Um em cada três portugueses tem dor crónica. "Idade é importante fator"
O que é? Quais as consequências e tratamentos disponíveis? O Lifestyle ao Minuto falou com Filipe Antunes, vice-presidente da Associação Portuguesa Para o Estudo da Dor.
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A dor crónica é uma doença silenciosa e incapacitante. Segundo o estudo 'Prevalência e Caraterização da Dor Crónica nos Cuidados de Saúde Primários', promovido pela Grünenthal Portugal, 33,6% dos indivíduos em unidades de cuidados de saúde primários em Portugal vivem com dor crónica. Porém, por tratar-se de algo individual e subjetivo, o diagnóstico apresenta grande complexidade e, em média, só é feito quatro anos após os primeiros sintomas.
Para Filipe Antunes, vice-presidente da Associação Portuguesa Para o Estudo da Dor, a comunicação entre médico e doente é essencial. "A relação que se estabelece entre médico e a pessoa com doença é a base para toda e qualquer possibilidade de sucesso terapêutico", afirma ao Lifestyle ao Minuto, sublinhando que quando "se confia e tem uma relação de sintonia com o médico, a motivação é maior e a possibilidade de conseguir um resultado positivo muito superior".
Acrescenta ainda que a referenciação de doentes está já aos níveis pré-pandemia. "Estamos a regressar ao habitual. Às tantas até de uma forma aumentada, referenciando casos de exacerbação da dor pelo descondicionamento muscular ou pelo isolamento vivido durante a pandemia", aponta.
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A dor é pessoal e intransmissível. Cada individuo tem a sua dor, pelo que cada um descreve-a de forma única e diferenteA dor crónica é uma doença sem cura que afeta um em cada três portugueses. Qual a principal causa?
As causas de uma doença crónica são necessariamente múltiplas e diversificadas. A maior prevalência de dor em Portugal é a dor musculoesquelética, que afeta músculos articulações e ossos.
Como se caracteriza esta patologia?
A dor é pessoal e intransmissível. Cada individuo tem a sua dor, pelo que cada um descreve-a de forma única e diferente. Se se prolonga no tempo para além do que é expectável, falamos então de dor crónica, em termos de duração. As suas consequências são diversificadas, condicionando alterações físicas, psicológicas e socioeconómicas na vida de cada um. Falamos assim em dor total, aquela que afeta a pessoa na sua globalidade.
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Quais os principais fatores de risco associados à dor crónica?
A idade é um importante fator, porque implica uma menor condição física para responder as solicitações que o dia a dia nos coloca. A exigência profissional, física ou psicológica é outro fator a ter em linha de conta, particularmente se falamos em doença do sistema músculo-esquelético. O stress e a exigência psicológica a que a pessoa está exposta pode determinar ansiedade e a depressão, duas condições importantes que acompanham a cronificação da dor.
Quem está mais vulnerável?
Os mais frágeis, isto é, todos aqueles que em determinado momento têm menor capacidade física, psicológica e social para lutar contra a dor. Desde logo os mais idosos por esse conjunto de circunstâncias, particularmente se por uma qualquer razão estão ou vivem isolados.
A dor é a incapacidade mais limitante para o individuo, a principal razão pela qual procuramos cuidados de saúde
Como é feito o diagnóstico de algo tão subjetivo como a dor?
Individualmente, ouvindo e observando cada pessoa com a sua história clínica, o seu exame físico e caso necessário, completando o estudo com os meios complementares de diagnóstico, quer sejam analíticos, de imagem ou mesmo funcionais.
Qual é o impacto que esta condição pode ter na qualidade de vida do paciente?
Total. A dor é a incapacidade mais limitante para o individuo, a principal razão pela qual procuramos cuidados de saúde. Tem repercussões físicas em termos de afirmação corporal, psicológicas na participação individual e sociais de restrição na nossa atividade diária.
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É possível sofrer com dor crónica e ter uma vida produtiva?
Possível será, mas falta definir o que se entenderá por vida produtiva. Se na definição couber aquilo a que chamamos e damos valor como qualidade de vida, julgo sinceramente que não. A dor tem repercussões na globalidade da pessoa e necessariamente também na nossa capacidade de sermos criativos e produtivos.
Nota um aumento da referenciação de novos doentes para a consulta de dor crónica para os números pré-pandemia?
Sim. As pessoas voltaram a focar a atenção na saúde como um todo, valorizando a qualidade de vida e, sendo assim, na necessidade de combater e debelar a condição de dor. Se no caso da dor aguda essa premissa nunca se colocou, porque necessariamente tínhamos um sinal de alerta que nos sinalizava e que sentíamos necessidade imperiosa de ultrapassar, na dor crónica, pelo contrário, deixámos de a valorizar em detrimento da segurança, por um lado, e do receio, por outro. Isolámo-nos e não procurámos apoio. Agora estamos a regressar ao habitual. Às tantas até de uma forma aumentada, referenciando casos de exacerbação da dor pelo descondicionamento muscular ou pelo isolamento vivido durante a pandemia.
A relação que se estabelece entre médico e a pessoa com doença é a base para toda e qualquer possibilidade de sucesso terapêutico
Neste momento, as terapêuticas disponíveis conseguem garantir aos doentes uma melhoria da qualidade de vida? A inovação chegou a esta área?
Na doença crónica, como a dor crónica, a inovação acontece, ainda que de uma forma mais lenta. Não é todos os dias que temos um novo medicamento ou uma nova técnica ou dispositivo. Ainda assim, vai acontecendo. Tem havido uma consciencialização progressiva da necessidade de conjugarmos várias formas terapêuticas, quer sejam farmacológicas ou não farmacológicas e aqui, quer sejam físicas ou psicológicas. Julgo que esta noção é bastante inovadora na medicina em geral e na dor em particular.
Quais os maiores desafios no tratamento da dor crónica?
Conseguir motivar a pessoa que procura os cuidados de saúde. Compreendê-la na sua individualidade e explicar o nosso raciocínio baseado na ciência. Tornar a relação empática, de confiança mútua, para que todos saiam a ganhar na experiência e nos resultados.
Em que medida é que a relação médico/doente é essencial para alterar esta realidade?
A relação que se estabelece entre médico e a pessoa com doença é a base para toda e qualquer possibilidade de sucesso terapêutico. Se alguém procura um médico é porque necessita. Se confia e tem uma relação de sintonia com o médico, a motivação é maior e a possibilidade de conseguir um resultado positivo muito superior. Na dor crónica, motivação e resiliência são as chaves do sucesso terapêutico.
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