Em tempos de pandemia, se, para alguns, a vida laboral regressou à normalidade possível, há quem permaneça em teletrabalho a tempo inteiro ou de forma intervalada. E, entre dar atenção aos filhos, cuidar da casa, telefonemas e e-mails, a alimentação passa para segundo plano. O verbo 'petiscar' torna-se presença assídua no dia-a-dia destas pessoas e os números na balança não enganam. No entanto, nem sempre a proibição é sinónimo de perda de peso.
É aqui que entra a 'dieta' flexível, um regime alimentar com poucas regras, feito "a pensar nas pessoas que já estão descrentes de todas as dietas e já tiveram várias experiências mal sucedidas de perda de peso", explica, em entrevista ao Lifestyle ao Minuto, Pedro Carvalho, diretor clínico da YES!diet, que acaba de lançar uma campanha cujo o mote é 'Faz as pazes com a comida'.
"É a dieta que se tem de ajustar à pessoa e não a pessoa que se tem de ajustar à dieta", defende.
Trabalhando em casa de forma isolada podemos comer praticamente tudo o que quisermos sem sermos observados
O teletrabalho veio mudar a nossa alimentação. Quais as consequências?
O teletrabalho trouxe mais sedentarismo e acesso mais facilitado aos alimentos existentes em casa, sejam eles equilibrados ou não. O principal problema é a monotonia do teletrabalho e a falta de inibição social na alimentação, que acontece naturalmente num escritório partilhado. Trabalhando em casa de forma isolada podemos comer praticamente tudo o que quisermos sem sermos observados e, naturalmente, o comportamento alimentar torna-se muito diferente daquele que existe num contexto onde mais pessoas partilham o mesmo espaço. Uma boa percentagem das pessoas mudou os seus hábitos alimentares para pior, sobretudo no primeiro confinamento, onde existia um maior medo do vírus e a novidade no confinamento foi superior.
E à medida que o tempo foi passando?
Foram adquiridas novas rotinas na alimentação e no treino para minorar os danos, sendo certo que a tendência é sempre negativa, quer na prática de atividade física quer na qualidade da alimentação
© DR
Como é que se consegue não cair no erro de estar constantemente a petiscar?
O primeiro passo é controlar os alimentos que entram em casa. Num contexto onde o acesso é mais fácil e a possibilidade de fazer mais pausas alimentares também, todos os alimentos existentes no frigorífico e despensa têm de ser criteriosamente escolhidos. Bolachas, batatas fritas e frutos gordos são alimentos altamente apelativos. Nunca se conseguem comer apenas duas ou três unidades! Estruturar o dia de trabalho da mesma forma que o trabalho presencial é importante, com horas definidas para pequeno-almoço, meio da manhã, almoço, lanche e jantar.
O plano alimentar é 'negociado' entre nutricionista e paciente
É aqui que entra a dieta flexível?
A dieta flexível não é bem uma 'dieta' com regras definidas. A regra é justamente não haver regras ou, pelo menos, as regras 'clássicas' que todos estamos habituados a ouvir. Não há obrigatoriedade de tomar pequeno-almoço ou de comer de três em três horas, nem existem alimentos 'proibidos'. Os únicos pontos chave passam pela existência de restrição calórica, caso contrário não há emagrecimento, a prática de exercício físico, de acordo com as possibilidades e preferências de cada pessoa, e uma boa ingestão de proteína, para que não exista tanta fome ao longo do dia e não se perca massa muscular. Continua a existir preocupação com a qualidade de dieta ao nível de ingestão de fruta e legumes, mas sempre da forma mais confortável para a pessoa.
Qualquer pessoa pode seguir este regime alimentar?
Esta 'dieta' é ideal para todos, uma vez que a sua função é precisamente adaptar-se às rotinas. Mas é feita justamente a pensar nas pessoas que já estão descrentes de todas as dietas e já tiveram várias experiências mal sucedidas de perda de peso por inadequação das mesmas às suas preferências. Na consulta inicial é avaliado todo o historial clínico da pessoa, bem como o local e o horário das refeições, para além de uma avaliação detalhada e manual da composição corporal para se saber a massa gorda e massa muscular. A partir daí, o plano alimentar é 'negociado' entre nutricionista e paciente para garantir que não vai comer nada que não goste em horários que não são normais para si. Também será feita uma sugestão de alimentos e refeições, tendo em conta a disponibilidade e gosto na confeção dos mesmos. Mesmo pessoas sem tempo e sem grandes habilidades culinárias têm, hoje em dia, à disposição uma vasta gama de produtos e refeições já prontos a comer que fazem com que este já não seja um entrave a uma alimentação saudável e equilibrada.
Existe um 'plafond' calórico para gerir diariamenteSendo assim, esta 'dieta' não implica praticamente alterações...
O objetivo é não mudar muito em relação ao que a pessoa já faz atualmente, sobretudo nas horas e locais das refeições. Quanto mais díspar for um plano nutricional da alimentação de base de cada pessoa, mais difícil será a adesão e adaptação ao mesmo. Quem não tem fome de manhã não é obrigado a tomar pequeno-almoço, quem gosta de comer 'hidratos' à noite, pode fazê-lo nas devidas quantidades, quem gosta de pão ou batidos ou papas de aveia, pode continuar a fazê-los diariamente. Existe um 'plafond' calórico para gerir diariamente e depois cada pessoa poderá ajustar isso em função das suas preferências alimentares.
Podemos, então, comer hambúrgueres e pizza?
A dieta flexível não deve ser um pretexto para a ingestão diária de fritos, 'fast food', alimentos excessivamente açucarados e gordurosos.
Mas este regime alimentar não pode ter o efeito contrário? Isto é, ser utilizada como pretexto para a ingestão de açúcar, gordura e sal...
Pode, caso estes princípios sejam mal interpretados. Emagrecer por si só já irá melhorar bastantes parâmetros metabólicos, mas o objetivo será sempre fazê-lo cumprindo todas as recomendações nutricionais existentes para vitaminas e minerais de forma que não exista nenhuma carência nutricional.
Quais são as calorias ideais por refeição?
Vai variar consoante o sexo, idade, altura, peso e nível de atividade física da pessoa e também do número de refeições que se sente mais confortável a fazer diariamente. Não é uma dieta 'chapa 5' e igual para todas as pessoas, por isso não há um número certo de calorias por dia nem por refeição.
No seu entender, quais são os benefícios?
O maior benefício é ajustar a alimentação ao quotidiano profissional e familiar de cada pessoa em vez de ser ao contrário. É a dieta que se tem de ajustar à pessoa e não a pessoa que se tem de ajustar à dieta. A manutenção de alimentos/refeições 'fetiche' e de grande valor emocional também é um grande benefício. Pessoas que não passem sem a meia de leite e o pão com manteiga ou com chocolate diariamente, não têm de abdicar delas, desde que depois consigam ajustar a alimentação nas outras refeições para terem 'créditos calóricos' para elas.
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