"As pessoas com perturbação bipolar passam por drásticas alterações de humor. Por vezes têm episódios maníacos, durante os quais se sentem muito felizes e mais enérgicas e ativas do que o normal. Outras vezes, passam por episódios depressivos, com sentimentos de profunda tristeza e quebra de energia", explica João Palha, Coordenador de Psiquiatria do Instituto CUF Porto.
Estima-se que até 1% (0,6 a 1 %) da população mundial sofra de PB, numa percentagem idêntica em ambos os géneros, atingindo os 4% a 12% se incluídas outras doenças do espetro bipolar.
Dados relativos à realidade nacional apontam que existem aproximadamente 200 mil casos diagnosticados de doença bipolar em Portugal.
E embora a genética possa ser um fator de risco, a verdade é que as causas desta patologia ainda permanecem envoltas em "várias incógnitas".
De modo a tentar entender todas as subtilezas e características deste transtorno psiquiátrico, que ainda está cercado por inúmeros mitos e desinformação, o Dr. João Palha explica nesta entrevista aquilo que tem mesmo de saber sobre a Perturbação Bipolar.
O que é a doença bipolar?
A doença bipolar é uma doença em que o doente, partindo da sua normalidade, humor 'normal', estável (designado de estado eutímico) passa por fases em que se encontra deprimido e/ou fases em que se encontra eufórico (mania). Temos assim marcadas oscilações do humor, com uma frequência e gravidade muito variável entre as pessoas portadoras desta doença. Estas variações do humor têm importantes consequências a todos os níveis da vida do doente, provocando franca disfuncionalidade.
Como é que a doença bipolar se distingue das normais flutuações nas emoções e humor que ocorrem ao longo do tempo?
É normal que, dentro do humor eutímico, as pessoas possam sentir variações do humor que oscilam entre a tristeza e a alegria. Não são sentimentos patológicos e são adaptativos/reativos a diferentes situações. Por exemplo: tendo uma filha doente é normal que se fique triste e preocupado. Com o passar dos dias e as melhorias da filha o humor volta ao normal.
As normais flutuações de emoções e humor são auto-limitadas no tempo e na intensidade e não provocam disfuncionalidade de quem as sente, nem do ponto de vista pessoal, laboral ou social.
Quais são os sintomas deste transtorno?
As pessoas com perturbação bipolar passam por drásticas alterações de humor. Por vezes têm episódios maníacos, durante os quais se sentem muito felizes e mais enérgicas e ativas do que o normal. Outras vezes, passam por episódios depressivos, com sentimentos de profunda tristeza e quebra de energia.
Os sintomas mais comuns durante os episódios maníacos são energia excessiva, com grande agitação e aceleração do pensamento, que pode ser observada por um discurso muito rápido e por vezes confuso; sentimentos eufóricos e crenças irrealistas, que fazem com que a pessoa se sinta com uma autoestima exacerbada; diminuição da necessidade de sono, podendo passar dias com pouco ou nenhum sono, sem se sentir cansado; descontrole de impulsos, que podem manifestar-se por gastos excessivos e comportamentos imprudentes; conduta sexual inadequada; abuso de drogas e comportamentos paranóicos.
Já os sintomas dos episódios depressivos são os mesmos que se manifestam em quem sofre de depressão: tristeza profunda e persistente; alterações no sono; redução do apetite e perda de peso ou aumento do apetite acompanhado por aumento de peso; irritabilidade ou agitação; dificuldades de concentração e em tomar decisões; fadiga ou perda de energia; sentimentos de culpa e impotência e pensamentos suicidas.
Entre as fases maníacas/hipomaníacas e as fases depressivas o doente encontra-se na fase eutímica (normal). O objetivo do tratamento é manter o doente na fase eutímica.
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E as causas?
A doença bipolar é uma doença que ainda encerra várias incógnitas. Tem-se vindo a colecionar estudos e conhecimento, mas certezas ainda são poucas.
Assim, destacaria como fatores alvo de maior atenção:
- estrutura e funcionamento cerebral: existem algumas diferenças entre as pessoas portadoras de doença e as não portadoras; é o caso da possível desregulação da transmissão das monoaminas e/ou glutamato e de alterações a nível do córtex pré-frontal, entre outras.
- genética: têm sido atribuídas responsabilidades a um conjunto de genes, que se mantêm alvo de estudos, incluindo em localizações perto ou no cromossoma 1, 6, 10, 18 e 21.
