Este cancro é dos mais mortais mas preveni-lo está nas nossas mãos

Todos os segundos contam nesta luta. Contudo, doentes recorrem "tardiamente" ao médico, diz Ulisses Brito, pneumologista e diretor do serviço de pneumologia do CHAlgarve, ao Lifestyle ao Minuto.

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Ana Rita Rebelo
10/08/2022 07:53 ‧ 10/08/2022 por Ana Rita Rebelo

Lifestyle

Entrevista

O cancro do pulmão persiste como uma das doenças oncológicas que mais mata em Portugal e no mundo. Esta realidade deve-se ainda ao diagnostico tardio, que compromete a eficácia dos tratamentos. Como tal, reconhecer os sintomas é uma das grandes 'armas' de doentes e médicos. 

"Os tumores evoluem muitas vezes de forma silenciosa, com poucos sinais de alerta ou com sintomas que são também explicados por outras situações, nomeadamente a tosse prolongada pelo uso do tabaco, o que faz com que os doentes recorram tardiamente ao médico", lamenta Ulisses Brito, pneumologista e diretor do serviço de pneumologia do CHAlgarve, em entrevista ao Lifestyle ao Minuto

Porém, nos últimos tempos, tem-se observado uma melhoria na taxa de sobrevida global destes doentes. "Na década de 90 a sobrevida média situava-se á volta dos 12 meses. Atualmente, situa-se por volta dos 18-24 meses", diz.

Leia Também: "O cancro do pulmão diagnosticado em fases precoces pode ser curável"

Porque é que o cancro do pulmão ainda é dos que mais mata no mundo?

Porque é diagnosticado mais tardiamente, em fases mais avançadas da doença, estando os doentes já tão debilitados que muitas vezes não respondem bem aos tratamentos

A taxa de sobrevida tem evoluído positivamente ao longo das últimas décadas

E o que explica os diagnósticos tardios?

Os tumores evoluem muitas vezes  de forma silenciosa, com poucos sinais de alerta ou com sintomas que são também explicados por outras situações, nomeadamente a tosse prolongada pelo uso do tabaco, o que faz com que os doentes recorram tardiamente ao médico. 

Por ano, são detectados quantos novo casos em Portugal? 

Segundo um relatório da União Europeia de 2021, sobre o estado da saúde em Portugal em 2020, estimavam-se cerca de 58 mil novos casos de cancro no país, representando o pulmão cerca de 18% (10 mil novos casos), com 12% nos homens e 6% nas mulheres. 

Qual a taxa de sobrevivência destes doentes?

A taxa de sobrevida tem evoluído positivamente ao longo das últimas décadas. Na década de 90 a sobrevida média situava-se á volta dos 12 meses. Atualmente, situa-se por volta dos 18-24 meses. Isto deve-se à investigação científica, com um melhor conhecimento da biologia dos tumores e, com isso, a descoberta de novos medicamentos dirigidos para determinadas características dos tumores, com reflexo positivo na sobrevida dos doentes.  

Leia Também: Diagnóstico precoce de cancro do pulmão "pode salvar vidas"

Quem é mais afetado: homens ou mulheres? E qual a média de idades?

Há uns anos atrás, os homens eram muito mais afetados. Ultimamente, a incidência tem subido nas mulheres, levando a um maior equilíbrio entre os sexos. Isto deve-se ao aumento do consumo de tabaco nas mulheres durante as últimas décadas. Já a média de idades situa-se por volta dos 65-70 anos

É possível diagnosticar este tipo de cancro mais precocemente? Implementar um rastreio não ajudaria?

Sim, seguramente. Aliás, isso está provado internacionalmente em grandes estudos. É o caso dos estudos 'Nelson' e 'NLST', que mostraram uma redução de mortalidade em 20%. O rastreio permitiria fazer o diagnóstico da doença em fases mais precoces e, por isso, com maior probabilidade de cura. De qualquer modo, enquanto não se consegue implementar o rastreio, a implementação de uma espécie de via verde, em que tentamos encurtar os tempos que medeiam entre a suspeição da doença, o diagnóstico e o tratamento, já seria muito bom.

Cerca de 85 a 90% dos cancros do pulmão estão relacionados com a exposição ao fumo do tabaco. No entanto, já existe uma percentagem significativa de doentes não fumadores

A prevenção continua a ser a arma mais eficaz contra o cancro do pulmão? O que se pode fazer? 

