Dor ginecológica. Quando é que devemos procurar uma 2.ª opinião médica?

O Lifestyle ao Minuto questionou um especialista em ginecologia-obstetrícia.

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Ana Rita Rebelo
02/12/2022 09:30 ‧ 02/12/2022 por Ana Rita Rebelo

Lifestyle

Ginecologia

Sharon Stone revelou, recentemente, que descobriu um tumor benigno de grande dimensão que era preciso retirar. A dor ginecológica, por vezes avassaladora e que ainda continua a franzir alguns sobrolhos, foi o sinal de alerta. Nas redes sociais, a atriz norte-americana, de 64 anos, explicou que teve um diagnóstico errado e sublinhou que procurar uma segunda opinião médica foi algo decisivo. "Peçam uma segunda opinião. Pode salvar-vos a vida", alertou.

Esta situação, segundo José Reis, médico especialista em ginecologia-obstetrícia, é recorrente. "A dor é muitas vezes subestimada e por isso mesmo negligenciada, tanto pelos doentes como pelos profissionais de saúde", lamenta em entrevista ao Lifestyle ao Minuto. Como tal, sublinha, "sempre que a doente assim o entender, a segunda opinião médica é saudável".

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Os miomas uterinos são o tumor ginecológico benigno mais frequente, "estimando-se que uma em cada três mulheres desenvolva estes tumores durante a sua idade reprodutiva". "Continuam a ser, ainda hoje, o principal motivo para a realização de cirurgias de remoção do útero em Portugal". No entanto, há outras patologias associadas à dor ginecológica. 

Notícias ao Minuto © José Reis

Atualmente, o que mais preocupa a comunidade médica no que diz respeito à saúde da mulher?

A prevalência das doenças da mulher varia consoante a faixa etária. Na puberdade a maioria dos problemas estão relacionados com alterações do ciclo menstrual. As menstruações irregulares constituem uma importante causa de anemia neste grupo etário e, em casos graves, podem afetar significativamente a qualidade de vida e implicar eventuais transfusões sanguíneas. As causas mais comuns são as não estruturais, nomeadamente a disfunção ovulatória e as coagulopatias, sendo a doença de Von Willebrand a mais frequente. Na mulher em idade reprodutiva encontramos mais frequentemente as patologias uterinas estruturais, nomeadamente os miomas uterinos e pólipos endometriais.

É também nesta altura que surgem os sintomas relacionados com a endometriose e a adenomiose, que levam com frequência à procura de cuidados médicos por dor menstrual, dor nas relações sexuais ou dificuldade em engravidar. Outros motivos frequentes de procura de cuidados são as infeções vaginais e as alterações citológicas do colo do útero, detetadas através do conhecido teste de papanicolau. Na peri-menopausa e menopausa aumenta a incidência dos cancros do trato genital, nomeadamente o cancro do endométrio que é atualmente o cancro ginecológico mais comum nos países desenvolvidos.

Também surgem com mais frequência as queixas relacionadas com disfunção sexual, como seja a diminuição da libido bem como a disfunção do pavimento pélvico, que se associa a incontinência urinária ou a prolapso dos órgãos pélvicos.

A dor é muitas vezes subestimada e por isso mesmo negligenciada

O que é a dor ginecológica? 

A dor, que é um dos sintomas mais frequentes na procura de cuidados médicos, define-se como uma experiência multidimensional desagradável, que envolve a componente sensorial e a componente emocional. A própria Direção-Geral da Saúde reforça que o controlo da dor é uma prioridade e um critério inquestionável para a prestação de cuidados de saúde de qualidade.

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Existem diferentes tipos? 

