"O principal fator determinante do crescimento fetal é o ambiente nutricional e hormonal em que o feto se desenvolve. O termo 'programação metabólica' descreve um fenómeno através do qual a intervenção nutricional precoce, durante um período crítico e específico do desenvolvimento do feto, acarreta um efeito duradouro e persistente ao longo da vida do indivíduo, predispondo-o ou não a determinadas doenças. A nutrição fetal é onde tudo começa", explica Mónica Pitta Grós Dias.
A nutricionista e autora do livro 'A Importância da Nutrição na Gravidez' é uma das oradoras do webinar CUF Talks: 'A importância da nutrição na gravidez' - a decorrer amanhã, dia 21 de julho às 18h.
Para assistir basta aceder ao site da CUF neste link. O webinar é gratuito e nao é necessaria inscrição.
Nesta entrevista e no webinar Mónica Pitta Grós Dias irá abordar os temas: a importância de alimentação no período de preconceção; alimentação na gravidez - necessidades nutricionais e nutrição durante o período de amamentação.
Qual é a importância da alimentação na preconceção?
A forma como a mulher no período da preconcepção como da gravidez se alimentam marca o desenvolvimento genético do feto e pode ser determinante para o proteger de várias doenças graves, como a obesidade, até à idade adulta. A prevenção passa pela promoção de um apropriado estado de nutrição e por uma alimentação diversificada e equilibrada, que promova uma adequada oferta de nutrientes, antes e durante a gravidez.
O controlo de peso antes da gravidez não requer dietas restritivas, nem tão pouco devem ocorrer de forma abrupta. As recomendações de uma alimentação saudável, para mulheres que desejam engravidar e que necessitem de perder peso, sugerem uma alimentação equilibrada em quantidade e qualidade, atendendo aos princípios da variedade, moderação e satisfação.
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Uma dieta adequada pode de algum modo aumentar a fertilidade?
O estado nutricional pré-gestacional tem uma influência significativa no sucesso da conceção, devendo o peso corporal estar adequado em relação à estatura. A aferição mais usual desta relação é feita pelo Índice de Massa Corporal (IMC), que é calculado pela divisão do peso (kg) pela altura em metros ao quadrado (m2). Durante a preconceção, o IMC da mulher deve situar-se no intervalo de 18,5 e 24,9 kg/m2, considerando que valores abaixo ou acima desta faixa podem constituir risco para a saúde materna e/ou fetal. No atual cenário nutricional verifica-se que o excesso de peso em mulheres na idade reprodutiva representa um dos principais fatores de risco para a gestação, estando a prevalência de sobrepeso e obesidade relacionadas com a infertilidade. Por esta razão, recomenda-se a perda de peso, planeada e supervisionada, antes da gravidez, visando minimizar também possíveis intercorrências clínicas como a diabetes gestacional, síndrome hipertensivo, tromboembolismo, parto prematuro, entre outros, mais frequentes nestes casos de sobrepeso ou obesidade.
E durante a gravidez, qual é o papel da dieta?
O principal fator determinante do crescimento fetal é o ambiente nutricional e hormonal em que o feto se desenvolve. O termo 'programação metabólica' descreve um fenómeno através do qual a intervenção nutricional precoce, durante um período crítico e específico do desenvolvimento do feto, acarreta um efeito duradouro e persistente ao longo da vida do indivíduo, predispondo-o ou não a determinadas doenças.
A nutrição fetal é onde tudo começa. Os aportes nutricionais influenciam o desenvolvimento da estrutura e da expressão genética do feto no período que vai da conceção ao parto. Se esses efeitos serão positivos ou negativos dependerá da forma como a grávida agir durante esta fase. É importante que a grávida tenha boas indicações nutricionais, já que está provado que os primeiros dias após a conceção são talvez os mais importantes da programação genética.
Como é que aquilo que a mãe ingere influencia a saúde do bebé?
