A Organização Mundial da Saúde estima que, em todo o mundo, existam cerca de 2,5 milhões de pessoas diagnosticadas com esclerose múltipla (EM), oito mil das quais em Portugal. Esta doença crónica incapacitante é uma reação do sistema imunitário que, por razões desconhecidas, ataca o próprio organismo, destruindo a mielina, uma camada de gordura que reveste as fibras nervosas.
Segundo a neurologista Sónia Baptista, os danos causados pela EM podem acelerar o processo de atrofia cerebral, mesmo quando tudo parece bem, e assumir o controlo da vida de quem dela padece. "No dia a dia, as pessoas com mais atrofia cerebral podem ter mais dificuldades na marcha e destreza manual, alterações cognitivas como esquecimentos frequentes, défice de atenção, lentificação e dificuldades no raciocínio e planeamento de atividades", explica a especialista, em entrevista ao Lifestyle ao Minuto.
Ainda que a doença não tenha cura, Sónia Baptista alimenta a esperança de que é possível impedir a sua progressão. "Recomendam-se hábitos de vida saudável", desde logo porque são meio caminho andando para melhorar as possibilidade de tratamento. "É possível estabilizar a doença e manter 'uma vida normal' em todas as suas dimensões", reitera.
Leia Também: Médico explica: Escoliose, mais do que viver com a coluna aos 'ésses'
Antes de mais, o que é a esclerose múltipla?
Trata-se de uma doença inflamatória crónica do sistema nervoso central, mediada pelo sistema imunitário que tem como alvo principal a mielina dos neurónios. Por isso, é também conhecida como uma doença desmielinizante.
Sónia Baptista© DR
Quais as causas?
É uma doença com causa multifatorial. Isto é, resulta da combinação de fatores genéticos e ambientais. Ou seja, a doença ocorrerá numa pessoa que tem um determinado património genético que lhe condiciona suscetibilidade para vir a desenvolver a doença, mas é igualmente necessário que esse indivíduo se exponha a alguns fatores ambientais: tabagismo, obesidade em idade infantil/adolescência, défice de vitamina D, infeção pelo vírus Epstein Barr.
Qual a prevalência da doença no mundo e em Portugal?
De acordo com os dados da Organização Mundial da Saúde, estima-se que existam cerca de 2,5 milhões de pessoas com esclerose múltipla no mundo. A prevalência da doença é muito heterogénea e varia significativamente consoante a área geográfica. É, por exemplo, muito elevada nos países mais afastados do Equador. O caso dos países nórdicos. Em Portugal, os últimos estudos apontam para valores entre os 50 a 60 por cada 100 mil habitantes.
A doença surge frequentemente entre os 20 e os 40 anos de idade
Afeta ambos os sexos de igual modo?
Não. A doença afeta mais frequentemente o sexo feminino numa proporção que varia de 2:1 a 3:1, ou seja, duas a três mulheres por cada homem afetado.
Leia Também: Hepatite. A inflamação silenciosa do fígado, explicada por um médico
Quais os primeiros sinais de alerta da doença?
Os primeiros sintomas da doença podem ser muito variáveis, mas os mais comuns são as alterações visuais, as alterações da sensibilidade e as alterações motoras. Geralmente duram alguns dias a semanas, muitas vezes com melhoria espontânea, não devendo ainda assim ser desvalorizados.
Manifestam-se a partir de que idade?
A doença surge frequentemente entre os 20 e os 40 anos de idade, ou seja, é uma patologia tipicamente dos jovens adultos.
Quais os impactos da atrofia cerebral no dia a dia dos doentes? E as consequências ao nível do bem-estar e relações?
A atrofia cerebral está associada a um risco superior de incapacidade motora e de manifestações cognitivas. Ou seja, no dia a dia, as pessoas com mais atrofia cerebral podem ter mais dificuldades na marcha e destreza manual, alterações cognitivas como esquecimentos frequentes, défice de atenção, lentificação e dificuldades no raciocínio e planeamento de atividades. Adicionalmente, podem ainda notar-se alterações no comportamento social que podem afetar negativamente as relações com as pessoas que rodeiam o doente, incluindo familiares, amigos e colegas de trabalho.
Qual a importância do aumento da Reserva Cognitiva?
A Reserva Cognitiva refere-se ao enriquecimento intelectual ao longo da vida e associa-se a uma maior capacidade do nosso cérebro de improvisar e encontrar formas alternativas de fazer uma determinada tarefa. Por outras palavras, confere proteção contra o envelhecimento e as lesões cerebrais. No caso concreto da esclerose múltipla, em dois doentes que apresentem o mesmo grau de lesão cerebral, aquele com maior reserva cognitiva irá tolerar melhor o dano cerebral e apresentar menos manifestações clínicas.
Leia também: Dor crónica? "É para tratar e ser erradicada"
Como tal, o que deve ser feito?
Devem ser implementadas estratégias para enriquecimento intelectual, nomeadamente participação em atividades de lazer estimulantes do ponto de vista cognitivo como a leitura, aprendizagem de um idioma, por exemplo, tentar manter-se profissionalmente ativo sempre que possível e evitar o isolamento social.
Existem muitos tratamentos disponíveis e é possível estabilizar a doença e manter 'uma vida normal' em todas as suas dimensões
Quais os passos que devem ser dados no futuro para promover a qualidade de vida destes doentes? Exercícios para estimular o cérebro?
Um passo fundamental para promover e manter a qualidade de vida dos doentes a longo prazo é, sem dúvida, iniciar e manter o tratamento farmacológico que é proposto pelo médico. Adicionalmente, recomendam-se hábitos de vida saudável, nomeadamente a evicção do tabagismo, praticar exercício físico, dieta saudável e prevenção/tratamento de outras doenças como a hipertensão arterial, diabetes e hipercolesterolémia. Todas as atividades que estimulem cognitivamente o cérebro, como a leitura, viagens, idas ao teatro e cinema, são benéficas.
O que importa desmistificar sobre a doença?
Que um doente com esclerose múltipla irá ficar necessariamente incapacitado e impossibilitado de realizar os seus sonhos. Felizmente, existem muitos tratamentos disponíveis e é possível estabilizar a doença e manter 'uma vida normal' em todas as suas dimensões: profissional, familiar e social.
Leia Também: Como prevenir a osteoporose? Saiba o que deve começar a fazer já hoje