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Polipose nasal. Que doença é esta que 'rouba' o olfato e como tratar

A 20 de abril celebrou-se o primeiro Dia Mundial da Consciencialização para a Rinossinusite Crónica Grave com Polipose Nasal. Mas, afinal, o que é, quais os sintomas e tratamento? O Lifestyle ao Minuto esteve à conversa com dois especialistas.

Polipose nasal. Que doença é esta que 'rouba' o olfato e como tratar
Notícias ao Minuto

08:35 - 02/05/22 por Ana Rita Rebelo

Lifestyle Entrevista

Em Portugal, o primeiro medicamento aprovado pelo Infarmed para tratar doentes com rinossinusite crónica grave com polipose nasal (RSCcPN), uma doença inflamatória crónica, com sintomas semelhantes à infeção por Covid-19,  é a nova esperança destes doentes. Trata-se de uma patologia que pode provocar uma sensação permanente de nariz entupido e uma perda parcial (hiposmia) ou total (anosmia) do olfato.

A RSCcPN tem uma prevalência global estimada entre cinco a 16% na população adulta. Por cá, alguns estudos apontam para uma prevalência de rinossinusite crónica de cerca de 11%, dos quais aproximadamente 4% correspondem a rinossinusite crónica com polipose nasal, referem Diogo Valente Dias e Luísa Azevedo, médicos otorrinolaringologistas no Centro Hospitalar Baixo Vouga, em Aveiro.

Para Luísa Azevedo, "apesar de termos assistido a uma sensibilização crescente" em torno da doença, "continuam a existir atrasos na referenciação, impedindo uma atuação precoce, essencial para atingir um controlo mais adequado da doença.

A rinossinusite crónica é uma das doenças crónicas mais comuns no mundo

Antes de mais, o que é a RSCcPN, também conhecida como polipose nasal?

Diogo Valente Dias (DVD): A RSCcPN corresponde a uma inflamação crónica, com mais de 12 semanas, da mucosa de revestimento dos seios peri-nasais, espaços preenchidos por ar no interior dos ossos da face e do nariz, que se associa à existência de pólipos nasais, que consistem em formações benignas de tecido inflamatório que surge a partir da mucosa de revestimentos dos seios peri-nasais e nariz. 

Qual a prevalência da doença no mundo?

DVD: A rinossinusite crónica é uma das doenças crónicas mais comuns no mundo, com uma prevalência global estimada entre cinco a 16% na população adulta. Nos Estados Unidos, por exemplo, constitui a quinta causa mais comum para prescrição de antibióticos, e os seus custos foram estimados em seis mil milhões de dólares, implicando uma perda de produtividade correspondente a 50 milhões de dias por ano, valores que ilustram o impacto desta patologia.

E em Portugal, estão diagnosticados quantos casos? 

DVD: Recentemente, foi desenvolvido um estudo em Portugal que corrobora o grande impacto económico desta patologia. Por cá, alguns estudos apontam para uma prevalência de rinossinusite crónica de cerca de 11%, dos quais aproximadamente 4% correspondem a rinossinusite crónica com polipose nasal. No entanto, a informação acerca da prevalência da rinossinusite crónica com polipose nasal é limitada, uma vez que os estudos actualmente disponíveis se baseiam essencialmente em inquéritos sobre as queixas do doente. Estudos internacionais sugerem valores de prevalência também na ordem dos 3%.

A prevalência da polipose nasal tende a aumentar com a idade

Surgem quantos novos casos por ano?

DVD: Mais uma vez, os dados são escassos, mas alguns estudos sugerem incidências na ordem dos 80 casos por 100 mil habitantes, por ano.

A doença afeta mais homens ou mulheres?

DVD: Não está identificada de forma clara preponderância de um género sobre o outro. 

E a incidência é maior em  que faixa etária?

DVD: Afeta, sobretudo, indivíduos com idades compreendidas entre os 30 e 60 anos, sendo que a prevalência da polipose nasal tende a aumentar com a idade.

Esta patologia tem causas identificadas?

DVD: No caso particular da RSCcPN, estão identificadas algumas alterações ao nível da regulação da resposta inflamatória do nosso organismo que provocam a doença. Existe uma produção aumentada de mediadores inflamatórios (inter-leucinas), que por sua vez vão desencadear uma resposta exagerada nas mucosas dos seios peri-nasais e nariz com a infiltração destes tecidos por células do sistema imune que incluem eosinófilos, mastócitos, linfócitos, células T. No fundo uma desregulação a montante (sistema imunológico) origina uma resposta inflamatória desproporcional a jusante (mucosa dos seios peri-nasais e nariz).

É uma doença impactante e que reduz a qualidade de vida dos doentes, comparável à dor lombar, doença pulmonar obstrutiva crónica e à patologia cardiovascular. 

Quais os sinais de alerta e sintomas?