Existem várias classificações. Uma delas é a que classifica a dor quanto à sua fisiopatologia. Temos a dor nociceptiva, em que há o reconhecimento de um estímulo nocivo, veiculado pelo sistema sensorial que inclui os nervos periféricos, a medula espinhal, o tronco encefálico, o tálamo e o córtex cerebral. Neste caso há uma aprendizagem do individuo a afastar-se do estímulo nocivo, no sentido de preservar os tecidos. Depois, há a dor inflamatória nas situações em que já ocorreu lesão dos tecidos e em que o organismo reage com o objetivo de curar as lesões. O limiar da dor é reduzido, aumentando-se a sensibilidade apenas nas áreas afetadas e, desta forma, previne-se o contato da zona lesada até que a reparação esteja completa.

Estes dois tipos de dor podem ser do tipo somático ou visceral, sendo em geral a dor somática bem localizada, contínua e aumentando com a pressão da área lesada, e a dor visceral de localização mais difusa e indefinida. A dor neuropática é a que decorre de lesões do próprio sistema nervoso e é do tipo 'ardor' ou 'picada'. Pode resultar de lesões dos nervos periféricos ou de lesões do sistema nervoso central. Já a dor funcional ocorre quando há um funcionamento anormal do sistema nervoso, que apesar disso está anatomicamente íntegro. Incluem-se neste tipo de dor a relacionada com a síndrome do cólon irritável ou a fibromialgia.

A dor que com mais frequência leva as mulheres a procurar cuidados médicos é a menstrual ou dismenorreia

A dor é algo normal ou essa ideia não passa de um mito enraizado?

A dor é muitas vezes subestimada e, por isso, mesmo negligenciada, tanto pelos doentes como pelos profissionais de saúde, o que faz com que frequentemente não se implementem medidas eficazes no seu tratamento. É necessário fomentar a investigação e desenvolver programas de formação nesta área.

Que patologias estão associadas à dor ginecológica e que merecem especial atenção?

São inúmeras as patologias que se podem associar à dor ginecológica. A dor que com mais frequência leva as mulheres a procurar cuidados médicos é a menstrual ou dismenorreia. Neste capítulo, a endometriose, a adenomiose e os miomas uterinos são as principais causas de dismenorreia. A endometriose tem como tríade clínica típica a dor menstrual intensa, dor nas relações sexuais e dificuldade em engravidar. Os miomas uterinos, além da dor menstrual, associam-se ainda frequentemente com hemorragia uterina anormal.

Falamos, por exemplo, de tumores de tipo fibroide?

Os miomas uterinos são o tumor ginecológico benigno mais frequente, estimando-se que uma em cada três mulheres desenvolva estes tumores durante a sua idade reprodutiva.

Em que consistem exatamente?

Têm origem nas células musculares da parede do útero, podem ser únicos ou múltiplos, e o tamanho pode variar entre alguns milímetros e dimensões consideráveis, podendo neste caso fazer protrusão para a cavidade abdominal e comprimir órgãos adjacentes ao útero.

Nem todos os miomas dão sintomas, mas quando estes existem podem ter um grande impacto na qualidade de vida da mulher

São frequentes?

Os miomas surgem tipicamente durante a idade reprodutiva da mulher, sendo raros antes da menarca, ou seja, antes da mulher iniciar as menstruações e tipicamente deixam de aumentar com a entrada da mulher na menopausa. Continuam a ser, ainda hoje, o principal motivo para a realização de cirurgias de remoção do útero em Portugal, daí a sua importância em termos médicos.

Quais os sinais e sintomas de que há algo não está bem?

Nem todos os miomas dão sintomas, mas quando estes existem podem ter um grande impacto na qualidade de vida da mulher e ser inclusive uma causa importante de absentismo ao trabalho. As mulheres devem conhecer e estar alerta para alguns sintomas e perante os mesmos procurar o seu ginecologista no sentido de fazer um despiste sobre a possível existência destes tumores uterinos.

A hemorragia uterina anormal é o sintoma mais frequentemente associado aos miomas uterinos, nomeadamente as menstruações abundantes ou a hemorragia intermenstrual. Outros sintomas são a dor menstrual, a sensação de peso na região pélvica ou sintomas urinários motivados pela compressão dos miomas sobre a bexiga. Por último, quando os miomas deformam a cavidade do útero, tal pode ter impacto negativo na fertilidade.

