"O meio da música é homofóbico e onde o assédio encontra terreno fértil"
Filipe Melo, músico e realizador de cinema, reagiu publicamente às graves acusações de violação que estão a abalar o mundo do jazz em Portugal.
© Reprodução Instagram - Filipe Melo
Fama Violação
"Nunca foi tão difícil colocar em palavras o que sinto. Sinto tristeza, sinto revolta, mas mais do que tudo o resto, sinto culpa". Foi desta forma que Filipe Melo deu início a um longo e profundo testemunho a respeito dos casos de assédio e violação que nos últimos dias têm abalado o mundo da música, em particular do jazz, em Portugal.
A espoletar a polémica está o pianista de jazz João Pedro Coelho, acusado pela artista Liliana Cunha de um crime de violação. Inúmeras outras jovens acusam-no igualmente de assédio sexual, fazendo crescer a tumulto.
"As notícias relacionadas com o meu meio, o jazz português, atingem onde mais dói. Os nomes que leio nos relatos do jornal são amigos de longa data, e é inevitável sentir uma sensação de completa desolação, perda e agonia", lamentou.
O músico e realizador de cinema admitiu que demorou a exprimir a sua opinião e explicou que o faz agora "por necessidade". "Não para me sentir melhor, mas porque o peso que trago em cima é demasiado grande para não ser partilhado, e é seguramente inspirado pelo momento particular que vivemos", referiu.
Assumindo que "o abuso e assédio no nosso meio (e em tantos outros) são o pão nosso de cada dia", Filipe Melo não poupou nas críticas: "Há que dizer com todas as palavras que o meio da música, em particular o meio do jazz, é um meio patriarcal, um meio profundamente homofóbico e onde o bullying e o assédio encontraram um terreno fértil".
"Este lado sombrio do nosso meio manifesta-se de inúmeras formas, desde a humilhação nas jam-sessions, ao assédio vindo de posições de poder, ao conluio silencioso - 'ah, mas ele é assim, não há nada a fazer'. Tudo isto resulta num comportamento generalizado de sociopatia que vai deixando inúmeras vítimas. Vítimas que felizmente ganharam a coragem para falar e para dar início a uma revolução há muito necessária", disse, assumindo o seu texto como "um pedido de desculpa às vítimas de toda esta forma de pensar e de agir".
"Revendo o meu percurso, e ao ver o passado com outros olhos, vejo o quão passivo fui e gostava de ter sido diferente, mas não sabia como. Ao normalizar alguns comportamentos, contribuí ativamente para esta perpetuação. Foi, portanto, de forma gradual e natural que, com alguma tristeza, me fui afastando do meu meio – da minha família – por sentir que ela já não me pertencia", lê-se na partilha, que mereceu 'aplauso' de várias artistas famosas.
"Do lado certo. Sempre", enalteceu Carolina Deslandes. "Obrigada", escreveu Marisa Liz. "Se o mundo todo fosse igual a ti", disse Sónia Tavares. João Manzarra mostrou igualmente o seu apoio: "estou contigo", bem como Rui Maria Pêgo: "bravo".
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