A nutrição e a alimentação são determinantes para a saúde. Carências ou excessos, quer em quantidade (energia e macronutrientes) quer em qualidade (equilíbrio e micronutrientes), resultam no compromisso do crescimento e da maturação quando ocorrem em idade pediátrica, e da saúde e expectativa de vida quando ocorrem em qualquer período do ciclo da vida. O tempo que decorre entre a conceção e os dois anos – 'Os primeiros 1000 dias de vida' – é um período de extrema sensibilidade e vulnerabilidade à ação do ambiente (particularmente da nutrição), na programação do binómio saúde/doença para o futuro, nomeadamente no que respeita à saúde óssea, à capacidade cognitiva e ao risco de doença crónica do adulto. Tal facto deve-se à elevada velocidade de crescimento, de diferenciação e de maturação celular que ocorrem nesta fase da vida. Situações de carência, de excesso ou de desequilíbrio nutricional na gravida ou no lactente funcionam como «agressores» que induzem respostas adaptativas de momento, visando a sobrevivência, respostas essas que a médio/longo prazo poderão ser desvantajosas, resultando em doença, ao longo do ciclo da vida.
Consumir determinados alimentos pode ser prejudicial para o feto?
A interação alimento/gene, particularmente a influência de certos nutrientes na expressão de alguns genes, resulta em diferentes respostas fisiológicas (de função) e morfológicas (de estrutura) que, em última instância, resultariam em expressões diferentes no que respeita à programação da suscetibilidade individual para a ocorrência de doença crónica, na trajetória da vida.
Mulheres com doenças crónicas - tais como diabetes ou hipertensão - necessitam de adotar uma dieta específica durante a gravidez?
O acompanhamento por uma equipa multidisciplinar durante a gestação traz benefícios, para evitar graves intercorrências para a mãe e para o feto.
O tratamento nutricional nestas situações começa pela mudança no estilo de vida para ter uma gravidez tranquila. Quando se constata hiperglicemia, o controlo do açúcar no sangue tem de ser mais apertado. Deverá verificar o açúcar no sangue, para certificar-se de que os níveis permanecem dentro do intervalo seguro, tal como no caso da hipertensão que também deve ser monitorizada e controlada. Adoptar uma alimentação variada utilizando porções saudáveis é uma das melhores maneiras de controlar o açúcar no sangue e evitar o ganho de peso. Não é aconselhada a perda de peso durante a gravidez – nesta fase, o organismo tem sobrecarga de trabalho e precisa de energia acrescida. Uma dieta saudável inclui frutos, legumes, grãos integrais, e limita os glícidos altamente refinados, como por exemplo os produtos de pastelaria e os alimentos açucarados.
As grávidas em risco devem ser sensibilizadas quanto à redução da velocidade do aumento de peso, e à melhoria dos hábitos alimentares e do padrão de vida. A dieta deve ser equilibrada, sem necessidade de grande restrição de sal: é aconselhado diminuir o consumo de produtos de charcutaria, alimentos industrializados e aperitivos ricos em sal - não ultrapassar os 5 g de sal diários.
E as mulheres que engravidam após os 35 anos, também devem ter cuidados dietéticos específicos?
Presentemente há um maior número de grávidas com idades mais avançadas e com múltiplas patologias – como diabetes, hipertensão, obesidade e outras –, que necessitam de apoio nutricional, que será um complemento para o sucesso da sua gravidez. Esse apoio nutricional deve ser individualizado e personalizado consoante as características inerentes à idade.
É seguro seguir uma dieta vegan ou vegetariana durante a gravidez?
Cada vez há mais mulheres com tipos de alimentação diferentes, como vegetariana, vegana ou outras que também precisam de apoio nutricional específico, para que a gravidez seja bem-sucedida e o feto se alimente adequadamente.
A suplementação de vitamina B12 e vitamina D em grávidas vegans deverá ser mantida ao longo de toda a gravidez. A questão da suplementação de óleo de peixe durante a mesma tem sido alvo de muito debate e pesquisas recentes, pois estes suplementos são geralmente muito ricos em vitamina A, podendo o excesso desta vitamina ser prejudicial ao feto.
