Dermatite atópica: A pele que 'grita' e não dorme (nem deixa dormir!)
"Para além do prurido e sensação de ardor cutâneos, por vezes desesperantes, as próprias lesões cutâneas alteram a aparência e podem ser estigmatizantes", explica a dermatologista Rita Bouceiro Mendes, num artigo de opinião partilhado com o Lifestyle ao Minuto, a propósito do Dia Mundial da Dermatite Atópica, que se assinala esta quarta-feira, 14 de setembro.
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Lifestyle Artigo de opinião
A dermatite atópica é uma doença inflamatória crónica da pele, muito pruriginosa e com impacto significativo na qualidade de vida, principalmente nas formas moderada a grave. É uma patologia comum que pode afetar qualquer faixa etária, embora seja mais prevalente em crianças – estima-se que afete 10 a 30% das crianças e 2 a 10% dos adultos a nível mundial. Resulta de uma interação complexa entre alterações na função barreira da pele, desregulação imunológica, agentes infeciosos e ambientais.
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Há aumento da produção de imunoglobulina E, um anticorpo com um papel importante em doenças alérgicas pelo que estes doentes têm também maior risco de devolver alergias alimentares, asma e rinite alérgica.
Não existe nenhum exame de diagnóstico para a dermatite atópica que depende de critérios clínicos (que incluem a morfologia e localização das lesões e história familiar e/ou pessoal de atopia). Na pele podem observar-se manchas e pápulas eritematosas, com mais ou menos descamação, vesículas e escoriações.
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Na fase aguda as lesões são exsudativas e, com o tempo e evolução para cronicidade, surgem placas violáceas espessas e secas. Quando a apresentação é atípica uma biópsia de pele pode ser útil. A existência de prurido é um fator chave, indispensável para o diagnóstico de dermatite atópica. O prurido pode ser agravado por causas exógenas (como roupas de lã ou transpiração) e muitas vezes é mais intenso à noite interferindo com o sono e qualidade de vida e sendo muitas vezes causa de absentismo escolar e laboral.
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De facto, o impacto da dermatite atópica grave na vida dos doentes é enorme. Para além do prurido e sensação de ardor cutâneos, por vezes desesperantes, as próprias lesões cutâneas alteram a aparência e podem ser estigmatizantes. O doente com dermatite atópica é frequentemente alvo de comentários e olhares críticos, muitas crianças e adolescentes sofrem de bullying nas escolas. Tudo isto condiciona sofrimento físico e emocional que se traduz em isolamento social, depressão e ansiedade.
Lembro-me de um doente com dermatite atópica grave, envolvendo quase toda a pele, com sintomas que durante anos teve dificuldade em controlar. Todo o seu tronco era vermelho-vivo, cravado de marcas e escoriações. “Não me diga que não posso coçar! A minha vontade é coçar até arrancar a pele!”, disse-me. Fiquei algum tempo sem saber o que responder. Tentei literalmente pôr-me na pele dele. Naquela pele. Vermelha e inflamada, com estimulação constante dos neurónios sensoriais. Uma pele que gritava (por ajuda ou por fúria, não sei bem).
"Consegue ajudar-me?", perguntou. Confesso que naquele momento senti uma grande admiração por aquele homem de olhar triste e pele ferida. Dentro dele emanava ainda força e esperança, um arco-íris. Talvez eu, no lugar dele, onde por breves momentos quase consegui estar, fosse só desalento ou então revolta e fúria. Fúria, vermelha como a pele que gritava.
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O tratamento da dermatite atópica moderada a grave nem sempre é fácil. Para além dos cuidados gerais da pele (como aplicação regular de emolientes) e da utilização de anti-inflamatórios tópicos (corticosteroides e/ou inibidores da calcineurina), na doença grave muitas vezes é necessário adicionar fármacos sistémicos ou outros tratamentos como a fototerapia (em que expõe o doente a radiação ultravioleta, de forma controlada). Até há pouco tempo, estes fármacos incluíam essencialmente imunossupressores sistémicos.
Contudo, nem todos os doentes respondem adequadamente aos imunossupressores, que não estão isentos de efeitos adversos devendo o início e acompanhamento do tratamento ser sempre realizado por especialistas. Felizmente agora existem novas terapêuticas inovadoras, dirigidas para proteínas específicas que têm um papel chave na inflamação presente na dermatite atópica e noutras doenças alérgicas ou atópicas e que têm estado a revolucionar tanto a abordagem terapêutica desta patologia como a qualidade de vida dos doentes.
Para além do diagnóstico correto e da existência de tratamentos eficazes, é crucial aumentar o conhecimento da população em geral! O conhecimento sobre o que é e quais as repercussões da dermatite atópica ajudará a compreender melhor a realidade destes doentes.
Neste sentido e no âmbito do Dia Mundial da Dermatite Atópica, está até a decorrer uma campanha dirigida a adolescentes que pretende alertar para esta temática. No início deste texto eu disse que a dermatite atópica era uma doença de pele. Mas a verdade é que é muito mais do que isso. Tem muitas outras consequências e pode deixar marcas duradouras que, apesar de fundas, não se veem na pele.
*Artigo assinado pela dermatologista Rita Bouceiro Mendes
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