Desde o diagnóstico do filho, agora com cinco anos, com Síndrome de Dravet, que a advogada e cuidadora Rita Costa vive num “estado de vigília permanente”, conta ao Lifestyle ao Minuto. A Síndrome de Dravet é uma encefalopatia epiléptica grave, sem cura e com opções de tratamento limitadas, que se manifesta no primeiro ano de vida em crianças saudáveis. Segundo a cuidadora, estas crianças, além de terem várias convulsões por dia, também têm episódios convulsivos de duração superior a trinta minutos.
Esta síndrome, que tem associados défices cognitivos e motores, sendo a linguagem uma das capacidades mais afetadas, faz parte do grupo de doenças raras, cuja data de sensibilização mundial se assinala hoje. Joaquim Brites, também ele cuidador e Presidente da Associação Portuguesa de Neuromusculares (APN), explica ao Lifestyle ao Minuto que as doenças são consideradas raras quando a sua prevalência afeta uma em cada 2.000 pessoas – números que podem variar em função da realidade social e da consanguinidade de cada país. “Em Portugal, embora não exista nenhum estudo à população que defina a sua relação com os vários tipos de doença, estima-se que cerca de 4% dos portugueses sejam afetados por qualquer uma das que se calculam entre 6.000 e 8.000”, afirma.
De acordo com o especialista, no que respeita às doenças diagnosticáveis, e para as quais já existe tratamento, o principal desafio é o diagnóstico precoce. Mas quanto às doenças para as quais ainda não existem medicamentos, “é importante motivar a comunidade científica para a necessária investigação. Em meu entender, toda a comunidade deverá ter um papel de intervenção crescente nesta matéria, a começar pelas associações de doentes”, diz.
Ainda assim, o presidente da APN destaca uma progressão da ciência ao nível da inovação e da investigação das doenças raras. “Considerando que cerca de 80% destas doenças tem origem genética, a dificuldade em obter resultados aumenta e é uma das razões para que a inovação demore mais tempo a aparecer. Os últimos 20 anos trouxeram avanços muito significativos e resultaram numa enorme esperança para estas pessoas e para as suas famílias. O desenvolvimento da terapia genética revolucionou a pesquisa e queremos acreditar que revolucionará o mundo das doenças raras”.
O impacto da doença rara na vida do doente e do cuidador
A doença rara impacta, em grande medida, a qualidade de vida do doente e do cuidador. “Pelas características graves da doença, acabamos por resguardá-lo mais em casa do que uma criança normal e, apesar de adorar estar na escola, acaba por fazer um horário mais reduzido porque tem necessidade de descansar mais do que as outras crianças (parte por causa dos efeitos sedativos da medicação, parte pelo facto ter de despender mais esforço para acompanhar as atividades dos miúdos da sua idade)”, explica a cuidadora Rita Costa sobre o filho. Além de ser uma criança que visita o hospital mais vezes do que seria desejável.
Acresce que, devido às suas limitações, “também não consegue cultivar amizades com a facilidade de um miúdo normal porque não consegue acompanhar as brincadeiras de um miúdo da sua idade, pelo que são normalmente os miúdos mais velhos, já com mais maturidade, que se relacionam com ele. Esta dimensão do relacionamento social é difícil de ‘encaixar’. Raramente é convidado para uma festa”, descreve Rita.
No seu papel de cuidadora, Rita Costa diz que “o impacto de um diagnóstico destes na vida de qualquer família é o equivalente a um verdadeiro terramoto”. Além de viver num estado permanente de alerta e de emergência familiar e médica, existem consequências nas restantes dimensões da vida - das rotinas do dia a dia, às vivências pessoais e familiares.
Entre a necessidade de recorrer ao apoio de uma pessoa externa, a tempo inteiro, para acompanhamento do filho; as dificuldades de logística da gestão das consultas médicas, das prescrições, dos medicamentos, das terapias, das avaliações, dos exames; a despesa financeira; o abdicar das viagens de avião ou deslocações para sítios mais isolados ou de difícil acesso a veículos de emergência médica; e o cansaço que tudo implica; a cuidadora sublinha que “ter de lidar e gerir frequentemente crises convulsivas faz-nos viver em estado de vigília permanente, mesmo durante a noite, o que se torna absolutamente esgotante”.
As dificuldades são muitas. Sim. Mas, para Rita Costa, “apesar de todos preferimos não ter de lidar com a doença, seja ela qual for, a verdade é que ela também nos impacta de uma forma positiva”, garante.
“Tornamo-nos mais flexíveis, mais resilientes, aprendemos a aproveitar melhor os bons momentos (as boas fases, como lhes chamamos) e ficamos extraordinariamente surpreendidos com a nossa capacidade de resistência às contrariedades da vida. Os irmãos também se tornaram crianças mais resilientes e mais capazes de lidar com as emoções e as adversidades”, justifica. E acrescenta: “Não vejo a doença rara do nosso filho como um fardo. Ao longo dos anos tenho aprendido muito com ele. O nosso filho é um guerreiro incrível e é um privilégio ser a sua mãe”.
Como a pandemia veio afetar o dia a dia dos doentes e dos seus cuidadores
Segundo Joaquim Brites, “as limitações impostas nos cuidados de saúde primários, a falta de meios complementares de diagnóstico e terapêutica, como a medicina física e de reabilitação, já muito deficitários, impuseram um retrocesso irreparável na condição física de muitos doentes”. Em relação aos cuidadores, o profissional afirma que “alguns perderam o emprego, outros uma parte significativa do seu rendimento”.
Esse, felizmente, não foi o caso da cuidadora Rita Costa, que mantém o emprego mas aponta outras dificuldades. Para lá das mais comuns, vividas por todos os pais de crianças pequenas, nomeadamente em conciliar o teletrabalho com o encerramento das escolas, somam-se as dificuldades inerentes a uma criança com necessidades especiais e que exige uma rotina de acompanhamento permanente. “Além dos cuidados com a segurança e saúde, a Síndrome de Dravet também tem associados problemas comportamentais”, explica.
Para o presidente da APN, é “incompreensível” que estes ‘doentes raros’ não tenham sido incluídos na primeira fase do plano de vacinação contra a Covid-19. “Essas pessoas estão isoladas há um ano, com receio de serem infetadas. Muitas delas com uma esperança média de vida inferior aos 50 anos, com VNI [ventilação não invasiva], com doenças graves e com um sério comprometimento respiratório associado. Depois de ler e ouvir muitas opiniões dos profissionais mais reputados deste país, só encontro um termo para definir a situação – INEXPLICÁVEL”.
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