- história familiar: a história familiar de doença bipolar é um dos fatores de risco mais fortes e consistentes para doença bipolar. Há um risco médio 10 vezes superior entre adultos que sejam familiares de pessoas com esta doença e a magnitude do risco aumenta com o grau de parentesco.
É possível prevenir o transtorno bipolar?
Como na maioria das doenças, a vida saudável e com rotinas é um importante fator preventivo do despoletar da doença, que pode aparecer mais tarde e de forma menos intensa e disfuncional.
Pelo contrário, uma vida stressada, sedentária, desregulada, com consumos excessivos de álcool ou consumo de drogas, entre outros, pode contribuir para o aparecimento precoce desta doença.
João Palha, Coordenador de Psiquiatria do Instituto CUF Porto
© DR
Esta doença pode ser hereditária?
A Perturbação Bipolar tende a ocorrer em famílias, tendo por isso uma predisposição genética. Mas embora o facto de um familiar direto ter a doença aumente a probabilidade da pessoa vir a desenvolver a mesma, isso acontece apenas numa pequena percentagem dos casos.
É importante lembrar que os fatores ambientais serão sempre importantes para o desenvolvimento da doença. Se falamos que é hereditário significa que a doença será inevitavelmente desenvolvida e isso não é correto.
Tende a surgir ou a manifestar-se em que faixa etária?
Pode surgir em qualquer idade, mas é mais comum entre o fim da adolescência e o início da idade adulta, com a idade média de início aos 18 anos.
Afeta homens e mulheres da mesma forma?
Aproximadamente até 1% (0,6 a 1 %) da população sofre de doença bipolar, numa percentagem muito idêntica entre sexos.
Como é feito o diagnóstico?
O diagnóstico é clínico. Não existem exames complementares de diagnóstico que suportem este diagnóstico. Compete ao psiquiatra proceder à avaliação de cada caso e confirmar, ou não, o diagnóstico. Para que se possa fazer o diagnóstico de doença bipolar, o doente tem de ter tido pelo menos uma fase maníaca ou hipomaníaca na sua vida.
O seu diagnóstico precoce é fundamental para um tratamento correto e para um bom prognóstico, pelo que se aconselha a procura de um especialista em saúde mental na presença dos sintomas descritos.
Que tipo de tratamentos existem para a doença bipolar?
O tratamento será biopsicossocial:
. Por um lado temos o tratamento farmacológico (bio), onde se destaca a necessidade de se tomar um estabilizador de humor, sendo o mais conhecido o lítio. De acordo com as fases da doença pode ter de se usar medicação antidepressiva ou antipsicótica. Nos casos graves poderá haver necessidade de se realizar eletroconvulsivoterapia, bem como acionar o recurso do internamento hospitalar;
. O tratamento psicológico, é extremamente importante nesta doença, com destaque para a psicoeducação, onde se explica ao ao doente o que é a doença bipolar, fatores de risco e prevenção e da necessidade da adesão ao plano de tratamento (é usual não haver adesão ao tratamento quando as pessoas se sentem bem/eutímicas ou estão em fases eufóricas);
. E a parte social, onde podemos estimular para uma vida saudável, onde se privilegiam as rotinas, com bons hábitos de sono, alimentação e desporto, bem como uma vida sociofamiliar boa e securizante.
Tem cura?
A doença bipolar tem tratamento e nas fases eutímicas, em que não há doença ativa, a pessoa sente-se como que 'curado'.
Qual é a prevalência desta patologia em Portugal e no resto do mundo?
A prevalência é similar nas diferentes partes do mundo. Aproximadamente até 1% (0,6 a 1 %) da população sofre de doença bipolar.
Como é que a doença bipolar impacta a vida dos doentes?
A doença bipolar, tal como todas as doenças crónicas, afeta a vida da pessoa dependendo da sua gravidade e do seu controlo.
Podemos dizer que uma doença bipolar bem tratada e com adesão do doente a todo o processo pode fazer com que o impacto desta na vida da pessoa seja pequeno. Temos o exemplo de várias pessoas famosas e com sucesso portadoras de doença bipolar que têm tornado pública a sua experiência e mostram que é possível lidar bem com a doença.
À medida que a gravidade da doença aumenta e/ou a adesão ao tratamento diminui, a doença bipolar pode chegar a ser totalmente incapacitante, tendo um impacto tremendo na vida do doente.
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