E após o nascimento da criança e durante o período da amamentação: o que a mãe pode e não pode comer?
A alimentação da lactante (mãe que amamenta) durante a amamentação deve ser equilibrada e variada. Deve conter alimentos como cereais integrais, produtos lácteos, frutos, legumes e hortaliças. É importante restringir alimentos industrializados e com alto teor em gordura. Durante o período de amamentação, mesmo com o aumento do aporte calórico da dieta, a perda de peso é em média de 1 a 2 kg por mês, de forma gradual, e é provocada pelo elevado dispêndio energético na produção de leite. Geralmente, o aumento do apetite é mais elevado durante a amamentação do que propriamente durante a gravidez. O objetivo principal da alimentação durante o período de amamentação é promover a saúde da mãe e do bebé.
A alimentação da mãe impacta na quantidade e qualidade do leite?
O leite materno tem uma composição complexa, com variados elementos importantes para a saúde, crescimento, desenvolvimento e imunidade do bebé. Garante uma nutrição adequada como uma continuação da nutrição intrauterina, por isso o aleitamento materno é recomendado em regime exclusivo, como única fonte de nutrientes, nos seis primeiros meses de vida. A partir dos seis meses deve ser introduzida a alimentação complementar, mantendo o aleitamento durante os dois primeiros anos de vida.
A composição nutricional do leite materno pode ser influenciada por alguns fatores, tais como o estado nutricional da grávida, a idade materna, o estilo de vida, a ingestão alimentar, a doença materna (hipertensão arterial e diabetes mellitus), o estádio da lactação, entre outros. Contudo, ainda que seja amplo o leque de estudos que discutam os potenciais fatores associados à composição nutricional do leite materno, os resultados ainda são controversos. Estudos recentes demonstram que a ingestão alimentar materna, principalmente de ácidos gordos e alguns micronutrientes, incluindo vitaminas lipossolúveis, vitamina B1 e vitamina C, apresenta relação com o conteúdo da composição do leite materno.
A dieta materna pode influenciar as preferências da criança por certos alimentos. Se a alimentação da grávida e lactante (mãe que amamenta) é mais saudável, é provável que o bebé aceite gostos semelhantes quando iniciar a alimentação complementar. O mesmo é válido para dietas menos saudáveis: por via do leite materno, o bebé estará menos habituado a alimentos diversificados e saudáveis, portanto não desenvolverá hábitos tão saudáveis quanto poderia.
Como é que a alimentação da mulher pode ajudá-la a recuperar a boa forma física e mental após o parto?
O aleitamento materno é um processo abrangente, mais complexo do que o simples ato de nutrir. Amamentar promove um vínculo emocional único, forte e duradouro, entre a mãe e o bebé.
Ao estimular a produção de ocitocina, hormona responsável pelas contrações uterinas, a amamentação promove a involução mais rápida do útero, a vasoconstrição e a redução de hemorragias e infeções no período pós-parto. Mães que amamentam têm tendência para voltarem ao seu peso habitual mais rapidamente, pela estimulação da hormona prolactina, que ativa a lipoproteína lipase, enzima que promove a diminuição da gordura corporal.
O período pós-parto, sendo uma fase de grande transição na vida da mulher, poderá ser encarado como uma janela de oportunidade para iniciar um programa de exercício físico e, deste modo, implementar um estilo de vida mais ativo e saudável, influenciando positivamente o seu estado emocional.
Acha que o tipo de regime alimentar ingerido pode potenciar de alguma forma o desenvolvimento de depressão pós-parto?
Não existe relação direta entre a alimentação pós-parto e a prevalência de depressão pós-parto. No entanto, adotar uma alimentação e um padrão de vida saudável pode diminuir a probabilidade de desenvolver depressão pós-parto.
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