Existe alguma forma de preveni-los? Qual a taxa de cura?

Não há forma de prevenir o aparecimento dos miomas. Felizmente numa percentagem considerável de casos os miomas não dão sintomas ou dão sintomas mínimos e nestes casos a conduta pode passar apenas pela vigilância.  Quando existe necessidade de tratamento a conduta deve ser individualizada, dependendo da localização e volume dos miomas, da idade da mulher e da vontade de preservar ou não o útero, tendo em conta o desejo de uma gravidez futura. 

Entre as opções terapêuticas, temos fármacos que não tendo sido desenvolvidos especificamente para o tratamento dos miomas, podem ser utilizados para controlar a hemorragia uterina anormal, como é o caso dos contracetivos hormonais, dispositivos de libertação intrauterina de levonorgestrel ou ainda dos análogos da GnRh. Existem, contudo, fármacos que foram desenvolvidos especificamente para o tratamento dos miomas e que podem ser usados quando existe hemorragia uterina anormal, que são o acetato de ulipristal e a associação relugolix/ estradiol/ acetato de noretisterona.

Em algumas situações, quando a terapêutica médica não é eficaz ou não é tolerada, ter-se-á que optar pela cirurgia que consiste na remoção dos miomas ou mesmo na remoção do útero. Existe ainda a opção da embolização das artérias uterinas. A taxa de cura é muito variável, dependendo do volume, localização e número de miomas, bem como da idade da mulher.

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Em Portugal, as mulheres fazem avaliação ginecológica frequente?

Não existem dados concretos, mas a perceção é que varia consoante as faixas etárias, nível de desenvolvimento económico e sociocultural, bem como a localização geográfica.

Os médicos em Portugal estão sensibilizados para a questão da dor ginecológica?

Atualmente estarão mais sensibilizados, até porque as patologias que mais se associam a dor ginecológica, como é o caso da endometriose e dos miomas uterinos são hoje em dia mais debatidas. No caso da endometriose a doença é conhecida há mais de 100 anos, mas durante muito tempo foi pouco falada e pouco ensinada nas próprias escolas médicas. Só na década de 80 com o avanço na cirurgia laparoscópica é que o conhecimento da doença teve um avanço significativo, quer em termos de diagnóstico quer em termos de tratamento.

Um dos mitos mais frequentes é o de que é normal ter dor na menstruação ou que a dor menstrual se resolve após uma gravidez

Quais os erros mais comuns que podem comprometer os diagnósticos? São frequentes?

Mais do que em erros devemos falar em atrasos no diagnóstico. Dado que os miomas podem ser assintomáticos numa fase inicial, pode haver em consequência disso atraso no diagnóstico caso a mulher não faça consulta de rotina ginecológica. Há também situações em que nos exames de imagem, por exemplo na ecografia, os miomas se podem confundir com outras patologias do músculo uterino, com é o caso da adenomiose.

Devemos sempre procurar uma segunda avaliação médica?

Depende das situações e do quão confortável a doente se sinta com o médico e com o diagnóstico que teve. Sempre que a doente assim o entender, a segunda opinião médica é saudável e de estimular na relação médico-doente.

Quais os mitos sobre dor ginecológica que importa desmistificar?

Um dos mitos mais frequentes é o de que é normal ter dor na menstruação ou que a dor menstrual se resolve após uma gravidez. Este conceito, que não é correto, está disseminado não só na sociedade em geral, mas também em muita da comunidade médica menos desperta para o tema. A mensagem que devemos passar é que a dor menstrual intensa pode ser o primeiro sintoma duma patologia do foro ginecológico, com sejam a endometriose, a adenomiose ou os miomas uterinos e que como tal deve ser avaliada.

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