markle na série documental que gravaram para a Netflix © Reprodução - Netflix  

Meghan Markle também não estava preparada para o que iria encontrar quando se casou com Harry.

Meghan, ao casar com Harry, mostrou que não estava preparada para sofrer as pressões do que é ser um membro da família real. Kate, por exemplo, esteve 10 anos ao lado de William a perceber que sacrifícios é que isso implicava. É preciso uma grande preparação porque estas famílias são regidas por códigos muito antigos, é um grupo com um comportamento próprio, é um ethos. Markle não aguentou a pressão e pensava que as mesmas regras do 'star system' de Hollywood se iriam aplicar à realeza, mas a realidade era completamente diferente.

Ela pensava que ia brilhar, que o seu mediatismo ia também ser projetado no Reino Unido. Só que a 'Firma' era uma máquina bem oleada, com o palácio por trás, em que a rainha era o expoente máximo. Aos poucos começou a sentir-se engolida pela instituição. Contou que não se sentia bem, que não queria viver, confissões que apanharam Isabel II de surpresa, como se leu num comunicado. A vida desencadeou-se de forma quase descontrolada. Meghan não conseguiu perceber o que era ser um royal, o que era servir. Se ela não tivesse feito aquele 'ultimato', se eles não tivessem tomado a decisão conjunta de partirem, penso que Harry continuava a servir o país, porque isso está-lhe nos genes.  

Espanto-me ainda que ela tenha dito, um bocadinho até para incriminar o comportamento da Kate e do William, que estava descalça no primeiro jantar e que os abraçou, mas que eles eram muito formais. Os ingleses são muito formais, sejam ou não da realeza. São reservados por natureza. Esta passagem é para mostrar que William e Kate não são como as pessoas pensam. É para os culpabilizar. Tudo em busca de uma aceitação. 

Notícias ao Minuto Princesa Kate Middleton, príncipe William, príncipe Harry e Meghan Markle nas cerimónias fúnebres da rainha Isabel II© Getty Images  

Aceitação que conseguiu em larga escala entre o público norte-americano.

Os americanos estão habituados ao 'star system', às Kardashian, aos reality shows, mas a monarquia não é nada disso, é uma instituição muito séria. Tem fragilidades? Terá. Vivem no seu mundo? Sim. Mas isto [o livro] é uma ausência de sentido, de sensibilidade, de tato, de pudor. 

Harry fala também várias vezes da mãe, a princesa Diana, ao longo do livro. 

Ele usa a mãe muitas vezes para se justificar, para justificar as suas atitudes. Conta que dos 12 aos 20 anos acreditou que a mãe estava viva e que se tinha escondido. Isto revela que cresceu com este trauma. 

Notícias ao Minuto O príncipe Harry no funeral da mãe, a rainha Isabel II© Getty Images  

Ao colocar-se contra a família real, Harry estará também a sofrer ou continua a viver como sempre desejou, em liberdade?

Tudo isto está a causar mossa ao príncipe, porque ele está contra o pai. Toda a gente sabe que há esta guerra e a família real, por definição, é a primeira, a que existe para dar o exemplo. Este livro é notícia porque é a maior contradição deste princípio. 

E depois de todos estes ataques dizer que gostaria de fazer as pazes com a família... Harry diz que a intenção dele não é fazer mal ao pai ou ao irmão, mas para que se saiba a sua verdade. Vitimiza-se ao dizer que os ama, que não têm uma relação, que espera que algum dia a possam ter de volta, mas que neste momento não há vontade de reconciliação. 

Como é que vai ser a coroação de Carlos III?

Carlos sabe que tem este problema entre mãos, porque publicamente Harry está em choque com a família real. Acho que vai convidar o filho para estar presente, mas já se diz que vai suprimir uma tradição que era todos os duques prestarem vassalagem de joelhos. Para que Harry não participe dessa 'coreografia' vai suprimir isso. A presença de Harry e Meghan vai causar muito burburinho, vai ser muito falada. Penso que Carlos nesse momento especial poderia dar novos títulos a Archie e Lilibet [filhos de Harry e Meghan], que agora têm direito a ser príncipes, mas tendo em conta o panorama atual, ponho em dúvida esta possibilidade. Harry não é uma figura qualquer, pode ter vivido na sombra, pode ter sido menosprezado, mas nasceu e é um príncipe do Reino Unido. 

Harry não está a contar os tostões ao fim do mês e nem precisava destas entrevistas para manter o seu nível de vidaO que é que será de Harry daqui para a frente? Como é que se sustentará?

Com a Netflix e o livro já lá vão uns milhões. Ele próprio disse que vive com a herança que tem da mãe, que não era tão pouco quanto isso. Além disso, em 2002, quando a rainha mãe morreu, a sua bisavó, esta deixou-lhe uma fortuna muito grande, de milhões, superior à de William. Harry não está a contar os tostões ao fim do mês e nem precisava destas entrevistas para manter o seu nível de vida. 

Espero que ele agora, que contou a sua verdade, encontre paz, mas é muito triste e difícil um filho estar em desunião com o pai. Por muito que haja o perdão e a vontade de reconciliação vamos sempre lembrar isto, o mundo vai lembrar-se deste episódio: é um marco da vida de Carlos, William e Harry.  

Ele diz que não quer uma instituição, quer uma família, mas ele próprio é a instituição e não se consegue renegar o berço em que nascemos, seja ele pobre ou rico. Ele procura uma aceitação da sua verdade e às vezes a nossa verdade tem muitos contornos. 

Um dia que o casamento por hipótese acabe, Harry vai perceber que a contradição da vida dele foi fazer tudo por uma mulherE a vida dá muitas voltas...

A vida dá muitas voltas... Um dia que o casamento por hipótese acabe, Harry vai perceber que a contradição da vida dele foi fazer tudo por uma mulher, tendo por isso virado as costas ao irmão, ao pai e à instituição, ofendendo a memória da avó. Meghan prometeu-lhe uma nova vida e para ele a ideia de começar do zero foi uma miragem de felicidade. Esta promessa de começar do zero foi libertadora. Entretanto, a família real vai sobreviver a este escândalo e quem fica ostracizado por vontade própria foi quem se ostracizou.

Leia Também: Há esperança. Realeza quer resolver problema com Harry antes de coroação

Partilhe a notícia

Produto do ano 2024

Descarregue a nossa App gratuita

Oitavo ano consecutivo Escolha do Consumidor para Imprensa Online e eleito o produto do ano 2024.

* Estudo da e Netsonda, nov. e dez. 2023 produtodoano- pt.com
App androidApp iOS

Recomendados para si

Leia também

Últimas notícias


Newsletter

Receba os principais destaques todos os dias no seu email.

Mais lidas