Em primeiro lugar, educar as pessoas no sentido de evitar os fatores de risco, sensibilizar a população para recorrer ao médico de família quando apresentam sintomas respiratórios ou gerais, bem como os médicos para despistar estas doenças em indivíduos de risco.

O consumo de tabaco continua a ser o maior risco?

Sem dúvida. Cerca de 85 a 90% dos cancros do pulmão estão relacionados com a exposição ao fumo do tabaco. No entanto, já existe uma percentagem significativa de doentes não fumadores.

Mesmo sabendo que o cancro do pulmão pode apresentar sintomas apenas numa fase mais avançada da doença, quais os sinais de alerta?

Por um lado, os sintomas respiratórios: uma tosse que apareceu de novo ou se agravou e persiste durante algum tempo, falta de ar agravada e expetoração com sangue. Por outro lado, os sintomas gerais: cansaço, falta de força, emagrecimento, falta de apetite.

Qual o processo pelo qual passa um doente com cancro do pulmão, desde o primeiro sintoma ao tratamento?

Passa por recorrer ao médico de família, médico assistente ou a um serviço de urgência para realizar exames gerais, nomeadamente análises de sangue e radiografia de tórax. Perante a avaliação destes exames, poderá ser colocada a hipótese de cancro do pulmão. Depois, passará a fazer exames mais específicos no sentido de diagnosticar a doença e avaliar o seu grau de extensão (estadiamento), fazendo vários exames como tomografias axiais computorizadas ao tórax, abdómen e, por vezes, à cabeça, e outros exames mais específicos e dirigidos e biopsias para se saber o tipo de tumor. Por fim, em função do tipo de tumor e extensão da doença, decidir-se-á qual o tratamento mais adequado. É um processo complexo que leva tempo até conseguirmos poder decidir com segurança.

Que tipo de terapias poderão ser utilizadas e quais os avanços mais recentes?

Os tratamentos são em função do tipo de tumor e da extensão da doença e órgãos atingidos. Existem vários tipos: cirurgia, radioterapia, quimioterapia, terapêuticas dirigidas para determinados marcadores tumorais e a Imunoterapia. A cirurgia é a terapêutica mais radical, usada em estadios precoces da doença quando ainda há possibilidade de cura. A radioterapia pode ser usada em várias situações, com potencial de cura, em doentes com lesões pequenas que não têm condições físicas de suportar uma cirurgia, em conjugação com a quimioterapia na tentativa de se ajudarem mutuamente a matar as células cancerosas ou como paliativa, para matar as células em determinadas zonas, que estão a causar sintomas graves. A quimioterapia é usada para matar as células cancerígenas em qualquer zona do corpo. As terapêuticas dirigidas (terapêuticas alvo), visam matar as células tumorais quando estas têm determinados marcadores. Por sua vez, a imunoterapia tem por objetivo estimular algumas células do organismo a matarem as células cancerosas.

Estes vários tipos de tratamento podem ser utilizados isoladamente, em conjunto ou sequencialmente no mesmo doente, de acordo com a forma de apresentação e de evolução da doença. Os avanços mais recentes são as terapêuticas dirigidas para determinados marcadores tumorais e a imunoterapia.

A Covid-19 tem implicações nestes doentes?

Sim, essencialmente nos doentes submetidos a quimioterapia, pois estão mais debilitados, e naqueles em que uma infeção viral ou bacteriana pode levar a uma progressão mais rápida da doença e fazer com que o doente já não aguente os tratamentos.

Quais os pilares fundamentais para uns pulmões saudáveis?

Evitar os fatores agressivos, tabaco, poeiras orgânicas e inorgânicas e praticar exercício físico.

Porque é que ainda não encontraram uma cura para o cancro ?

Em termos gerais, podemos dizer que muitos cancros já são 'curados' e outros se detetados precocemente também são curáveis. As dificuldades na cura do cancro devem-se essencialmente ao seu aparecimento em estados muito avançados e às características das células cancerosas que são multipotenciais, ou seja, desenvolvem resistência aos medicamentos com facilidade, levando a uma degradação progressiva do doente até uma fase em que já não consegue lutar contra a doença.   

Leia Também: Sete hábitos fáceis (e desprezados por muitos) que ajudam a evitar cancro

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