DVD: Queixas prolongadas de obstrução nasal, rinorreia (corrimento nasal), cefaleias (dores de cabeça), sensação de dor ou pressão sob a face e perturbações do olfato são os principais sinais e sintomas que devem motivar a ida a um médico. 

Qual o impacto da doença na qualidade de vida dos doentes?

Luísa Azevedo (LA): O impacto dependerá sempre da severidade da doença, indo desde a simples queixa de obstrução nasal até complicações potencialmente fatais. De um modo geral, é uma doença impactante e que reduz a qualidade de vida dos doentes, comparável à dor lombar, doença pulmonar obstrutiva crónica e à patologia cardiovascular. Sabemos também que, quando coexiste polipose nasal, aumentam os gastos médios com o nosso doente e o consumo de recursos humanos e materiais (mais consultas, episódios de ida à urgência, medicamentos, cirurgias, etc.), para além de custos indiretos relacionados com a baixa produtividade e o absentismo.

E para quem tem comorbidades associadas, como asma?

LA: Em relação à presença comórbida de asma (cerca de 60% dos doentes com RSCcPN), as nossas vias respiratórias superiores e inferiores estão interligadas anatomicamente e partilham mecanismos de defesa imunológica, o que faz com que doenças das vias superiores (RSCcPN) possam desencadear ou agravar doenças das vias inferiores (asma), e vice-versa. Assim, doentes com RSCcPN e asma têm, regra geral, graus de doença mais grave, com maior severidade de obstrução nasal e perturbação do olfato, pior controlo e mais agudizações da asma, pior qualidade de vida e mais custos de saúde associados. Outras comorbilidades tipicamente associadas à RSCcPN incluem a rinite alérgica (60%) e a doença respiratória exacerbada pela aspirina (15%).

Como é feito o diagnóstico?

LA: O diagnóstico é desde logo clínico, tendo em consideração os sinais e sintomas já descritos. A observação endoscópica das fossas nasais é mandatória, podendo ser complementada por tomografia computorizada das fossas e seios peri-nasais para uma melhor caracterização da doença. Em casos específicos e na suspeita de complicações poderá ser utilizada a ressonância magnética.

As formas de diagnóstico atualmente disponíveis são suficientes e eficazes?

LA: Utilizadas em conjunto são suficientes para um diagnóstico acertado e atempado.

Em que consiste o tratamento?

LA: Numa fase inicial, o tratamento é 'médico', com recurso a fármacos, passando pela utilização de corticóides intra-nasais ou sistémicos (orais, por exemplo) e lavagens nasais com soluções salinas.

E quando não é suficiente?

LA: Quando o tratamento médico não é suficiente para o controlo da doença, pensamos na opção cirúrgica, que pode ir desde a cirurgia endoscópica clássica a uma intervenção mais alargada. Ultimamente, têm ainda surgido novas armas terapêuticas, nomeadamente os agentes 'biológicos'.

Estudos demonstram que este novo medicamento é eficaz e seguro, trazendo benefícios no controlo dos sintomas e na melhoria da qualidade de vida dos doentes

Em Portugal está agora também disponível e aprovado pelo Infarmed o primeiro medicamento para esta patologia. 

LA: O primeiro medicamento dos chamados agentes 'biológicos' aprovado em Portugal é o Dupilumab. Este novo fármaco é um anticorpo monoclonal, pertencente a uma classe de medicamentos que atua no nosso sistema imunológico, no caso da RSCcPN diminuindo a resposta inflamatória que é responsável pela doença. Falamos de fármacos que vêm sendo utilizados, cada vez com melhores resultados, noutras patologias (neoplasias, doenças auto-imunes, asma, dermatite atópica, entre outras).

Há dados sobre a sua eficácia?

LA: No caso da RSCcPN, os estudos demonstram que este novo medicamento é eficaz e seguro, trazendo benefícios no controlo dos sintomas e na melhoria da qualidade de vida dos doentes, sobretudo com patologia grave e não controlada. Representam por isso uma esperança e um passo importante para este grupo significativo de doentes, que até à data obtinham um difícil controlo, com recurso a sucessivas intervenções cirúrgicas e ciclos de corticoterapia sistémica.

Diria que esta é uma doença desvalorizada?

LA: Apesar de termos assistido a uma sensibilização crescente em torno desta doença, continuam a existir atrasos na referenciação, impedindo uma atuação precoce, essencial para atingir um controlo mais adequado da doença. Desta forma, salienta-se a importância da sensibilização junto da população e dos cuidados de saúde primários, por forma a garantir a observação e orientação célere destes doentes em contexto hospitalar por equipas multi-disciplinares que incluem não só a otorrinolaringologia, mas também a imuno-alergologia e a pneumologia.

Leia Também: Polipose nasal: O que é e quais os sintomas desta 'constipação' sem fim

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