A pensar na procriação medicamente assistida? Eis tudo o que deve saber
Pedro Xavier, presidente da Sociedade Portuguesa de Medicina de Reprodução e membro da Comissão Nacional de Procriação Medicamente Assistida, aponta os vários tratamentos disponíveis e as taxas de sucesso dos diferentes procedimentos.
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Lifestyle Entrevista
A pandemia de Covid-19 atrasou os tratamentos de procriação medicamente assistida (PMA) no setor público. Entretanto, numa altura em que as doações são residuais, muitas destas pessoas com dificuldades em ter filhos biológicos atingiram o limite de idade para aceder a tratamentos de fertilidade.
"O impacto foi muito significativo e, infelizmente, com graves consequências para os seus beneficiários, sobretudo para os que se encontravam em lista de espera no Serviço Nacional de Saúde", explica Pedro Xavier, presidente da Sociedade Portuguesa de Medicina de Reprodução e membro da Comissão Nacional de Procriação Medicamente Assistida, ao Lifestyle ao Minuto. O aumento desse tempo de espera foi de cerca de seis meses e "passados dois anos ainda não foi possível qualquer recuperação".
Os termos infertilidade e esterilidade são frequentemente utilizados como sinónimos, embora tal não seja correto. Quais as diferenças?
A infertilidade consiste na ausência de uma gravidez viável após um ano de relações sexuais regulares, sem uso de contraceção. Ou seja, quando há uma notória dificuldade em engravidar, sem que haja uma causa que impeça de forma definitiva que tal possa vir a acontecer. Já o termo esterilidade aplica-se quando está identificada uma causa que impede de forma definitiva a ocorrência de uma gravidez natural, tal como é o caso da ausência de produção de espermatozoides ou a oclusão das duas trompas uterinas.
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Quais são as causas mais frequentes de infertilidade feminina?
O destaque vai para as falhas da ovulação e para a patologia das trompas uterinas, do útero ou dos ovários. A idade da mulher é cada vez mais um fator adicional de infertilidade e determinante para a eficácia do seu tratamento.
O diagnóstico é cada vez mais tardio. Nesse sentido, quais os principais desafios?
A grande consequência desse diagnóstico tardio é o início dos tratamentos em idades onde a eficácia já é menor. Por outro lado, o sofrimento prolongado leva a que em muitos casos os casais cheguem a essa fase muito degastados. A estratégia deve ser sensibilizar os profissionais de saúde e os próprios utentes para este problema, de modo a que tudo possa ser concretizado num espaço de tempo mais curto.
Quem deve considerar a congelação dos ovócitos? As mulheres, que tendem a ter os filhos em idades cada vez mais tardias, devem ser incentivadas a congelar os óvulos?
Há dois tipos de indicação para a congelação de ovócitos. Quando existe a necessidade de realizar algum tratamento médicos ou cirúrgico que ponha em risco a integridade do ovário ou o património de óvulos. Neste caso a congelação de óvulos é dita de 'causa médica'. Nos casos em que a mulher pretende preservar o seu potencial reprodutivo, porque, por exemplo, apesar de uma idade já mais avançada não tem um companheiro para engravidar, mas quer fazê-lo mais tarde, é considerada uma congelação não-médica ou 'social'. A idade ideal para a sua realização é difícil de definir, uma vez que, se o fizer muito cedo, poderá nunca necessitar de usar esses óvulos porque acabará por engravidar de forma natural. Por outro lado, depois dos 40 anos os resultados são muito maus. Acredita-se que o ideal será fazê-lo entre os 32 e os 38 anos. No entanto, o ideal é mesmo não adiar excessivamente o projeto para uma gravidez natural.
Deveríamos estar a realizar cerca do dobro dos tratamentos do que o que fazemos atualmente
Qual é o atual estado dos tratamentos da PMA no mundo?
Tem havido uma evolução considerável dos tratamentos em geral, sobretudo no que diz respeito à eficácia e à segurança. O foco tem sido colocado na redução da taxa de gravidezes de gémeos sem comprometer a taxa de sucesso dos tratamentos.
E no país? Qual o estado da PMA e do banco de Gâmetas?
Quando nos comparamos com os países mais desenvolvidos, no que diz respeito às práticas e às taxas de sucesso dos tratamentos, estamos dentro da linha do que se faz nos países mais desenvolvidos. Estamos mal no que respeita à acessibilidade. Em termos concretos, deveríamos estar a realizar cerca do dobro dos tratamentos do que o que fazemos atualmente. Esse número fica aquém por questões relacionadas com dois aspetos. Um deles é a difícil acessibilidade dos doentes aos centros públicos, que, infelizmente, estão longe de conseguir dar uma resposta aos muitos pedidos de tratamentos que lhes chegam. Este facto leva a que as listas de espera, para realizar tratamentos nestes centros sejam inaceitáveis. É um problema crónico. O tempo médio de espera para uma primeira consulta é de cerca de quatro a seis meses e de cerca de 18 meses para a realização de um tratamento de procriação medicamente assistida convencional.
A questão psicológica foi negligenciada durante muitos anos
Se falarmos do Banco Público de Gâmetas o problema é ainda mais gritante, uma vez que os tempos médios de espera para um tratamento com recurso a dádivas de óvulos ou espermatozoides é de aproximadamente três anos e meio. É difícil compreender que, num país que assiste ao envelhecimento progressivo da sua população, não haja um investimento sério num dos poucos setores do Serviço Nacional de Saúde (SNS) que lida ativamente com o aumento da natalidade. A outra causa para a dificuldade do acesso aos tratamentos prende-se com os elevados custos dos tratamentos nos centros privados, motivo que afasta muitos casais e mulheres do setor privado, onde a resposta é quase imediata.
A pandemia de Covid-19 agravou a situação?
O impacto foi muito significativo e, infelizmente, com graves consequências para os seus beneficiários, sobretudo para os que se encontravam em lista de espera no SNS. Os Centros de PMA pararam toda a atividade a partir da segunda metade de março de 2020, com exceção para situações inadiáveis de preservação da fertilidade, e só a retomaram, ainda que de forma progressiva, cerca de três meses depois. O aumento desse tempo de espera foi de cerca de seis meses e passados dois anos ainda não foi possível qualquer recuperação.
O apoio psicológico é importante?
A questão psicológica foi negligenciada durante muitos anos, mas atualmente os Centros de PMA já se preocupam bastante com essa vertente do problema. Todos os centros têm uma equipa de psicólogos para dar apoio a estes casais. No entanto, há ainda muito por fazer, nomeadamente nas situações em que os casais sofrem em silêncio e não procuram essa ajuda. É necessário implementar modelos de apoio em que não se esteja à espera de um pedido de ajuda, uma vez que esse pedido nem sempre chega.
Há muitas ideias tidas como verdadeiras que, na realidade, não têm qualquer base científica, como a de que não se engravida devido ao facto de se ter tomado a pílula durante anos seguidos
Quais os tratamentos disponíveis?
Existem dois tipos de abordagem: cirúrgica e médica. A cirúrgica aplica-se no caso de problemas vasculares do testículo ou de certas doenças do útero (pólipos, miomas), das trompas uterinas ou de alguns quistos ováricos. No entanto, a abordagem médica é a mais comum e genericamente podemos dividi-la em dois grupos. Os chamados tratamento de primeira linha, que consistem fundamentalmente em otimizar o processo de fecundação natural. Refiro-me às induções da ovulação e à inseminação intra-uterina (IIU). O outro grupo de tratamentos, ditos de segunda linha, é constituído por um conjunto de procedimentos que designamos por técnicas de procriação medicamente assistida. São tratamentos mais complexos, que envolvem uma componente laboratorial mais importante e em que a fecundação é levada a cabo no laboratório. Os mais comuns são a fertilização in vitro, a microinjeção intracitoplasmática de espermatozóides (ICSI), a transferência de embriões criopreservados e os testes genéticos pré-implantação.
Quais as taxas de sucesso dos diferentes procedimentos?
As taxas de sucesso variam com cada um dos tratamentos e com a idade dos pacientes, sobretudo da mulher. No caso da IIU podemos apontar para uma probabilidade de gravidez a rondar os 10 a 15% por cada tratamento. No entanto, com as técnicas de FIV e ICSI estes números podem chegar a valores de 50%, sobretudo nos casais em que as mulheres tenham menos de 35 anos de idade. Se falarmos em tratamentos realizados com ovócitos doados, a taxa de sucesso pode ser superior a 60%.
Qual a percentagem de nascimentos por PMA em Portugal?
Atualmente os tratamentos de PMA contribuem com cerca de 4% do total de nascimentos anuais no nosso país.
A mulher é, quase sempre, a chave do sucesso de um tratamento de fertilidade, uma vez que o ovócito, em termos reprodutivos é mais importante do que o espermatozoide
Quais os principais mitos associados à infertilidade feminina?
Os mitos que rodeiam as questões associadas à reprodução vêm desde os tempos mais antigos. Desde crenças religiosas até às convicções mais populares, há muitas ideias tidas como verdadeiras que, na realidade, não têm qualquer base científica, como a de que não se engravida devido ao facto de se ter tomado a pílula durante anos seguidos. O mais importante é ser esclarecido pelos profissionais de saúde sobre todos estes aspetos e não deixar que a ansiedade se apodere dos casais, uma vez que, mesmo não tendo uma ideia clara da forma como influencia a fertilidade, é intuitivo pensar que tal deverá acontecer.
Continua a associar-se a questão da infertilidade ao sexo feminino. Porém, nem sempre a 'culpa' é delas...
A mulher é, quase sempre, a chave do sucesso de um tratamento de fertilidade, uma vez que o ovócito, em termos reprodutivos é mais importante do que o espermatozoide. É por essa razão que se fala tanto na mulher quando há uma situação de infertilidade. No entanto, as causas identificadas estão atualmente distribuídas de forma quase simétrica, 50% para causas femininas e 50% masculinas, tendo estas últimas vindo a aumentar nos últimos anos devido a fatores relacionados com o estilo de vida.
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